quarta-feira, 30 de maio de 2012

Brucutu e a cultura brasileira

Aconteceu comigo, numa fila de portaria de prédio comercial. O sujeitinho quase se colava às minhas costas, e não adiantava eu desviar porque ele vinha atrás, fazendo-me pensar no programa que passou no Discovery, e que dizia que fila apertadinha é coisa típica de chinês: faz parte da cultura deles não deixar espaço nem pra um vôo de mosquito entre uma pessoa e outra, quando o assunto é fila. E o tal chato, que não tinha nada de chinês, mas tudo de inconveniente, lá pelas tantas engatou uma conversa ao Nextel, literalmente gritando ao pé do meu ouvido.

Dei graças a Deus quando mudei para a fila do elevador e me livrei daquele encosto, mas eis que ele logo estava ali, bem atrás de mim, novamente. Com gente assim, não tem jeito. O negócio é abstrair e pensar em alguma coisa boa, como o último pedaço daquele doce de abóbora que você vai comer quando chegar em casa. Infelizmente não agüentei, reclamei e tive que mandar, goela abaixo, a resposta que o figurinha me disse em tom ameaçador.

-- Os incomodados que se mudem! Tá pensando que eu tô dando em cima de você, meu bem?

Suspirei e me fiz de morta. Eu é que não vou dar mole pra Kojak e discutir com um Brucutu do século 21. Tenho uma pose a manter, afinal de contas!

Aqui nestas terras tropicais respeito é artigo de luxo, e mesmo que todas as classes sociais do alfabeto ganhem muito dinheiro, educação infelizmente é coisa que não se compra. Deve ser mesmo cultural pensar assim: “Eu, desligar meu celular no cinema?! Nem pensar! E se o presidente dos Estados Unidos me telefonar?”. Ou: “Respeitar lugar na fila?! Pra quê, se eu posso pedir pra algum idiota guardar o meu lugar?”. E ainda: “Ser gentil no trânsito?! Ah, mas o Speed Racer aqui não pode deixar ninguém passar!”.

E então lembro de outra história que tem a ver com esse lance "cultural": um grupo de amigos meus curtia um sol, numa praia da Grécia, quando uma das moças resolveu entrar na onda das europeias e tirar o biquíni. O marido mandou logo:

-- De jeito nenhum, mulher! Tá doida?

E ela, cheia de si:

-- Ai, que caretice, Fulano! Nudismo é uma questão cultural!

E o maridão acertou naquela mosca que, lá na China, não conseguiu espaço na fila:

-- Cultural pra elas! -- respondeu, ao mesmo tempo em que apontava a mulherada.
-- No seu caso, é sem-vergonhice de brasileira mesmo!

segunda-feira, 28 de maio de 2012

O bem, às vezes, chega disfarçado de mal

Li no jornal sobre a vida do treinador físico William Vorhees, o rapaz que nasceu numa favela carioca e, astro de um roteiro surpreendente no teatro da vida, virou a mesa bem na cara do tal "destino traçado".

Ainda bem novo, foi parar na Funabem, aquela instituição governamental que deveria cuidar de crianças sem guarda familiar, mas que, em vez disso, segundo relatos, fazia da infância um terror. O menino foi parar ali porque uma vizinha, a pretexto de fazer um bem, fez a denúncia que mudou tudo, ao avisar as autoridades que ele ficava sozinho em casa quando a mãe saía para trabalhar.

Contrariando todas as expectativas, William tirou o melhor que pôde do inferno onde estava, e foi ali mesmo, na absoluta solidão infantil, que descobriu seu talento para o atletismo: para sobreviver no ambiente em que se encontrava, agarrou-se à única oportunidade, que lhe chegou através do esporte. Virou corredor, depois campeão, em seguida bolsista de faculdade, professor de educação física, aluno de teatro e, finalmente, treinador de estrelas de televisão.

Ao final da reportagem, pensei na tal vizinha... aquela que chamou a Funabem para "proteger" o garoto de quatro anos dos descuidos maternos. Se pensou fazer um bem, a princípio ela fez exatamente o contrário ao jogar o menino no universo violento do internato e, com isso, fazer sofrer não só ele, mas a mãe também, que lutava em dois empregos para pagar as contas e sustentá-lo.

Mas não é que o mal acabou tornando-se, por fim, um bem? Foi tentando fugir do horror que o menino encontrou a chave que revolucionou sua existência...  talvez ele tivesse feito esta mesma revolução em casa, no calor dos braços da mãe. Mas isso é conjectura, jamais saberemos...

