quarta-feira, 31 de outubro de 2012

Catarina e o prazer de fazer amor

Já faz tempo que falar de amor virou coisa de careta... de uns tempos pra cá, vem ficando difícil falar de sentimentos sem parecer preconceituoso. Sexo também é outro assunto nevrálgico: se a gente diz que transar sem amor pode ser ótimo, cai no risco de ser chamado de promíscuo, mas se afirma que deitar e rolar sentindo amor é que é delicioso, vai ser chamado de careta mais uma vez.

A verdade a gente sabe: no escurinho da vida íntima, cada um sabe de si e transa com ou sem amor, e ninguém tem nada a ver com isso.
Mas aí entra em cena, na tela do computador, a Catarina, moça de vinte anos que afirma não ter problemas financeiros e diz “não estar nem aí” para a opinião pública... e que conta ter leiloado sua virgindade porque achou que isso seria uma “aventura”.
Tá bom. Mas diz aí, Catarina: aventura de que tipo?
As aventuras podem ser muitas na vida, para o bem e para o mal do coração, da lembrança, dos sentidos, da emoção, da autoestima, do corpo e do espírito. E olha, lamento dizer: isso não tem nada a ver com caretice. Aos vinte anos a gente ainda não sabe, mas uma das leis da natureza reza que não dá pra passar imune pelas coisas... tudo, tudinho o que a gente faz reverbera vida afora, e aí é que são elas...
É triste observar ao ponto de descaso que chegamos com nossos sentimentos: um leilão de virgindade pela Internet é um sintoma de que algo anda muito esquisito no reino dos homens... uma sede de novidade, de ser moderno, de ter bala na agulha, de ser desejável... é tudo isso misturado a uma incrível capacidade de mastigar, engolir e digerir qualquer coisa: hoje em dia as pessoas aceitam tudo, se adaptam a tudo, consideram tudo normal mesmo que seja esquisito ou que cause indigestão.
E quando as relações (sociais, familiares, profissionais ou sexuais) viram comércio, como é que fica o sentimento? Não o sentimento de “posse” de alguém que paga, que banca, que patrocina... ou exatamente o contrário, a ausência de sentimento de alguém que “vende”, que aceita, que se submete... mas como é que fica o sentimento de quem cai na real de que a vida é mais que troca ou holofote? E tanto empenho em anestesiar os sentimentos... em nome de quê? De entrar para qual clube?
Os sentimentos, aqueles mais finos da alma, como o amor, estão entrando em extinção neste mundo tão tecnológico e fugaz, onde ninguém mais sonha com o primeiro beijo, onde as meninas já não esperam e idealizam a primeira noite de amor com aquele namorado tão especial, por quem o coração pula dentro do peito... as moças de hoje não sabem o quanto era maravilhoso esperar por tudo isso. E só falta aparecer aqui alguém me chamando de velha coroca porque estou defendendo o direito feminino ao sexo com amor, com magia, com romance, com um tesão verdadeiro que vem da alma, e não só do corpo. 

Minha amiga Isa, moradora de Nova Iguaçu, conta que em sua vizinhança vê meninas de até nove anos, a bordo de shortinhos, vendendo o corpo em troca de cachorro-quente na birosca da esquina. Dia desses, segundo ela, uma garota de 11 entrou no posto de saúde, com o namorado de 14, para fazer o pré-natal.
Os tempos estão terríveis para a mulher, que não sabe a diferença entre ser livre e ser escrava, e que nem percebe o quanto permite que seu corpo seja sua prisão. E em nome desta ignorância, quantas se vendem na esquina, em boates luxuosas, na Internet ou num casamento, sem jamais conhecer a felicidade amorosa ou sexual?
Queira Deus que um dia a jovem Catarina saiba o quanto um beijo na boca pode ser soberano sobre qualquer outra coisa... o quanto fazer amor com um homem escolhido pelo coração pode ser mágico... é uma pena, mas por enquanto ela parece mesmo não ter a menor ideia sobre isso.


Alguém aí consegue acordar o Cupido?

segunda-feira, 29 de outubro de 2012

A derrota é a grande revelação do homem

Li no jornal que José Serra evitou abraços demorados após seu discurso a respeito de ter perdido o segundo turno das eleições para a prefeitura de São Paulo. Segundo o repórter,  Serra não queria cair no choro. Sabe, acho até possível que isso seja verdade, mas não sei até que ponto um dado como este é mesmo notícia. É perfeitamente compreensível que Serra tenha sentido uma vontade desgraçada de chorar naquele momento: perder dói, principalmente quando a gente lutou, acreditou, desejou.

