sábado, 31 de março de 2012

Santoro e eu, no fundo do poço

Depois que minha irmã morreu, meu rosto ficou diferente.

Todos os dias eu me olhava ao espelho e não me encontrava... havia um mistério ali, que durou meses. Aquele rosto refletido não era o meu. E onde é que estaria o meu rosto? O que é que tinha acontecido com ele?

Então um dia fui ao cinema ver “Abril despedaçado”, sem saber do que tratava o filme. E, já na calçada, diante do cinema, levei um choque ao ver O MEU ROSTO, imenso, no banner da propaganda.


Mais tarde entendi. Na cena da foto, o Rodrigo Santoro chorava pelo irmão morto.

Tempos depois, num papo com ele, ao fim de uma entrevista, contei que ele tinha, com aquela foto, me explicado o que é que havia acontecido com o meu rosto. Entendi, AO ME VER na foto DELE, que era o meu sofrimento que aparecia ao espelho, toda vez que eu me olhava... os meus olhos vazios, a minha boca amarga, as minhas bochechas murchas. A minha tristeza.

E não resisti:
-- Mas de onde foi que você tirou aquela dor? Como você conseguiu?

E ele respondeu, simplesmente:

-- Eu senti porque era verdade. Tinha perdido um irmão.

Os caminhos percorridos por um ator, para chegar à emoção que convença a platéia, nos são incompreensíveis. Lembrei da Kátia Lund, cineasta que preparou o elenco de “Cidade de Deus”, me dizendo, numa outra entrevista, que cinema não é trabalho para qualquer um, e que o ator, para tanto, tem mesmo é que ser genial:

-- Na hora de ser triste em cena, o olho dele está gigante na tela. Se a tristeza não for de verdade, o mundo inteiro vai ver.

Eu sabia que era tudo mentirinha, que ele havia perdido o irmão só no roteiro do filme... mas tive a certeza de que ele, sei lá como, chegou ao fundo do poço em que eu estava, e experimentou o terror do luto e o desgosto com a vida. Vi isso no rosto dele, que era igual ao meu rosto.

Em “Heleno”, sobre o craque do Botafogo, cheguei a bocejar... o filme é arrastado e superficial como uma novela das nove, e cheguei a ficar constrangida diante das tentativas do diretor de recriar a magia de “Bicho de Sete Cabeças”, filme que revelou o talento genuíno de Santoro, aliás.

Mas ver o protagonista em cena é um colírio para os olhos, e não porque ele seja bonito ou elegante. Mas porque ele consegue, como pouquíssimos, alcançar a raiz dos mais difíceis sentimentos. A vaidade, o medo, a desesperança... e uma tristeza sem fundo... e tão humana.

quinta-feira, 29 de março de 2012

A Pipoca é quem sabe das coisas...

Milho de Pipoca
(Rubem Alves)

Milho de pipoca que não passa pelo fogo continua a ser milho para sempre.

Assim acontece com a gente. As grandes transformações acontecem quando passamos pelo fogo.

Quem não passa pelo fogo, fica do mesmo jeito a vida inteira. São pessoas de uma mesmice e uma dureza assombrosa.

Só que elas não percebem e acham que seu jeito de ser é o melhor jeito de ser. Mas, de repente, vem o fogo. O fogo é quando a vida nos lança numa situação que nunca imaginamos: A dor.

Pode ser fogo de fora: Perder um amor, perder um filho, o pai, a mãe, perder o emprego ou ficar pobre.

Pode ser fogo de dentro: Pânico, medo, ansiedade, depressão ou sofrimento, cujas causas ignoramos.

Há sempre o recurso do remédio: apagar o fogo!
Sem fogo o sofrimento diminui. Com isso, a possibilidade da grande transformação também.

Imagino que a pobre pipoca, fechada dentro da panela, lá dentro cada vez mais quente, pensa que sua hora chegou: vai morrer.

Dentro de sua casca dura, fechada em si mesma, ela não pode imaginar um destino diferente para si. Não pode imaginar a transformação que está sendo preparada para ela. A pipoca não imagina aquilo de que ela é capaz.

Aí, sem aviso prévio, pelo poder do fogo a grande transformação acontece: BUM!

E ela aparece como uma outra coisa completamente diferente, algo que ela mesma nunca havia sonhado.

Bom, mas ainda temos o piruá, que é o milho de pipoca que se recusa a estourar. São como aquelas pessoas que, por mais que o fogo esquente, se recusam a mudar. Elas acham que não pode existir coisa mais maravilhosa do que o jeito delas serem. A presunção e o medo são a dura casca do milho que não estoura. No entanto, o destino delas é triste, já que ficarão duras pela vida inteira.

Transforme-se na flor branca, macia e nutritiva. Mude! A escolha só depende de você: Milho para sempre ou pipoca.