Quantas vezes nos revoltamos com gente que nos prejudica, sem nos darmos conta do benefício que vem oculto entre as dobras da maldade alheia?  Olhe aí nos capítulos da sua vida e verá que, certamente, ao menos uma vez aconteceu alguma coisa maravilhosa em decorrência de uma aparente sacaneada que alguém lhe deu. Assim como aconteceu com William, eu também já vi este filme: o tempo me mostrou que a pessoa que mais quis me prejudicar acabou pavimentando meu caminho para a felicidade... e por isso mesmo deixei de sentir aquele velho rancor, porque passei a vê-la como mensageira do bem, ainda que ela própria não se dê conta disso. Algumas pessoas são más por opção.

Aprendi que nem sempre o que parece ser o mal de fato o é: no mistério da vida, a árvore da alegria muitas vezes brota das sementes mais impensáveis.


sexta-feira, 25 de maio de 2012

A conveniência não tem nada de Audrey Hepburn

Às vezes, levar-se a sério pode dar um trabalho danado.

É que é fácil demais compartilhar uma causa, "morrer" por uma verdade, eleger um ídolo ou um objetivo, manter amizades e casamentos quando a força que mantém o laço é... a conveniência. Disfarçada de fervor, é claro, porque em casos como estes, precisamos nos enganar a respeito da natureza das nossas próprias razões...

Quem não se sente um protozoário quando é forçado a ver que, por mais que coloque um turbante dourado com cacho de bananas na cabeça de sua conveniência, ela, ainda que vestida de Carmen Miranda, continua sendo a velha conveniência, sem borogodó nenhum?

O problema é que nem sempre o que é “conveniente” é o bastante para fazer uma pessoa feliz. Note bem que “dar-se por satisfeito” não é o mesmo que “sentir-se feliz”, embora muita gente não veja diferença entre uma coisa e outra. Compreensível: a maioria está tão acostumada a viver mal, a receber pouco, a valer quase nada, a sentir-se incompleta e a ser desconsiderada, que uma simples “satisfação” parece o bastante para que a vida continue do jeito que está.

Nas piores horas, quando a crise estoura, bancamos a Poliana __alguém se lembra do livrinho que fez a cabeça de milhares, anos atrás?__e apelamos para o “jogo do contente” e sua verdade absoluta:

-- Tudo podia ser pior. (Então é melhor se resignar).

Podia mesmo? Tem certeza? O que pode ser pior que a resignação motivada pelo comodismo? A constatação de que a vida passou e você, igual à Carolina, não viu?

Nunca fui com os "cornos" dessa Poliana. Já abdiquei de bons salários porque não era feliz no emprego. De casamento feliz que chegou ao fim, antes que a amizade também fosse pro brejo. De amizades que não me davam nada na famosa “troca” de afeto. De objetivos que não passavam de miragens, por mais que eu me esforçasse. Foi duro, mas valeu a pena não entregar os pontos e viver de sonho ou comodismo.

Pode doer muito abdicar da conveniência das situações, principalmente daquela conveniência que te faz ter ilusões disfarçadas de esperança.

Talvez valha mais a pena encarar logo que as coisas não vão tomar o rumo que você espera, porque costuma doer menos cortar a mentira pela raiz. Se tudo o que você tem é, lá no fundo, justamente a mentira, a promessa, o desejo, a expectativa... o que tem a perder? Um “nada” de verdade pode ser melhor do que um mundo inteiro de ilusão.

Tenho ojeriza ao fake: experimente colocar um colar de pérolas no pescoço da sua ilusão e me diga se ela, mesmo que seja linda e perfeita como uma estrela de cinema, consegue se passar por Audrey Hepburn.



A realidade pode ser lindíssima...

Leia também:
Saber desistir é uma arte

quarta-feira, 23 de maio de 2012

Felicidade é uma questão de ponto de vista

Parei o carro na rua de costume e procurei o "flanela" de sempre, rapaz humilde e de minha total confiança, com quem já cheguei até a deixar as chaves do possante, em dias de falta total de vagas. Meu chapa andava desaparecido depois que o prefeito decretou caça às bruxas no trânsito e sumiu não só com a maioria das vagas, mas também com os guardadores não-oficializados.

Eis que ele aparece, repentino, saído de trás de um carro. Usando o colete dos guardadores oficiais, chegou todo sorrisos, ostentando uma prótese que lhe cobria a dupla banguela dianteira.

