Conto as últimas: dia desses apareceu uma
muito bem indicada, tipo forno e fogão, o que para mim não quer dizer nada já
que o rango aqui em casa é congelado e as panelas são só enfeite. Gabou-se de
trabalhar para o “Seu” Pierre há quatro anos, como se eu lá soubesse quem é
o tal, e como se ter patrão francês valesse um MBA em serviços domésticos. Ia tudo muito bem até o momento em que perguntei
se ela tinha mesmo espanado a estante do quarto, onde a poeira reinava,
absoluta.
-- Espanei tudinho.
Fui gentil:
-- Tem certeza?
A moça, beirando os dois metros de altura e os 90
quilos, botou a mão na cintura e falou grosso:
-- Por quê, tá duvidando?!
Well, well... meu instinto de sobrevivência gritou bem alto, e me perguntei o que fazer diante daquilo. O primeiro
dia de trabalho acabou ali mesmo.
Em nova ocasião, chega uma outra, de salto alto,
brincos enormes e douradões pesando nas orelhas e esmalte vermelho nas unhas. E
eu que não aparecia na manicure havia sééééculos, por conta dos serviços domésticos...
fiquei até com inveja só de olhar pra ela, parada ali na porta com sua Louis
Vuitton de Madureira, e vi que não ia dar certo.
Mesmo assim arrisquei, mas a moça falou o dia inteiro na minha cabeça e, pra piorar,
recusava-se a fazer as coisas do jeito que eu pedia. Exemplo:
-- Olha, no chão da casa é varrer e passar um pano
úmido sem produto nenhum, porque este piso só pede água e fica ótimo.
-- Não, aqui eu vou passar um “Veja”, que é pra
ficar limpinho.
(Pergunto ao leitor: aguento isso?!).
Ao fim do dia, quando pedi que lavasse o banheiro,
ela me sai com esta:
-- Ô dona Fernanda, se a senhora não vai ficar
comigo, por que é que eu tenho que lavar o banheiro?
Eu não sou Sidney Magal, mas o meu sangue ferveu.
Abri a porta e apontei o elevador.
-- Porque estou te pagando a diária, meu bem, mas se
quiser ir embora, pode ir agorinha mesmo porque realmente não fico com você nem
de graça.
Ela saiu porta afora e ainda disse, zombeteira:
-- Fica na paz...
E então eis que me aparece, pela primeira vez
em quase um ano, aquela que pensei ser a salvação da lavoura. Ótima,
silenciosa, eficiente, ágil e cuidadosa. Ofereci um bom salário e às três da
tarde disse que ela podia ir embora.
-- E aí? Gostou? Vai voltar? Estamos acertadas?
-- Não... o serviço aqui é muito pesado. Tem muito
livro pra espanar.
Aí foi a vez da Flávia: simpática, doida pra pegar o
emprego, dedicada, sorridente. Eu logo vi que estava longe de ser o ideal, mas
pensei que quem não tem Juliene vai com Flávia mesmo. Olha, eu me esforcei.
Tentei até não me incomodar com o fato de ela tagarelar demais na minha cabeça e me
encher o saco, mas foi aí que a porca torceu o rabo: eu estava ali, sentadinha
tomando meu café da manhã, quando ela se encostou na pia e reclamou, cheia de intimidade:
-- Aaaaaaai... tô com uma dor na minha hemorróida...
Engasguei, e ela continuou:
-- A senhora tem hemorróida?
Não estou exagerando: foi nesta hora que eu pensei
estar tendo uma experiência de “quase-morte”... juro que fiquei gelada e senti
meu coração parar e depois pegar no tranco com meu acesso de tosse.
-- Cof, cof, cof, cooooooofffffff...
Bilhete azul para a Flávia.
E então foi a vez da Alessandra... tudo ia otimamente
bem naquelas semanas em que, mais uma vez, pensei ter tirado a sorte grande e
merecido o milagre de encontrar a agulha no palheiro, digo, a doméstica ideal
neste Rio de Janeiro de meu Deus. Mas foi só eu fazer a primeira reclamação
sobre uma camisa mal passada e um banheiro mal lavado, que ela começou a
chorar. E olha que eu reclamei com a maior educação do mundo! Ela repassou a
camisa e lavou de novo o banheiro, mas saiu daqui de casa com uma cara tão
amarrada que não precisei ir à cartomante para saber que jamais voltaria.
Por falar em cartomante... lembrei da Juliene... e decidi procurar
uma cigana poderosa que possa trazer de volta "a empregada amada em três dias". Será que rola?
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