Eita cabecinha dura de milho... sofre, sofre, mas não aprende!

terça-feira, 27 de março de 2012

Eu e os velhinhos que de fofos não tinham nada

As comemorações sobre o centenário de um ator famoso me fizeram lembrar do exato instante em que aprendi a não tietar ninguém. Eu era ainda uma menina ingênua e recém-chegada das Minas Gerais, aquela terra tão diferente do Rio de janeiro e que, àquela época, antes do vídeo cassete, da TV a cabo, do celular e da Internet, era tãããããão distaaaaante do povo da Rede Globo...

Ou seja... estava eu no esplendor da minha alma caipira na tarde em que andava por Copacabana e opa... aquele ali não é o velhinho simpático da televisão???

Não tive dúvidas: tratei logo de “cercar o frango”, como se diz no interior.

-- Ô, seu Fulano, tudo bem com o senhor? É um prazer enorme estar aqui à sua frente...

Ao que ele me interrompeu, curto e grosso:

-- Ah, não me enche o saco, ô garota! Vai amolar outro e me deixa em paz!

Choque total.

Precisei de alguns segundos para me recompor, mas não perdi a fleuma e consegui sair com o nariz (como sempre) em pé, não sem antes dizer umas verdades...

-- Cruzes! Mas que velho mal-educado! E na novela ele parece tão bonzinho...

Este passa-fora foi o bastante para me mostrar que paparicar os “famosos” não está com nada, e foi também minha primeira aula sobre como nem todos os velhinhos do mundo são uns fofos. Anos depois, num ônibus na Barata Ribeiro, aconteceu a segunda aula. Eu estava já de pé no corredor, prestes a descer no próximo ponto, quando o velhote magriiiiiinho que se equilibrava à minha frente implorava ao motorista indiferente:

-- Meu filho, por favor, me diz qual é o último ponto da Barata?

Depois de vê-lo repetir a pergunta em tom suplicante algumas vezes, enquanto o negão que ia ao volante não lhe dava a mínima, eu, Super Fernanda, protetora dos velhinhos indefesos, entrei em ação e pronunciei as palavrinhas doces e mágicas:

-- O último ponto é o próximo...

Ao que o velhote virou-se e mandou, mais ríspido impossível:

-- E eu lá te perguntei alguma coisa, ô sua enxerida?

Desta vez, mal tive tempo para me recuperar do choque e dizer que ele era um grosseirão, porque meu ponto tinha chegado e precisei quase que passar por cima dele para poder descer.

A terceira aula aconteceu no dia em que me apressei para abrir a porta do elevador e deixar que duas senhorinhas entrassem antes, com suas muitas sacolas de supermercado. Mas quando botei a mão na porta, para abri-la, uma das duas resmungou, de forma que eu pudesse ouvir:

-- Grossa! Garanto que a mãe não deu educação...

Não pude crer.

-- A senhora está falando comigo?

-- É, com você, mesmo, que é uma sem-educação! Tá com pressa pra entrar no elevador? Pode entrar que as velhinhas esperam...

Tentei explicar que não, eu não estava com pressa e só queria mesmo era ser gentil, mas acho que elas eram surdas ou malucas, porque não ouviam nem entendiam... como minha paciência sempre teve limites, e eu também não era flor que se cheirasse (agora estou melhorzinha...), entrei no elevador , deixei que a porta se fechasse e gritei lá de dentro:

-- É, quando acordei, de manhã, decidi que hoje eu ia sacanear umas velhas...

Mas a pior, mesmo, foi a quarta e definitiva aula, que rolou num ônibus para São Paulo, em plena Rodovia Dutra, quando educadamente falei com a senhora que ia no banco de trás:

-- A senhora dá licença para eu puxar um pouco a cortina? O sol está me incomodando...

-- Não dou licença coisa nenhuma, sua cadelinha!

“Cadelinha”?! Assim, sem mais nem menos? Do nada?! Mas não é só comigo mesmo que acontece uma coisa dessas?!

A discussão pegou fogo no 1001, enquanto as duas freiras que dormiam pesado nos bancos da fileira ao lado roncavam e soltavam uma sinfonia de puns, e o cara da outra poltrona devorava um saco de cheesitos com a boca aberta e cara de quem está adorando a baixaria... no meio da briga, repentinamente caí em mim e pensei o que é que eu, a Princesa Real, estava fazendo ali, naquela situação grotesca... e botei um ponto final na crise.

-- Tá bom, ô maracujá de gaveta, pode ficar com a cortina toda pra você, porque sua pele está mesmo pedindo socorro, e eu sou jovem e linda e ainda posso me dar ao luxo de tostar ao sol.

Liguei meu CD player (alguém se lembra do CD player?) e cantei junto com o Raul, enquanto pensava em tudo aquilo e me convencia, mais uma vez, que o ser humano (inclusive eu) às vezes é mesmo um bosta!


domingo, 25 de março de 2012

"Seu nome deve estar na boca do sapo"

Meu amigo, verdadeiro “peixe ensaboado”, daqueles que “escorregam” em qualquer situação desagradável, deu um pulo pra trás ao ouvir as palavras funestas:

-- Você é boa pinta... mora num lugar legal... deve estar com o nome na boca de um monte de sapo por aí!