Chegamos ao ponto, que hoje não é o José Serra nem os Sarney, lá no Maranhão, outros que devem ter levado um susto com o resultado das urnas.
Venho observando, na cobertura jornalística das eleições, um tom meio jocoso a respeito da perda. Dia desses, antes do primeiro turno, foi numa matéria que narrava o apoio de Lula a algum candidato que nem me lembro: o repórter conduziu o texto dando dicas, aqui e ali, de que o ex-presidente estaria em franca decadência física, o que já lhe prejudicaria na política, e também ao seu candidato. Senti no texto o tal tom jocoso nas referências a Lula, como se o fato de não ter a saúde em excelente estado fosse demérito. Como se não poder mais falar por horas, e sem microfone, tirasse dele o valor “de outrora”. Até a barba, que ele já não tem, foi lembrada com um certo saudosismo pejorativo.
Na Era do Facebook e da felicidade de plástico, “perder” é tudo o que um sujeito não pode fazer porque, se fizer, estará assinando o documento que comprova sua incapacidade, sua menos-valia, seu fracasso.
Na esfera da vida privada é mais ou menos assim: divórcio, aborto, desemprego, falta de grana... tudo isso é sinônimo de “perder”. Até a moça que não casou é perdedora, coitada: não casou porque ninguém a quis... e  é por isso que muitas se casam só por causa daquele medo, sabe, de ficar pra titia. Sem falar nas outras tantas que têm filhos porque não querem ser vistas como "fracassadas" que não conseguiram ou não foram capazes. Isto aí também é um caso típico sobre perder ou ganhar.
E na vida profissional, que é onde o bicho realmente pega, “perder” é uma tragédia. Não pode “perder” aquela promoção, aquele bônus, aquele curso que a empresa oferece... nem pode “perder” a discussão na reunião, caso contrário o que é que o chefe vai pensar?  Olha, perder o emprego, então... isso aí nem se fala, e nem é pelo dissabor ou por ter que procurar outro: é porque vão tachar você de incompetente, e além do emprego você vai estar perdendo o respeito. Você não pode, de jeito nenhum, perder a pose! E quando for a outra empresa para se candidatar a uma vaga, não pode perder a oportunidade para o outro candidato... olha lá, hein?!
Mas o povo esqueceu que perder faz parte da vida! Até o óbvio caiu em desuso, porque se alguém precisa perder para que outro alguém vença... como é que todo mundo só quer ganhar?
Perder, hoje em dia, é pior que morrer, desde que se morra vencedor, é lógico. Veja Tancredo Neves: para muitíssima gente, ele eternizou-se como aquele que teria consertado o país... porque morreu logo depois de vencer e ser eleito presidente. Ulysses Guimarães, que já contava com o respeito do povo, não conseguiu ser presidente, mas também eternizou-se como o grande democrata brasileiro naquele voo infeliz sobre o mar. E como haveria de ter sido a carreira de John Kennedy, lá nos Estados Unidos, se ele não tivesse morrido em seu apogeu?
 O mundo psíquico fica claustrofóbico quando o indivíduo não tem nenhuma alternativa à vitória: as crianças aprendem, em casa e na escola, que é vencer ou vencer! Perder não pode! Perder é uma vergonha, um absurdo! Perder é coisa de... perdedor!
E aí, quando perdem qualquer coisa, seja um jogo no computador, uma pelada com o time da escola, uma gincana entre colégios, uma discussão ou até uma namorada... perdem junto o rumo, a autoestima e até o desejo de seguir em frente.
Há quem pense que ensinar o filho a perder é o mesmo que programá-lo para ser um fracassado, mas é exatamente o contrário: só quem sabe perder uma batalha sem perder-se de si mesmo é realmente capaz de ser vencedor. Só quem dá ao semelhante o direito de sair vitorioso consegue buscar a vitória através do esforço honesto e verdadeiro. Só quem compreende que há dias em que a gente ganha, e dias em que a gente perde... é de fato um democrata na vida: nos embates profissionais, amorosos, ideológicos, afetivos e até de si consigo mesmo.
Perder é um desafio, e dos grandes, porque puxa lá de dentro o mais íntimo fio da meada que nos compõe. Quando perdemos é que vem à tona a força ou a debilidade da nossa alma. Somos realmente quem somos quando estamos de frente para a derrota... e aí é que se esconde o nosso verdadeiro valor neste mundo.