-- Uau! Quer dizer que agora você tá legalizado?! Mas que óóóóótimo...

Ele inflou o peito, orgulhoso.

-- É, agora tenho carteira assinada...

Na falta de lugar pra estacionar, relembrei os velhos tempos.
-- Não tem vaga... posso deixar a chave, e você estaciona quando alguém sair?

Ele se desculpou:

-- Ah, colega, agora sou "oficial", não posso mais ficar com chave de cliente...

Compreendi e fui agraciada:

-- Alá, alá!!! minha cliente tá saindo!

Enquanto eu me esfalfava pra botar o carro numa vaga tamanho mini, ele não se aguentou:

-- Quer que eu faça isso pra você? (Amigo é pra essas coisas, afinal...)

Não foi preciso, São Cristóvão me ajudou e dei conta do recado. E voltei ao assunto.

-- Mas que coisa boa esse lance da carteira, hein?! Pensei que nunca mais fosse te ver... e ficou bonito com os dentes novos...

-- Ficou bom, né? Sabe que arranjei até namorada? Mas já terminamos, e agora tô quase fazendo o gol com uma outra...

-- É mesmo?!

-- Também voltei a estudar. Tô na sétima série, à noite. É supletivo.

-- Mas quanta notícia boa você tá me dando...

Sem disfarçar o orgulho, ele sacou um par de óculos do bolso.

-- Tô até usando óculos pra ler!

E colocou os óculos como se eles fossem para miopia, me encarando satisfeito com os olhões aumentados pelas lentes. Tentei explicar que aqueles ali devem ficar na ponta do nariz, mas ele ficou desconfiado. E antes que eu pudesse convencê-lo, já saiu se desculpando, enquanto ajudava um outro motorista a estacionar:

-- Pèraí que o dever me chama! Mais... mais... agora gira tudo, pra direita... pra frente... aêêêê!!!

Enquanto seguia meu caminho, pensei no quanto a felicidade é relativa: um emprego de carteira assinada e, a partir daí, a prótese na boca, a namorada, a escola... e o luxo antes impensável de usar óculos! Meu chapa agora desfruta do orgulho de ser um cidadão trabalhador. Pode parecer pouco para alguns, mas veja o milagre que um pequeno salário é capaz de fazer na vida de alguém.

Enquanto isso, lá em Brasília, os contas-sujas comemoram contentíssimos a aprovação, pela Câmara, do projeto que permite suas candidaturas, e o bicheiro Carlinhos Cachoeira, feliz com a lei, que garante seu direito ao silêncio, ri da cara de todos nós.


terça-feira, 22 de maio de 2012

A vida foi feita pra ser vivida a dois!

De tudo ao meu amor serei atento
Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto,
que mesmo em face de maior encanto
dele se encante mais meu pensamento.


Quero vivê-lo em cada vão momento
e em seu louvor hei de espalhar meu canto,
e rir meu riso e derramar meu pranto
ao seu pesar ou seu contentamento.



E assim, quando mais tarde me procure
quem sabe a morte, angústia de quem vive,
quem sabe a solidão, fim de quem ama,


Eu possa me dizer do amor (que tive):
Que não seja imortal, posto que é chama,
Mas que seja infinito enquanto dure.

(Soneto da Fidelidade - Vinícius de Moraes)

sábado, 19 de maio de 2012

Carolina Dieckmann estreia no Coliseu

Toda esta história do roubo das fotos da Carolina Dieckmann levanta uma questão fundamental a respeito da hipocrisia em que vivemos. Quando vi a entrevista em que atriz, com a voz embargada e os olhos marejados, diz que não fez nada de errado, tive vontade de dar um abraço nela.

Vítima de um crime hediondo, que é a chantagem, ela acertou ao não ceder e pagar os dez mil reais, dinheirinho miserável diante da situação. Acertou ao chamar a polícia e ao compreender que o mal já estava feito.

Com a farra das máquinas digitais e dos celulares que fotografam e filmam, o povo descobriu que qualquer um pode ser astro pornô em casa, que qualquer mulher pode, na intimidade do lar, bancar a Sharon Stone diante da lente do marido, cacho ou namorado... e a brincadeira turbina os relacionamentos.

Nossa, quanta gente eu conheço que assume este joguinho erótico... e quantos conheço que não assumem, e que apesar disso também se divertem entre as quatro paredes do quarto! Sabe a história do sexshop, que ninguém freqüenta? E como é que existe tanto sexshop por aí?