Ao que ele respondeu sabidamente:

-- Vade retro, coisa horrorosa! Sou mais o meu São Jorge e o Arcanjo Gabriel!

É nessas horas que a gente vê o quanto é importante estar de bem com os santos...

Quando eu era “criança pequena lá em Barbacena”, minha irmã me fazia de serviçal. E se eu, por algum acaso, tentasse me rebelar, ela mandava na lata:

-- Se não for pegar um copo d’ água pra mim você vai tomar bomba este ano.

“Tomar bomba”, pra quem não sabe, significa ser reprovada na escola... e eu, que tinha pavor de ficar pra trás enquanto minhas coleguinhas iam para frente, caía em todas as chantagens. Mais tarde tentei fazer o mesmo com minhas sobrinhas, mas a nova geração parece que veio mais esperta e não levou fé, o que me deixou muito frustrada, aliás, e pôs um fim em minha carreira de chantagista profissional.

Minha mãe também teve, em sua infância, a chantagista de plantão. Era a Iliaíz, temida por todas as coleguinhas da escola justamente porque tinha um talento especial para rogar pragas. E minha mãe confessava, às risadas, que era uma, entre tantas, que viviam fugindo da Iliaíz depois da aula.

Minha amiga Luciana apelou para o poder das pragas em nome de garantir a fidelidade do marido, avisando que, se ele fosse pra cama com outra mulher, ia fazer feio:

-- O “dito cujo” não vai funcionaaaar!!!! – avisou, com voz de madrasta de Branca- de-Neve.

Se o bingolim funcionou ou não, jamais saberei, mas o fato é que o Dom Juan se casou com outra... depois dessa, eu é que eu não levo mais fé em praga de ninguém.


Eu estou bem com todo mundo... até com o sapo!

quinta-feira, 22 de março de 2012

Frase feita é como um jeans 36

Uma vez li, em algum lugar, a frase fatídica:

"Mulher não toma remédio; toma atitude!".

Eu ainda era jovem e inocente, e não sabia que essas frases feitas são como um jeans 36, que não serve em quase ninguém. Então achei o máximo e entrei numas de que queria ser igual à distinta senhora autora das célebres palavras. E radicalizei: não punha nem Aspirina na boca, que dirá Neosaldina! Dipirona? Never! Antibiótico? Só em casos gravíssimos, e antiinflamatório eu risquei do meu caderninho.

Dor nas costas? Caía de cama e botava aquele emplastro Sabiá, conhece? Não resolvia o meu problema, mas eu sofria com dignidade e esperava a dor passar.

Se o drama fosse cólica menstrual, apelava para a velha bolsa de água quente. Dor de garganta, corria com a receita da minha mãe e botava um lenço com álcool enrolado no pescoço... e dá-lhe tosse! Cof! Cof! Cof!

Dor de estômago era combatida com um copinho de leite morno... e anos depois minha amiga enfermeira disse que isso é o pior que a gente pode fazer diante da gastrite. E foi categórica:

-- Doeu? Vai ao médico!

Nervosismo e afobação, fui resolver na escola de ioga, e realmente ajudou e muito! Mas nada dava jeito na insônia que veio morar aqui em casa, depois que meu pai mudou-se para outro planeta. Contei carneirinho, tomei chá de camomila, tentei ler “Em Busca do Tempo Perdido”, passei madrugadas assistindo Discovery e escutando meu marido ronronar no travesseiro ao lado. Só não fiquei totalmente maluca a ponto de ir limpar a casa no meio da noite... e olha que andei sem faxineira, hein?

Com o sono atrasado, comecei a mudar de personalidade: um dia me peguei xingando um taxista no trânsito. Outra vez, encerrei uma discussão com a flanelinha, reles desconhecida, gritando (com o dedo em riste):

-- Vai morrer com a boca cheia de formiga!!!!!!!!!!!!!!

Foi neste momento infame da minha existência, quando, no exato instante em que xingava, também me dava conta do absurdo, que dei o braço a torcer: eu não era (e jamais seria) durona como a tal mulher das palavras macabras lá de cima. Recolhi-me à minha insignificância e admiti que precisava DEMAIS de um remedinho. Dias depois, já medicada, voltei ao tal estacionamento e procurei a flanelinha com quem havia discutido. Ao vê-la, entrei de sola:

-- Minha querida, vim te pedir desculpas!

Ela me olhou surpresa:

-- Desculpas por quê?

Levei um susto: então ela não se lembrava da nossa terrível discussão? E expliquei, quase didaticamente:

-- Porque outro dia você me tratou mal e eu briguei com você. Eu estava nervosa, sabe? Mas fiquei arrependida e vim aqui pedir para sermos amigas!!! Não gosto de ser mal-educada com ninguém!!!