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Muitas possibilidades brotam de uma única perda

Onde São Francisco encontra o mar...

O domingo amanheceu azul total radiante em Maceió, e tocamos para a divisa com Sergipe, onde a pequena Piaçabuçu se debruça sobre o rio São Francisco: dali pode-se pegar um dos muitos barquinhos para ir ver o encontro do rio com o mar. O passeio é lindo, mas é bom certificar-se se há mesmo salva-vidas a bordo, além de escadas para o caso de alguém cair na água... geralmente não há.

-- Tem colete salva-vidas no barco, moço?

-- Tem não...

-- Mas e se o barco afundar?

-- Se afundar nóis nada!

Apesar da resposta óbvia, meu barqueiro teve que encontrar, às pressas, os tais salva-vidas com algum barqueiro vizinho... não fosse assim, "é ruim" que eu topava o passeio, e ele perderia o tutu. Outra coisa é que os barcos com fequência também não são equipados com rádio... e tudo isso faz do passeio uma verdadeira aventura, considerando-se que o rio é grande, profundo e tem correnteza forte em direção ao mar aberto.



A estrada entre Maceió e Piaçabuçu tem paisagem linda, decorada por coqueirais e canaviais a perder de vista; mas o asfalto parece um queijo suíço. No acostamento, volta-e-meia a gente encontra um esqueleto enferrujado do que, um dia, foi um carro. Quase não há placas de sinalização, mas o povo, com sua gentileza sem tamanho, está sempre a postos para dar informações.


As placas, aliás, são um capítulo à parte não só nas estradas próximas à capital, mas também na própria: sinalização turística é artigo raro na região; isto não seria um problema se o GPS funcionasse bem ali tanto quanto funciona no resto do  planeta. Icrivelmente, não é o caso. Ninguém soube me explicar o motivo, mas parece que rola um certo mistério do tipo "triângulo das bermudas" em Alagoas, e lá o GPS fica doido e não funciona. Justamente por isso, lá as empresas de aluguel de carro não  dispõem de modelos com este equipamento tão útil.

Piaçabuçu fica a mais ou menos 180 Km de Maceió, portanto é preciso sair cedo. No meio do caminho, depois de Barra de São Miguel, chegamos ao mirante que reina sobre a Praia do Gunga, lá embaixo:


É cansativo ir e voltar no mesmo dia, mas vale demais a pena: as águas do Velho Chico são morninhas e limpas, um convite irresistível para um banho. Só esfriam quando a maré sobe e o mar invade o rio. Segundo explicou José, nosso barqueiro, é bom evitar o mergulho caso as águas estejam barrentas, porque é aí que aparecem as piranhas pretas e vermelhas, cheias de fome. O próprio José já foi vítima delas e nos mostrou as cicatrizes na  panturrilha, enquanto explicava que piranha é meio parente de elefante, coisa que eu ignorava:

-- Agarrei a bicha pela goela e joguei longe, mas a danada já tinha fincado a tromba na minha perna e tirado um pedaço...

O passeio custa, em média, 25 reais por pessoa, e geralmente o povo faz lotada. São 30 minutos para ir e cerca de 40 para voltar. Em geral, os barqueiros combinam de esperar durante uma hora e meia lá na foz, mas você também pode pagar um valor em torno dos cem reais e ter o barco todinho para si... e caso queira voltar antes, tudo certo. Mas cuidado: os "atravessadores" costumam (literalmente) correr (a pé ou de bicicleta) atrás dos turistas e cercá-los antes que cheguem aos barqueiros... e aí negociam o passeio com preços inflacionados. Seja esperto e vá direto ao barqueiro.

Em Alagoas, o sonho de consumo da população parece ser uma caixa de som gigante, daquelas bem possantes e capazes de travar guerra sonora com as de todos os vizinhos. Nos carros, nas janelas de casa, nas barraquinhas de praia, nos bares... a caixona de som está sempre a mil por hora. Assim sendo, não seria diferente nos barcos que cruzam o rio. Graças a Deus o José, nosso guia, acatou o pedido que fizemos pelo silêncio. Só estranhou mesmo quando lhe oferecemos uma das garrafinhas de água de côco que tínhamos na mochila.