A mulherada vai à praia de fio dental, desfila pela cidade com suas calças apertadíssimas, marcando cara furo de celulite... as bancas de jornal esbanjam revistas de mulher pelada, as novelas da Globo e os filmes escancaram cenas tórridas de sexo ou erotismo, a Internet está abarrotada de fotos e filmes que mostram todo tipo de sacanagem, a indústria do filme pornô está cada vez mais forte, assim como a liberdade sexual, que só cresce... e as fotos da Carolina vêm causar todo este estardalhaço?!

Hipocrisia total. E só por que ela é atriz da Globo? Não acredito, porque se a mesma coisa acontecer com uma mulher anônima, o estrago moral será o mesmo, não importa se a intimidade for exposta a dezenas ou a milhões.

O corre-corre à Internet para ver as fotos de Carolina deve-se a quê? Ela é uma mulher como qualquer outra: tem uma bunda, dois peitos, pêlos púbicos mais abaixo do umbigo. E só. Tirou as fotos para o marido, exatamente como tanta gente já fez, faz e vai fazer. Teve a infelicidade de ser roubada, chantageada e exposta diante do Coliseu que é a nossa sociedade, esta plateia invejosa, maledicente, sedenta pelo horror alheio...

Chora não, Carolina. A vida é muito mais do que tudo isso. E você não fez mesmo nada de errado. Pelo contrário, fez a coisa certa.


E já que o assunto é o Coliseu em que vivemos, seguem abaixo dois posts que publiquei no Jornal do Brasil, em julho de 2010, quando estava em ebulição o caso de barbárie que chocou o país, ao mesmo tempo em que fez vir à tona a morbidez da curiosidade, da fofoca e da maledicência que envenena o gênero humano:

BRUNO E ELIZA SAMUDIO NA ARENA DO COLISEU
(09/07/2010)

Há alguns anos tomei uma decisão tão difícil quanto importante, e que mudou radicalmente o rumo da minha vida: deixei de acompanhar a cobertura jornalística de casos violentos. Foi uma mudança que mexeu com vários aspectos da minha rotina, afinal de contas sou jornalista! Pra começar, tive que buscar um outro caminho profissional, longe das redações.

Minha vida melhorou muito. Fiquei mais calma, mais confiante na felicidade e venho conseguindo pensar que o ser humano também tem seu lado bom. Porque não se engane... a cada caso escabroso que acontece, nosso subconsciente reforça mais a idéia de que o homem é mau, o mundo é cão e a vida é um perigo constante.

Lamentavelmente, fico por dentro dos detalhes sórdidos de cada crime hediondo que acontece simplesmente porque ando pelas ruas. Agora mesmo, parece não haver outro assunto no Brasil que não seja esta história horrenda protagonizada por seres saídos do Inferno de Dante.

Além do enredo tétrico, a reação popular também me impressiona: realmente não vejo indignação nas pessoas; o que vejo é o público de um imenso Coliseu. Toda a tragédia parece ter se transformado num show macabro. Até o programa da Ana Maria Braga, direcionado às donas de casa que gostam de cozinha e de trabalhos manuais, virou palco para detalhadas reportagens sobre a barbaridade. E a audiência sobe!

O povo, chocado, vai engolindo as informações sem se dar conta de sua curiosidade mórbida, ávida por mais: estamos mesmo na arquibancada do Coliseu, onde não há respeito nenhum pelo sofrimento de Eliza Samudio. O sofrimento dela é a mola propulsora de tudo isso; da mesma maneira que o sofrimento dos personagens da série cinematográfica “Jogos Mortais” estoura a bilheteria dos cinemas... e qual é mesmo o slogan da sétima arte? “Cinema é a maior diversão”.

Ninguém entende como uma das estrelas do time de futebol mais popular do país jogaria fora um futuro de sucesso e dinheiro na Europa para matar alguém __e brutalmente. Minha teoria é simples: as pessoas são o que são. Antes de ser um atleta, tal pessoa seria um assassino da pior espécie, se é que assassinos têm espécies “melhores” ou “piores”.

Todos temos Deus e o diabo dentro de nós. De certa forma, nossa consciência descansa um pouco quando encontramos um Judas pra malhar, e quanto maior a crueldade do Judas da vez, menor se torna o nosso lado negro. A cada crime hediondo que acontece, podemos nos esquecer um pouco nossa própria violência interna; nossos ódios, ressentimentos, cobiças, traições, omissões, desejos de vingança...