-- Aaaaahhhhhh, a senhora é aquela que disse que eu nunca vou conseguir ter um filho?!

Ôpa! Ela misturou as bolas. Parece que não sou a única maluca desvairada que anda à solta por aí. Ou então o problema é com ela mesmo, que briga com todo mundo.

-- Nãããããão !!!!!!!!!!! Imagina se eu ia dizer uma coisa horrorosa dessas! Falei só que você ia morrer com a boca cheia de formiga...

E encerrei a questão com um abraço bem festivo, dois beijos nas bochechas e ainda mandei um "eu te amo, querida, que bom que fizemos as pazes!". E tratei de sair logo dali. Saí sem olhar para trás e nunca mais voltei lá, mas acho que ela ficou me olhando de longe e pensando que, realmente, eu sou muito mais doida do que pareço.

Por estas e outras, que agora eu não saio de casa sem o meu melhor amigo. E, dependo da situação, já vou logo avisando:

segunda-feira, 19 de março de 2012

O Principe me ensinou a não cair em papo de raposa

O filme “Shame”, sobre o rapaz lindo, sexy e bem-sucedido que padece nas garras da compulsão sexual é um saco. O ator é ótimo e aparece pelado várias vezes, mas mesmo assim saí do cinema com a sensação de ter jogado fora o dinheiro do ingresso e, pior, duas horas da minha vida, ou seja, um verdadeiro desperdício.

Meu tempo é meu maior patrimônio e não gasto minha vida com nada que não valha a pena. Livros que não me tocam a alma, filmes arrastados, peças teatrais “cabeça”, viagens desconfortáveis ou raposas maquiavélicas. A gente demora a entender que o tempo está passando, mas depois dos 40 não tem jeito, esta verdade nos salta aos olhos todas as manhãs, na hora de escovar os dentes. E desperdiçar é que não dá, ainda mais com bicho ruim!

Cuidado então com as "raposas" de plantão, sempre prontas a recorrer à ladainha do “tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas”. Quem não lembra? Eita conversa mole! Onde já se viu chantagem pior?

Em “Shame”, o pobre rapaz, que tem bom coração, é explorado por uma irmã parasita que o joga pra baixo e faz da vida dele um inferno... e quando ele põe um limite, ela saca do coldre as cobranças, o jogo de culpa e, por fim, dá o bote final ao tentar o suicídio. Ele está preso e amarrado para o resto da vida, a menos que caia na real e tenha forças para livrar-se da vampira disfarçada de quadrúpede peluda...

Todo cuidado é pouco com as raposinhas à solta por aí, liiiindas... mas esfomeadas e ávidas para devorar o tempo, a esperança, a paz de espírito e a felicidade de quem estiver por perto. Esperto foi o Pequeno Príncipe, que não se deixou levar!


Ela bem que tentou, mas ele viu que era furada!

sexta-feira, 16 de março de 2012

Peguei carona na máquina do tempo

Eu sei... já li ou já ouvi em algum lugar que a memória mais possante que temos é a olfativa: basta sentir o perfume do primeiro namorado e zás! Menos de um milionésimo de segundo e já estamos lá, naquele abraço que só ele sabia dar... Cheiro de torta de maçã? Zás, e estamos na cozinha da avó...

Pois hoje viajei ao passado, e o piloto da máquina do tempo não foi o meu nariz.

Tive a sorte de crescer em uma casa onde a música reinava, ao lado dos livros. Bem cedo, eu já gostava de tango, de bolero, de rock e de guarânias. Caí de amores pela valsa lá pelos 11 anos, e até aprendi a valsar, nos ensaios do baile de debutantes das minhas irmãs.

E hoje finalmente chegou minha encomenda: um disco do Supertramp, e que nem é essas “coca-colas”... “Free as bird” é o nome, e meu pai o comprou quando eu já estava lá pelos 19 e já conhecia a dita banda havia muito tempo... ao som de Supertramp curti muita dor-de-cotovelo, assim como America, The Monkees, Fleetwood Mac, Elvis, Edith Piaf, Charles Aznavour, Ray Charles, Withney Huoston...

Quem, com mais de 40, não namorou ao som de Barry White? Quem não dançou com Marvin Gaye?

Mas este disco do Supertramp, em especial, ficou por mais de 20 anos guardado na minha lembrança, sem que eu ouvisse uma só de suas canções. Ele não fez sucesso... então não toca em rádio, não é facilmente “encontrável” nas lojas e, pra piorar, ninguém tem. Por todos estes anos, eu cantarolava as poucas frases que guardei na memória: “it doesn’t matter what I do; it doesn’t matter much to you...” “But every time I ask you to tell me why, you say it’s not the moment…”.

E quando finalmente botei o CD pra tocar, fechei os olhos e esperei a mágica acontecer. Não é que ela aconteceu mesmo?