-- Tem cerveja não? Tô de ressaca, se beber água de côco vou piorar...

-- Mas àgua de côco é ótima pra curar ressaca.

-- Prefiro cerveeeeeja... tem nãããão?

-- Não.

-- Nada?! Nem umazinha aí?

-- Não, preferimos água de côco.

Ele fez cara de Sherlock Holmes e pensou ter matado a charada:

-- Ah, já sei... cês são 'crente', são?


Enquanto o silêncio no barco só foi cortado pelo barulho do motor e pelo papo sobre a cerveja e sobre o tamanho das dunas, lá na foz os banhistas curtiam o domingão ao som de axé ou forró. Havia umas farofinhas de leve... nada como a Praia do Francês, benza Deus, mas ainda assim o lanche e o artesanato estavam lá pra manter a tradição... enquanto alguns rapazes faziam pescaria com tarrafa na lagoa, o menino Djavan já comemorava o almoço:


Caminhamos pela areia macia que não grudou na pele, admiramos as dunas, mergulhamos no rio, brincamos com as conchinhas que vêm do mar e ficam morando ali pelas margens de água doce.


O vento não incomoda e os coqueiros ao longe parecem estar dançando, pra lá e pra cá... ai que soninho que podia dar, se não houvesse a batalha das caixas de som... este passeio no rio é, de longe, o que há de melhor por aquelas bandas, mas, pra ser paradisíaco mesmo, deve ser feito entre segunda e sexta-feira. De qualquer forma, a visita ao Chicão valeu demais, e só me restam as palavras de sempre...



sábado, 27 de outubro de 2012

Em Alagoas, farofa à francesa

Recorro ao amigo Nandinho Pessoa para dizer que "o dia deu em nublado" em Maceió. E como por aqui chove, faz sol, nubla e chove de novo quinhentas vezes ao dia, tomamos o rumo do litoral sul. Já a caminho, a língua negra fere uma das praias da cidade...


A famosa Praia do Francês e sua vizinha, Barra de São Miguel, são naturalmente lindas, mas segundo informações de amigos que fizemos num café, durante a tarde, são mais prazerosas durante a semana. Sábados e domingos costumam ficar lotadas de moradores de áreas próximas, que trazem barraquihas, lanches no isopor, caixas de som e eticétera. A foto não captou, mas a  música alta, a comida e o lixo estragam o prazer de quem vem em busca de um paraíso tropical.


Barra de São Miguel é menorzinha, mas não menos congestionada... uma pena!


Na rodovia, vendedores de cocada tiram, nos melhores dias, 300 reais com suas iguarias. Ficamos amigos da Maria, moça simpaticíssima, e experimentamos todos os sabores pagando 2 reais por cada.


O litoral norte é bem diferente e tem praias mais bravias cheias de surfistas, sem a profusão de barraquinhas de comida ou roupas. Mas aqui também tem lixo. O passeio vale mesmo é pelo visual das águas e da cidade, lá longe...


Depois do passeio, fizemos amigos num café de Jatiuca... papo ótimo e informações valiosas: a Praia do Francês é também conhecida como "Praia do não, obrigado" por estar infestada de vendedores ambulantes. Outra coisa interessante foi saber que, culturalmente, por aqui não há o hábito de reclamar quando não se é bem atendido em estabelecimentos comerciais... mas se o serviço não for bom, em geral o problema é sanado na primeira reclamação; exatamente como ocorreu conosco a respeito do quartinho meia-água na noite da chegada.

A capital alagoana  não conta com uma rua que concentre bares, restaurantes, cafés ou mesmo lojas descoladas. Aqui os points são espalhados pela cidade, e os bares já lotam no sábado por volta da hora do almoço. Se você é do tipo que curte passear a pé, sua única alternativa será a orla. O comércio não é variado e os preços não são atrativos. Estive em uma lojinha de presentes e me interessei por uma bolsa colorida de tecido, mas desisti da compra ao ver que a dita custava quase 300 reais...

O ponto alto de Maceió, até o momento, continua sendo a simpatia do povo.