É como se, diante de bárbaros como Suzane Richthofen, os Nardoni e a tal “procuradora” que tortura crianças, nós fôssemos a cópia do Arcanjo Miguel.

É uma pena, mas não somos.



ELIZA SAMUDIO NO BANCO DOS RÉUS
(14/07/2010)

Já seria triste se não fosse trágico: ouvir por aí __ou ler, nos comentários enviados ao blog Rio Acima__ as críticas que vêm sendo feitas a Eliza Samudio. O que ela fez ou deixou de fazer para trabalhar não interessa a ninguém: se foi atriz pornô, se fez sexo por dinheiro... alguém aí tem alguma coisa a ver com isso?

Se é absurdo um homem dizer que Eliza fez por merecer, é tristíssimo ver mulheres que também a apedrejam e chegam a presumir o quanto “aquele rapaz deve ter sido perseguido por ela”, dando a entender que a vilã teve mesmo o que mereceu.

Eliza Samudio estava longe de ser santa, eu sei. Mas nós também estamos.
E o caso é que, se é que sonhou mesmo em faturar uma boa pensão alimentícia, até onde se sabe ela não foi suspeita de sequestrar nem de assassinar ninguém... como se vê, sua fama poderia ter sido bem pior, mas não chegou nem perto disso. No entanto, não é pequena a fração da opinião feminina que se volta contra ela, a "pecadora, oportunista, aproveitadora". Até parece que não há por aí mocinhas que sonham com uma boa pensão alimentícia... com filho ou sem. Até mesmo atrizes de grandes emissoras estão neste rol, mas a estas ninguém chama "Maria Chuteira".

Triste demais constatar que as próprias mulheres jogam suas pás de cal sobre o machismo e a violência que se abate sobre suas iguais, para defender gente como o playboy Doca Street, que assassinou Ângela Diniz, nos anos 70: eu era muito nova quando ele foi julgado, mas me lembro da indignação da minha mãe e das minhas tias, ao ver, na televisão, manifestações femininas a favor de Doca. O argumento da defesa? Ele era bonito, ao passo que Ângela era uma “devoradora de homens” cuja vida não valia nada.

O desprezo que o gênero feminino parece alimentar por si mesmo tem raízes culturais. Na Antiga Grécia, evoluída em relação aos bárbaros da época, uma das versões para a história de Medusa conta que ela era uma bela e virgem sacerdotisa de Atena, deusa da sabedoria e da guerra, e foi estuprada por Poseidon, sendo, por isso, transformada em monstro justamente por aquela que deveria tê-la protegido: a própria Atena, furiosa, que a considerou culpada da violência que sofreu! Segundo o poeta e formador de opinião Ovídio, a punição teria sido “justa” e “merecida”...

É de se lamentar que este mundo, tão difícil para a mulher, seja, em parte, resultado das ações dela própria, que educa seus varões sem ensiná-los a respeitar e a valorizar tudo o que seja feminino. Ao contrário: são muitas as que criam misóginos que aprendem a ver as mulheres como “mal necessário”, serviçal ou objeto sexual, cuja vida não tem valor algum.

“Prendam suas cabritas porque o meu bodinho está solto”, dizem as mães dos rapazinhos, cheias de orgulho. Já as meninas, que tristeza... dançam as modernas versões do “Tchan” cada vez mais novas e são incentivadas a acreditar que é melhor desenvolver os glúteos, em vez de investir na inteligência. Quando crescem, são incapazes de se dar valor, porque aprenderam que não valem mesmo nada.

quarta-feira, 16 de maio de 2012

Aula de compaixão

Aprender sobre a empatia faz parte da educação: foi mais ou menos a partir dos meus oito anos que minha mãe e a Teresa, minha irmã, juntavam roupas, lençóis, comida e brinquedos e íamos passar o dia na casa do Vicente. Para mim, e para minhas outras irmãs, pouco mais velhas, era uma festa!

O Vicente era um pedreiro e pintor de paredes que vivia com a mulher e nove filhas num casebre, lá na cidadezinha do interior de Minas, numa rua de terra batida e muitas árvores. Lembro que era uma casa branca por fora e escura por dentro, de cômodos pequenos e com um odor peculiar que até hoje minha memória olfativa mantém guardado.

Lembro que a filha mais velha, a Cida, tinha olhos azuis e tranças compridas muito louras. Ela era doente mental, mas ria e balbuciava palavras enquanto nos abraçava. E lembro de uma das mais novas, a Solange, que eu gostava de fazer de boneca. Havia um bebezinho e todas as outras meninas, cujos nomes se perderam na minha lembrança.