Quando dei por mim, ao som de “It´s alright”, a viagem já tinha dado certo, e eu tinha outra vez 19 anos e dançava na sala de casa. A cabeça, cheia de sonhos, planos e dúvidas... um livro de biologia inteirinho pra estudar e um namorado lindo morando no prédio ao lado, de onde me chamava com um assovio, pela janela do quarto.

Minha mãe fazia o café das quatro horas e meu pai estava prestes a chegar do trabalho. Meus irmãos transitavam pra cá e pra lá, enquanto disputavam a máquina de lavar , o único banheiro da casa ou o telefone: coisas de família grande.

Enquanto isso, eu curtia meu Supertramp sossegada... e feliz da vida!



quarta-feira, 14 de março de 2012

A felicidade veio montada num caramelo

Minha tia Leléia era um show de mulher: bonita, elegante, inteligente e bem-humorada. Além de ser um tipão, bem estilo Greta Garbo, a estrela de cinema que virou mito, tia Leléia tinha ainda um talento natural para estrelar situações embaraçosas. Foi assim que, ao entrar na loja do “seu” Frota, um respeitável comerciante de tecidos conhecido da família, ela passou por um constrangimento digno de crime passional, quando ele se aproximou e sussurrou, em tom confidencial:

-- Danada, por que você foi embora ontem e não esperou que eu acordasse?

Chocada, ela deu um passo atrás, mas ele segurava suas mãos nervosamente e falava baixinho. Ela tentou chamá-lo à razão.

-- “Seu” Frota, sou eu, a Maria Léa...

E ele, inconformado, um segundo antes de ela fugir porta afora:

-- Agora vai querer mudar de nome?! Quero saber por que é que foi embora e me deixou lá! Saiu sem me acordar, sua malandrinha! Logo ontem, que a minha mulher tinha ido visitar a mãe dela!

Mas este episódio não é nada diante do dia em que ela entrou, linda e poderosa, na finada Confeitaria Colombo que havia em Copacabana, para um lanche com as amigas. “Fechou” a confeitaria assim que pôs os pés lá dentro, e não passou desapercebida a absolutamente ninguém. Todos se viraram para vê-la passar entre as mesas, tão elegante com o vestido de seda e uma piteira na mão.

A mágica durou pouco. Escorreu ralo abaixo enquanto ela, horrorizada, gritava a plenos pulmões:

-- Um dente!!!! Um dente no caramelo!!!!!!!!

Em peso, a Colombo voltou-se para ela, que em vez da piteira, tinha agora o caramelo entre os dedos... e nele, bem coladinho, jazia um molar. Choque geral, silêncio de horror... e ela, repentinamente, deu outro grito:

-- É meu!!!!!!

Desde a infância, já ouvi esta história milhões de vezes, mas não tem jeito: sempre dou risada. E como este mundo não perdoa, dia desses me aventurei ao prazer de uma bala Toffees, daquela que gruda deliciosamente nos dentes... e fiquei sem o único bloco que tinha na boca. Pelo menos não tive um ataque; consegui manter a pose até o banheiro, onde, entre quatro paredes, constatei minha banguelice em completa solidão.

Mas... há males que vêm para o bem, é o que sempre digo. Aquele bloco prateado, que fiz para salvar um Siso, me incomodava tremendamente, em meio a todos os meus dentes branquinhos. Milhões de vezes olhei para ele, diante do espelho, pensando que sim, um dia eu criaria coragem para tirá-lo de lá, substituindo-o por um branquinho da Silva, porcelana total! Mas quede a coragem para gastar uma grana preta em nome desta vaidade? Afinal era só um dente lá no fundo da boca... um dente que ninguém, além do Marcelo Migliaccio, o cara mais crítico que Deus botou neste mundo, já havia reparado (e apelidado de "Panelão").

Então... eis que uma bala de leite entrou em minha vida e mudou tudo... a dentista, que é amiga há anos, ganhou o dia ao ver minha felicidade com o dente novo. E eu, que tinha reclamado tanto do gasto inesperado, acabei agradecida à tragédia inicial:

-- Bendito caramelo!

domingo, 11 de março de 2012

Toda princesa real de vez em quando pira!


Ainda guardo o volume da velha coleção da infância: é que nele tem a história da “princesa real”, cuja mãe, além das avós, bisavós e tataravós, também foi princesa, todas de sangue azul nas veias transparentes. Magrinha, ela sem saber dormiu sobre muitos colchões de plumas postos sobre uma ervilha pela futura sogra, interessada em saber se seria mesmo ela uma princesa real. E acordou toda roxa e cheia de dores, porque a ervilha havia maltratado seu corpinho frágil de aristocrata. E eu, magrelinha lá de Minas, já fui logo decidindo:

-- Eu sou uma princesa real!

A decisão foi tomada quando eu ainda não sabia ler e minha irmã me contava as histórias dos livros, misturando-as à própria imaginação e, muitas vezes, deixando para lá o livro e narrando só mesmo o que lhe saía da cabeça: castelos, reinos, cavalos, príncipes e princesas se juntavam a seres mitológicos e flores que jamais murchavam, além de peixes que falavam e cidades inteiras invisíveis...