Uma breve radiografia de Maceió

Pra começo de conversa, estou com a auto-estima a mil por hora, porque aqui todo mundo me chamou de "minha linda" o dia ineiro. Tá precisando de um afago no ego? Vem pra Maceió e pede uma informação na rua... geralmente o povo não sabe dar a informação, mas o "minha linda" está sempre na ponta da língua: "Sei não, minha linda..."; "Conheço não, minha linda..."; "Pergunta pra ele ali, ó, minha linda...".

Outra coisa que a gente ouve demais pelas ruas é idioma estrangeiro. Cabral e Paes que se cuidem, porque a turistada está mesmo vindo em peso para o nordeste. É inglês, alemão, francês... tem até chinês batendo perna (e foto) por aqui.

Também chama a atenção a prostituição na orla. As meninas de programa são meninas mesmo: muito jovens, e por volta das 19h já estão a postos nas esquinas da Praia de Ponta Verde (a Ipanema da cidade).

Por falar em orla, Maceió é assim: cheia de prédios modernosos nas cercanias das praias e só de casinhas no restante. Lá pra dentro da cidade, a gente jura que está em Minas Gerais. A diferença de uma área pra outra chega a causar certo estranhamento no turista... e tem outra coisa: venta demais! Se você tem tendência a alergias ou padece de garganta fraca, ponha uma caixa de antiinflamatório na mala. Eu hoje acordei com uma dor de garganta desgramada!

Pajuçara, Ponta Verde e Jatiuca são as três praias vizinhas, todas muito lindas e de um verde clarinho jamais sonhado no Rio de Janeiro.  Elas não tem ondas, e a água parece quase não se mover. Mas Pajuçara, mesmo cheia de banhistas, é imprópria para o banho, portanto não caia em tentação.


Diferentemente do Rio, é tudo limpo: não sei se o povo tem mais educação que os cariocas ou se há mais garis com a vassoura em punho. Mais à frente de Jatiuca, Cruz das Almas é o point dos surfistas. Olha que bonita a Avenida da praia de Pajuçara:


Já a famosa feirinha em Pajuçara não é muito criativa e nem fiel às suas origens "artesanais". Artesanato, mesmo, quase não se vê. Tem é roupa, sapato de couro, bolsa, rede... mas nada que salte aos olhos do turista, a não ser os livrinhos de literatura de cordel. Saca o biquinão:


Pra quem gosta de se aventurar em novidades culinárias, a tapioca reina nas areias, e as "tapioqueiras" disputam a clientela inventando recheios diferentes. Pra mim, bom mesmo é o velho queijo coalho!


E o povo? É de uma simpatia que chega a constranger. Escuta só... chego na cafeteria e pergunto à atendente:

-- Este bolo é de quê?

-- De massa puba.

-- O que é massa puba?

-- Sei não, minha linda...

Uma senhora que está lanchando  me estende seu garfo e gentilmente pergunta:

-- Quer provar?

Agradeço e recuso, mas então outra senhora adentra na conversa com a boca cheia mesmo, também estende seu garfo (já com um pedaço fincado nele) e explica:

-- É de mandioca. Tá muito bom.

Decido comprar um pedaço pra acompanhar o café, mas na primeira mordida tenho minha decepção: a iguaria está uma borracha de primeiríssima qualidade. Deve ser proveniente de uma legítima seringueira do Amazonas. Meu marido avança no prato, devora a fatia todinha e diz:

-- Delícia! Borrachudo igualzinho ao que a minha mãe faz!



sexta-feira, 26 de outubro de 2012

Próxima Parada: Maceió

Desta vez o destino foi o Nordeste brasileiro, com suas águas morninhas e seu povo hospitaleiro.

A aventura começou no momento em que eu e o co-piloto, que por aqui chegamos por volta da meia-noite, alugamos um carro e partimos rumo à capital alagoana, cerca de 30 quilômetros do aeroporto. Eis que no meio do caminho, sem placas de sinalização e sem uma viva alma na rua para nos ajudar, nos sentimos em pleno mundo futurista do seriado "O Mundo ssem ninguém": a cidade estava absolutamene às escuras... só mesmo a luzinha fraca dos faróis estava ali firme e forte para nos guiar. Soubemos mais tarde que fomos sorteados e conseguimos chegar a Maceió justamente no momento em que todo o nordeste ficou às escuras por causa de um apagão.