As visitas eram sempre em dias de sol, quando a Teresa nos levava para debaixo de uma mangueira e nos contava histórias de princesas, inventadas na hora. Brincávamos no quintal a tarde inteira, correndo em meio às galinhas e aos cachorros magrinhos e mansos. Lembro da alegria da mulher do Vicente, e dele próprio, que sorriam benevolentes, com um olhar de gratidão quase infantil.

Eu era criança, e mesmo sem entender muito bem as coisas, me comovia com aquilo. Ao fim do dia, quando íamos embora, sentia sempre uma alegria meio triste, que não entendia bem. Precisei de alguns anos para entender que o que eu sentia na hora da despedida era compaixão.

Foi assim que minha mãe nos ensinou sobre a generosidade, enquanto a Teresa falava que a visita era tão importante quanto os donativos, talvez até mais.

Um dia me mudei da cidadezinha, cresci e nunca mais vi aquela família, embora jamais tenha me esquecido daqueles dias que ficaram em minha memória como imagens mágicas, com uma luz dourada de infância.

Eu já estava com mais de trinta anos quando voltei à cidade. E enquanto subia uma ladeira, alguém gritou meu nome. Era um homem velho, de chapéu de palha, sentado sozinho no banco da praça.

-- Vicente! – gritei, como se encontrasse alguém de outro mundo.

E ali, naquele fim de tarde, voltamos àqueles dias tão vivos, enquanto pude rever, nos olhos dele, a mesma gratidão infantil do passado. A mesma gratidão infantil que boiou também nos meus olhos, quando nos reconhecemos amigos que o tempo não afastou.

segunda-feira, 14 de maio de 2012

Passaporte vermelho ou cartão vermelho?

Você faz parte do imenso grupo de descendentes de italianos e sonha com a dupla cidadania? Muita calma nesta hora...

Afora os escândalos vez por outra noticiados pela imprensa italiana, a respeito de fraudes, há que se levar em conta, também, as filas de espera nos consulados que a Itália tem no Brasil: algumas chegam a inacreditáveis 30 anos!

Mas se você, como eu, não quer esperar tanto, a dica é dar entrada no processo lá mesmo, na própria Itália... e de preferência através da contratação de uma assessoria confiável. Há muitas no mercado, já que os pedidos de brasileiros têm sido cada vez mais freqüentes. Mas cuidado aí: falsificação de documentos dá cadeia lá na Itália, além de acabar para sempre com o sonho da dupla cidadania.

Andei ouvindo casos de gente que tentou e não conseguiu... de gente que pagou e não levou... e de gente que perdeu tempo e dinheiro indo pessoalmente à Itália para tentar encontrar os documentos e dar entrada no processo. Segundo Camilla Salmi, genealogista carioca que é metade romana, e que especializou-se neste trabalho, infelizmente a Itália não facilita as coisas para a brasileirada. Olha o que ela diz:

-- Considerando os mais de 500 mil pedidos de requerimento e reconhecimento da cidadania italiana que os Consulados Italianos no Brasil jà receberam, além da longa e tortuosa “ fila de espera”, que pode durar décadas, a falta de recursos financeiros e estruturais, e a insatisfação de milhares de ítalo-brasileiros que enfrentam uma luta contra a inconstitucionalidade e direitos negados, podemos tranquilamente deduzir que o governo italiano não facilita mesmo o reconhecimento. Acredito que por uma questão “demográfica” (somos muitos) os ítalo-brasileiros sejam os mais prejudicados. Não creio que um ítalo-americano que pretenda requerer a Cidadania Italiana sofra este tipo de descaso. Pense que, na vizinha Argentina, existe até uma espécie de “força-tarefa” nos Consulados italianos que acelera o processo de reconhecimento da cidadania aos interessados.

Apesar de tudo isso, Camilla afirma que nem tudo está perdido: a partir do direito Juris Sanguinis (de sangue), garantido pela constituição italiana, o processo pode ser iniciado.

De minha parte, aconselho calma e cuidado no momento da contração dos trabalhos. Idoneidade, casos de sucesso, preço e experiência devem ser levados em consideração antes de fechar o contrato; e um calmantezinho para controlar a ansiedade também cai bem, porque o processo demora um pouco e a gente tem que ter paciência para esperar... é bem diferente de ficar na fila por décadas, mas também não é como tirar uma carteira de identidade hoje à tarde, lá no Detran, e já marcar a data para ir buscar.


quarta-feira, 9 de maio de 2012

"Mas onde é que eles arranjam estas motos?"