Os anos passaram, mas jamais deixei de ser a princesa real de todos aqueles lugares que ela inventava. Inclusive, o nome que escolhi para dar de chofre, quando não quero revelar minha verdadeira identidade só podia ser... Elisabeth, é claro!

Vez por outra, dependendo de como venha a TPM, meu desejo é mesmo fazer como a colega de “Alice do País das Maravilhas”, a Rainha de Copas, e ordenar, sem dó nem piedade:

-- Cortem-lhe a cabeça!

Meu marido disse que, nesses dias, o risco seria restar, além de mim, só o carrasco, assim mesmo cada um com seu machado nas mãos, enquanto trocaríamos olhares desconfiados e ameaçadores. Dou risada, e o pior é que concordo. É que, como eu lhe disse logo que nos conhecemos...

-- Toda princesa real de vez em quando pira!

Olha, lamento dizer, mas não há charme ou educação que resistam à minha tensão pré-menstrual. Recorro aos vilões dos desenhos animados do saudoso Vila Sésamo, para dizer que “fico tão má que tenho medo de mim... há! há! há!!!!!”....

Aliás, é justamente o meu “termômetro da piração” que avisa quando a TPM chegou: pode ser porque fico sentimentalóide e caio no choro quando o supermercado não tem a caixinha de isopor pra eu comprar os picolés de baunilha e chocolate... pode ser porque bate um atrevimento surreal e logo eu, que detesto briga, viro uma metralhadora giratória... pode ser porque acordo tão cansada que decido bancar o urso e resolvo hibernar o dia inteiro... ou então me convenço de que corpinho com tudo em cima é besteira e traço logo três daqueles picolés... e depois quase corto os pulsos de arrependimento e não como mais nada o dia inteiro, pra compensar. E pode ser, também, porque eu pego o meu santo marido pra Cristo e testo seu amor milhões de vezes, até que por fim fico carente e pergunto, com as velhas lágrimas nos olhos:

-- Você me acha chata?

-- Não, meu amor, pra ser chata você tem que melhorar muito, porque você é chatérrima!

E foi numa tarde dessas, de TPM total, que pra me livrar de uma abelha e afugentá-la, arranquei a roupa no meio da rua, nem aí pra quem passava. Quem viu, registrou só para provar a velha teoria: toda princesa real de vez em quando piiiiiira !!!!!!!!!!!!

sábado, 10 de março de 2012

Os órfãos são todos criancinhas

Aniversário

Fernando Pessoa
(Álvaro de Campos)


No tempo em que festejavam o dia dos meus anos,
Eu era feliz e ninguém estava morto.
Na casa antiga, até eu fazer anos era uma tradição de há séculos,
E a alegria de todos, e a minha, estava certa com uma religião qualquer.

No tempo em que festejavam o dia dos meus anos,
Eu tinha a grande saúde de não perceber coisa nenhuma,
De ser inteligente para entre a família,
E de não ter as esperanças que os outros tinham por mim.
Quando vim a ter esperanças, já não sabia ter esperanças.
Quando vim a olhar para a vida, perdera o sentido da vida.

Sim, o que fui de suposto a mim-mesmo,
O que fui de coração e parentesco.
O que fui de serões de meia-província,
O que fui de amarem-me e eu ser menino,
O que fui — ai, meu Deus!, o que só hoje sei que fui...
A que distância!...
(Nem o acho...)
O tempo em que festejavam o dia dos meus anos!

O que eu sou hoje é como a umidade no corredor do fim da casa,
Pondo grelado nas paredes...
O que eu sou hoje (e a casa dos que me amaram treme através das minhas
lágrimas),
O que eu sou hoje é terem vendido a casa,
É terem morrido todos,
É estar eu sobrevivente a mim-mesmo como um fósforo frio...

No tempo em que festejavam o dia dos meus anos...
Que meu amor, como uma pessoa, esse tempo!
Desejo físico da alma de se encontrar ali outra vez,
Por uma viagem metafísica e carnal,
Com uma dualidade de eu para mim...
Comer o passado como pão de fome, sem tempo de manteiga nos dentes!

Vejo tudo outra vez com uma nitidez que me cega para o que há aqui...
A mesa posta com mais lugares, com melhores desenhos na loiça, com mais copos,
O aparador com muitas coisas — doces, frutas o resto na sombra debaixo do alçado,
As tias velhas, os primos diferentes, e tudo era por minha causa,
No tempo em que festejavam o dia dos meus anos...

Pára, meu coração!
Não penses! Deixa o pensar na cabeça!
Ó meu Deus, meu Deus, meu Deus!
Hoje já não faço anos.
Duro.
Somam-se-me dias.
Serei velho quando o for.
Mais nada.
Raiva de não ter trazido o passado roubado na algibeira!...

O tempo em que festejavam o dia dos meus anos!...

Leia também:
A vida é uma caixinha de surpresas

Vai ter festa no céu

Se somos tudo, também não somos nada

quinta-feira, 8 de março de 2012

Árvore genealógica da dor

O velho Alencar, sentado na grama da varanda,
espalhava olhares sobre a paisagem do campo
(imutável prado;
sonhador imutável na mesma varanda de tantos anos).

Lembrava-se de Cléa...
de sua risada sonora;
e dos seus bordados,
retratos daquela terra.

Ao pensar Cléa,
fitava o rosto cru de Estela:
um rosto duro
marcado pelo choro como se fosse chuva
na terra estéril.

Cléa vivia no retrato sobre a mesa
e na solidão de Estela.
Vivia nos olhos de Alencar,
coloridos por triste azul.

Cléa e Tereza
ainda viviam nas doces mãos de Marina,
na bondade irmã
a sustentar Estela e Diana.

Cléa e Tereza eram mães da dor,
irmãs da bondade
e inteiramente mistério.

O velho Alencar era já a imagem de Gonçalves,
parceiro da memória.

Gonçalves, todo lembrança...
viva corrosão
das imagens multicores do passado.

(Fernanda Dannemann)

quarta-feira, 7 de março de 2012

A violência como herança de geração em geração

O noticiário não deixa dúvidas a respeito da violência contra crianças: este é um “mercado” em franca expansão no Brasil.

Usei a palavra “mercado” porque não têm sido poucos os casos de pais adotivos que espancam, torturam e matam crianças que escolheram acolher, e esta idéia me faz pensar que, nos casos em questão, a adoção foi um gesto macabro, uma escolha premeditada do algoz que elege a vítima. Crime hediondo que merece cadeia sem direito a fiança, dó ou piedade.

Também há os pais consangüíneos que cobrem os filhos de hematomas, traumas e horrores de morte... e o que pensar deles? É difícil não resvalar no julgamento, principalmente quando a vítima é indefesa ao extremo, seja por sua fragilidade ou pelo fato de não ter a quem pedir socorro... porque o agressor teria que defendê-la de si mesmo. Afinal, o que são os pais (ou deveriam ser?) além de os maiores defensores de seus filhos?

Para estes bárbaros, a violência contra a infância jamais terá fim, porque a criança que eles realmente querem agredir está dentro deles: é aquela que eles mesmos foram, e que também sofreu nas mãos de alguém tão doente ou cruel quanto eles o são hoje... então a violência vai passando de geração em geração e perpetuando-se na família, como uma herança de sangue.

Mas a Psicologia está aí é para isso mesmo, para curar as dores da alma que fazem de nós meros fantoches, manipulados por neuroses e ressentimentos. Não que eu acredite que para todos os agressores haja cura, porque se há os que batem por ignorância, e são sensíveis à reeducação, há também aqueles que se divertem com o sofrimento que causam... e para estes não há Psicologia que baste.

O que o agressor deveria saber, é que cabe ao ser humano buscar sua libertação, pisar e esmagar a serpente do mau impulso. Aprimorar-se a ponto de não se transformar no que ele mesmo mais teme e despreza. É para isso que o homem está neste planeta, afinal: esta é a sua missão, embora muita gente ainda duvide e prefira levar a vida na flauta da inconseqüência e do erro... um caminho bem mais fácil para os preguiçosos.

Seguir o modelo neurótico ou violento que um dia o fez sofrer, como um escravo, em nada aplacará seu pesadelo íntimo. Da mesma forma, aquela criança que ainda sofre e chora, escondida no canto mais obscuro do seu coração, precisa é ser curada, abraçada, defendida, inclusive porque já sofreu demais. Amar aquela criança-fantasma, que arrasta correntes nas suas noites de insônia, é a única forma de seguir adiante, de deixar o passado para trás, de deixar de ser um corte aberto em permanente hemorragia.

E as crianças de hoje, todas as crianças do mundo, podem ser uma parte daquela que o agressor foi, e receber todo o amor e proteção que poderiam tê-lo salvo do seu destino de tragédia.

Criança é gente: merece amor e respeito mesmo quando faz birra!

segunda-feira, 5 de março de 2012

As almas postiças da mulher "forte"

Esta semana comemoramos o Dia Internacional da Mulher, que essencialmente tem a ver com as lutas femininas por uma vida melhor e envolve questões como trabalho digno, liberdade e cidadania. Com o tempo, esta essência se perdeu como aconteceu com o Natal e a Páscoa, e sobrou o marketing. Pena.

Pena porque uma data como esta deveria nos fazer pensar sobre as questões femininas. Não só em direitos e deveres em franca expansão graças a mulheres corajosas e admiráveis, mas também no que vai dentro do coração e da cabeça da mulherada atual... como alguns estereótipos que carregamos, quase “almas postiças” que nos pesam horrores sobre as costas.

Estamos em um momento delicado da nossa ascensão social neste mundo tão masculino... um momento em que a idéia de “conquista” e de “liberdade” parece se confundir com “força” e “poder”, como se tudo isso fosse, lá no fundo, coisa de homem... então, para provar que também “podemos”, temos que nos masculinizar.