Até eu, que não sou aficcionada por motos, reparei que na Europa o ronco dos motores é meio diferente... fico imaginando os motoqueiros de carteirinha, que no Brasil têm mais ou menos uma dúzia de modelos para escolher... nas ruas do Velho Mundo, devem pirar diante de tantos tipos, cilindradas e modelos lendários. Agora entendo por que é que meu co-piloto passou grande parte da viagem de queixo caído, perguntando a todo instante:

-- Mas onde é que eles arranjam estas motos?!

Saí fotografando sem saber muito bem o por quê. Se ele parava pra olhar, eu sacava a máquina... tenho certeza de que quem manja do assunto vai gostar. E quem não manja, vai gostar também!




















Com tantas opções, escolhi para mim a da Penélope Charmosa...

terça-feira, 8 de maio de 2012

Meu guia falava italiano (quase) arcaico

Cotumo dizer que todo turista é meio ridículo. Já contei aqui, por exemplo,  a história do brasileiro que, num restaurante argentino, gabou-se de "arrebentar no portunhol". Vou relembrar o caso em poucas palavras:

Depois de milhões de mímicas, e de frases como "mi filhita ontem comeu su café de la mañana en caderita, donde está la caderita?", e de um esforço enorme da garçonete, ela enfim entendeu que ele queria uma "sijita, ya que ayer la chica había tenido una para el desayuno"...

Bem... apesar do velho dito de que "quem tem boca vai a Roma", está muito enganado quem pensa que o italiano que a gente aprende na novela do Benedto Ruy Barbosa já seja o suficiente para parlare com a italianada. Va bene?

Veja que meu co-piloto já chegou "gastando" o idioma que aprendeu com os pais, italianos que até hoje parlam entre si, em casa. Volta-e-meia alguém mandava um "do you speak english?", e ele ficava uma fera. "No! Io parlo italiano!", dizia, cheio de indignação.

Até que, em uma confeitaria, quando ele disse que queria o mesmo que eu, usando a palavra "medésimo", o rapaz de trás do balcão começou a rir e perguntou logo:

-- Onde você aprendeu italiano?
-- Com os meus pais, no Brasil.
-- Aaaahhh, ok. Agora entendi por que é que você está falando o italiano dos seus avós...

E explicou que "medésimo" perdeu o lugar para "Lo stesso" há déééééécadas atrás, assim como muitas outras palavras que ele andou usando. Algumas poucas guardamos na caixola: "Essa" virou "Lei" (ela); "Pomo" virou "Mela" (maçã); "Magazino" virou "Negozio" (loja) "Moneta" deixou de ser usada para dinheiro em geral, e hoje em dia, as notas são chamadas de "banconote". "Buon ora" virou "presto" (cedo); "Mientre" virou "Quindi" (entâo).

Mas seu linguajar arcaico não o intimidou, ao contrário! E ele dizia mais ou menos assim:

-- A moçoila anseia por uma chávena de chá, por obséquio...

A italianada dava risada, mas como a felicidade não está nem aí para o ridículo, nós dois curtíamos a Itália a mil!

A propósito... com todas estas tampas, alguém pode me dizer como é que a gente faz para escolher o sorvete???

sábado, 5 de maio de 2012

Coisas legais que vi na Europa, e que bem que poderiam chegar aqui

Em Paris, comprei um Dove. Foi quando lembrei do banho que tomo em casa... pena que não fotografei o sabonete, de modo que vocês pudessem ver como o Dove francês é melhor que o brasileiro: ele não desmancha, fazendo a gente correr o risco de escorregar num fiapão de sabonete e sofrer um acidente; ele é cheio de umas bolinhas azuis, que esfoliam a pele, e também é mais cheiroso. Eita banho gostoso, o francês!

E o vidro de perfume da L´Occitane? No Brasil, ele custa mais caro que os vendidos lá, mas é bem menorzinho...

Gostaria de saber por que é que aqui no Brasil, onde os preços das coisas são tão altos, ou até mesmo mais altos que os europeus, se comparados aos americanos, o consumidor leva a pior.  Se você perguntar à Danone por que é que o iogurte dela lá fora é MUITO mais gostoso e vem num potão com quase 500 gramas, ela vai dizer, via assessoria de imprensa, que fez uma pesquisa entre os consumidores brasileiros e concluiu que eles gostam mais do potinho que vem com o iogurte menos saboroso.