Algumas, mais perdidas do que cego em tiroteio, fazem do corpo sua bandeira de liberdade, incapazes de perceber que sair pelada ou transar com toda a torcida do Flamengo só vai mesmo é pegar mal... porque liberdade sexual não tem nada a ver com baixaria, e macho que é macho não veste a fantasia de “pegador” pra provar nada pra ninguém.

Por falar em fantasia, pode dizer que é exagero meu, mas acho o fim da picada esse negócio de mulher usar terninho. O que é o terninho, senão uma fantasia de mulher muito “macha”, que manda geral, que “bota o pau na mesa”, como diz a gíria popular? A profissional competente não precisa desses subterfúgios “masculinizadores” para garantir o respeito: sabe que basta ser séria e competente, e o resto é conseqüência.

Nos relacionamentos, quantas buscam igualdade de direitos e deveres, muitas vezes errando a mão e transformando o amor numa competição constante! Uma luta perdida, sem vencedores: elas se esquecem que homem e mulher são diferentes, não tem jeito, e são complementares, cada qual com suas funções estabelecidas pela santa natureza, tão sabiamente, aliás.

Você pode pensar que fiquei doida, mas vou além. Acho até que o exagero na ginástica pode ser um sintoma de inadequação, visto que o muque de ferro parece transformar a mulher de fora pra dentro, tirando dela a fragilidade peculiar... creio que o objetivo seja mesmo este, disfarçar a fragilidade que, doa a quem doer, é fato, mas virou motivo de vergonha para muita gente.

Na ânsia de bancar a “fodona” e de conquistar suas “metas”, em vez de buscar seus desejos, quantas não metem os pés pelas mãos e acabam jogando fora suas chances mais verdadeiras? Quantas não enxergam que ser “guerreira” nada tem a ver com declarar guerra ao mundo?

Ao pegar o caminho errado em busca do seu lugar ao sol, muitas acabam escravas de um papel duríssimo que escreveram para si mesmas, com base em mitos masculinos que só podem nos trazer dor e confusão... para sermos livres, independentes e poderosas, não precisamos enterrar nossa essência feminina nos fundos do quintal, nem tentar, em vão, imitar os homens. Caso contrário, em breve teremos que mutilar ainda mais o que há de humano em nós mesmas, num golpe mortal em nossa sensibilidade maior, e aprender que "mulher não chora". Pobres de nós!


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sexta-feira, 2 de março de 2012

A carroça vai andando e as melancias vão se ajeitando

Mais espantada fiquei diante da confissão de Marcelo Crivella após o convite para o Ministério da Pesca, do que diante do próprio convite!
O senador, no que para muita gente pode ter sido um gesto de humildade, admitiu ter que aprender muito em sua nova função...

Agora, quem vai confessar sou eu: longe de mim querer julgar, mas já julgando, achei um absurdo a nomeação de fins eleitoreiros, mas o absurdo maior é o senador ter aceito o cargo. Um cargo do qual ele entende patavinas, assumidamente... e olha que não estamos falando de coisa sem importância, mas de um ministério...

Chegamos ao ponto. Neste post, Crivella estréia como exemplo de um costume muito arraigado aqui nas nossas terras, que é “meter a cara” e sair fazendo as coisas, mesmo sem o preparo necessário ao desafio. Uma atitude que tem tudo a ver com o “jeitinho brasileiro”, que empurra a situação com a barriga e vai levando, porque como diz o dito popular, “a carroça vai andando e as melancias vão se ajeitando”.

Vejo esta postura em todos os lugares: nas repartições públicas, nas agências bancárias, nas redações dos jornais, na televisão, no cinema, nas faculdades... quanta gente despreparada em ação, atuando em cargos ou posições para os quais não têm talento ou competência... mas está lá, num teatro diário, escondendo de si mesma suas incapacidades e tirando a maior onda de sabichona diante do mundo inteiro.

Foi assim que um médico famoso chamou minha irmã de “fresca” e mandou-a para casa, afinal de contas ela reclamava de dores “irreais”: meses depois, o câncer já estava tão grande que não teve solução.

As aparências valem tanto em nossa sociedade que, se você admite um ponto fraco, um “gap”, como dizem os executivos, se admite uma insegurança ou falta de talento, é visto como fraco, perdedor, covarde. A palavra “desafio” caiu na boca do povo como se, para quebrar barreiras, bastasse apenas a inconseqüência para topar qualquer parada. Se você recusa um “desafio” por não se ver apto, certamente será chamado de bobo por todos os seus amigos. Já não podemos ser simplesmente humanos e assumir nossos limites, porque o que se espera de nós é que estejamos preparados para o que der e vier: temos que ser super-heróis. Ou, em última análise, ter uma tremenda cara-de-pau.


Ziraldo é mestre: não é assim mesmo que somos no amor?