Dá uma olhada:


E os carros? Nem todos os motoristas brasileiros sonham em ter um 4X4. Muitos prefeririam um compacto como este abaixo, que circula até nas ciclovias de Amsterdam, e não custa caro como o "Mini" brasileiro, acessível apenas às classes mais abastadas.


Este italiano é mais estiloso:


E olha que nem estou sonhando com os elétricos!


Ou com os mini-ônibus ou mini-caminhões, que ajudariam a diminuir os engarrafamentos...



E o sorvete, que  não escorre?


E a torneira da pia, que é aquela alavanca ali embaixo, a ser acionada com o pé?


E o banco ergonômico, que é super confortável e faz a coluna ficar encaixadinha?




A azeitona italiana é o Incrível Hulk, a nossa é o David Banner...


Nós também queremos estradas que mais parecem tapetes...


e fatias de pizza enooooormes...


E chocolates quentes que a gente jamais esquece... e que valem o que custam...


E sinais de trânsito que apitem, de modo que os deficientes visuais consigam atravessar a rua sem precisar da ajuda de ninguém. Este aí abaixo está apitando...


E a bengala que vira cadeirinha? (Perdoe a qualidade da foto, foi o melhor que consegui sem que a modelo percebesse que estava sendo fotografada)...


Lá, o restaurante oferece gratuitamente uma garrafa de água ao cliente, além de uma cesta de pães. A gente só paga a água se ela for mineral. Esta pequena diferença me leva a crer que o consumidor brasileiro leva a pior por razões enraizadas em sua própria cultura.

E tem mais: os 10% não vêm já incluídos no valor total da nota. De pensar que aqui no Rio muitos estabelecimentos já vêm cobrando 12% e 13%, além de incluir até doações para ONGs, enquanto a clientela aceita porque tem vergonha de reclamar... só me resta mesmo é lamentar, pois ainda temos muito o que aprender com o Velho Mundo.

quinta-feira, 3 de maio de 2012

O Rio de Janeiro continua lindo, mas...

Voltei para o meu guaraná, meu suco de caju e minha goiabada para a sobremesa...




Em Copacabana, me sentei numa mesinha dessas de calçada, num café bem gostosinho, para ver a paisagem carioca enquanto tomava um chá... sem direito a bolo, porque andei comendo horrores nas últimas semanas e agora tenho que fechar a boca, apesar dos protestos insistentes do meu estômago, aquele comilão.

Já ia eu pensando...

"Tá vendo, Fernanda, o Rio também tem suas belezas... olha que céu... aqui também tem gente alegre nos cafés, tem alto astral, tem turista do mundo inteiro pagando a peso de ouro por cada diária nos hotéis... "...

Bastou o primeiro gole do chá para ser abordada por um cara em andrajos, lá pelos 1,80 de altura e com uma leve nota de autoridade na voz de sotaque chiado do carioca malandro:

-- Ô tchiááá...  (Traduzo: "Ô tia...")

Levei um susto.

-- Ô tchiááá... dá um real aí, tchiáááá...

Fui logo me encolhendo, receosa de que ele desse um tapão na xícara que eu tinha na mão.

-- Não tenho.
-- Tem sim, tchíááá´... dá um real aí, pô!

Busquei inspiração na Mulher Maravilha e dei uma encarada no insistente:

-- Não tenho.

Ele desistiu, mas saiu reclamando. Menos de cinco segundos depois veio o outro, saído da mesma fôrma...

-- Aê, tchiááááá... tô com fome, dá esse biscoito aí!

Olhei para o palmier que repousava no pires e pensei rápido: "se eu der o palmier, ele vai querer o chá, se eu der o chá, vai querer dinheiro, se eu der dinheiro, que mais ele vai querer?".

-- Não tenho.
-- Dá aí um sanduíche, tchiiiáááá´, eu tô com fome!

O problema foi o tom de voz imperativo. Eu sentada, ele de pé. A xícara de chá no ar... será que ele vai dar o tabefe que o outro não deu e fazer a xícara voar?

Ameacei um gesto inconsciente de me levantar para sair dali, e ele se ofendeu.

-- Pode ficar sentada porque eu não sou ladrão não, tchíiiiááá!

E entrou no café, para esmolar lá dentro. Foi posto para fora por uma horda de garçons.

Ao vê-lo se afastando, minha alegria já tinha ido embora, e foi quando caí na real de que, realmente, voltei para o Rio de Janeiro... cadê o "bairro modelo" que o Paes disse que ia fazer de Copacabana?