Mas não havia de ser nada: meu co-piloto, dublê de MacGyver, sacou do bolso seu inseparável ultra-super-mega celular, que tem um GPS infalível. Mas eis que até o infalível falhou e fez a gente rodar pela escuridão alagoana por quase uma hora, conduzindo-nos sempre (e por variados caminhos) ao hotel mais caro da cidade. Finalmente, exaustos e estressados, logramos encontrar nosso hotelzinho modesto.

E bota modesto nisso! Já achei esquisito não aparecer ninguém para nos ajudar com as mochilas. Mais esquisito ainda quando o rapaz da recepção nos estendeu a chave do quarto e tentou explicar como deveríamos fazer para encontrar todos os interruptores do quarto e descobrir qual deles era o da luz de emergência. Foi demais pra mim:

-- Você não pode nos acompanhar não???

Ele acompanhou, embora contrariado. Sò por causa da preguiça não levou gorjeta.

Foi quando chegamos ao quarto, digo, ao muquifo meia-água em que nos alojaram, nos demos conta de que janela tinha vita panorâmica para os muitos geradores do hotelzão vizinho... se para nós não havia ar-refrigerado, muito menos havia um ventilador... o quartinho era uma sauna sem tirar nem pôr!  E sauna equipada com uma cama qie deve ter sido emprestada de um dos anões da Branca de Neve. Low fare em Maceió dá nisso!

Tomei um banho pra refazer minha capacidade de reclamar e fui à luta, embora meu co-piloto já estivesse quase roncando na caminha. Mas eu, Super Fernanda, a Princesa Real que veio das Gerais, a Cliente Caroço cujo caroço é mais duro que filhote de cajá com cupuaçu... botei a boca no trombone, digo, no telefone, e avisei que ali eu não ficava nem que a vaca tossisse. A vaca nem tentou tossir, porque fomos logo transferidos para um quarto decente, de frente para o mar e com uma camona tipo salão de carnaval... dormimos como dois anjos até o momento em que a camareira bateu à porta para limpar o quarto: é... estamos no nordeste!

Amanhã, mais novidades nordestinas... fique aí! Não troque de canal!

quarta-feira, 24 de outubro de 2012

Espelho meu... existe alguém mais cego do que eu?

Plataforma do metrô, estação Ipanema. O povo se espreme para esperar o trem que não chega, e é quando ouço a vozinha simpatica perto ali de mim:

-- O Metrô do Rio é uma piada!
Olho para ela: é uma senhora elegante e que aparenta estar em seus 70 anos. Sorrio e ela continua:
-- Isso é que dá votar em Cabral, em Paes... eu é que não voto neles!
-- Nem eu.
-- Sabe, quando tem jogo do Flamengo, torço para que perca. Copa do mundo?  Mesma coisa. Torci tanto pela Holanda! Enquanto o povo se inebria com futebol e carnaval, a politicada faz e acontece. Lula?! Um nazista! Enquanto o PT estiver no poder, torço contra o Brasil. Fazer o quê? Sou pela democracia!
O trem chegou, e apesar da multidão digna de comício político ou de carnaval, conseguimos nos sentar lado a lado.
-- Já tenho 80 anos! – (ela já esperava minha reação)
-- Nooooossa, mas a senhora parece ter dez anos a menos! Como conseguiu chegar aí assim tão serelepe e tão bonita?
A modéstia entrou no vagão.
-- Não fiz nada, minha filha, nadinha mesmo. Mas sempre tive autoestima e ainda na infância aprendi que eu era o máximo! Acho que isto fez toda a diferença. E também não fumei, bebia só um vinhozinho francês socialmente... sempre gostei de ler meus livros em inglês... tive um casamento que não foi grande coisa e me separei... dei umas namoradas... viajei muito! Não estou me gabando, mas conheço os cinco continentes!
Tocou minha mão e deu uma gargalhada leve:
-- Não quero parecer vaidosa, sabe, mas tive um óóóóótimo emprego! Sempre morei no Leblon. Atualmente estudo alemão! Olha o meu caderno: tô indo pra aula agora mesmo! É um grupinho bem democrático, sabe, tem de tudo: branco, preto, rico, pobre, zona sul e zona norte... coisa misturada. Mas eu não ligo, acho até charmoso e moderno a gente se misturar com o povo, né? O curso é de graça, aí tem de tudo mesmo.
-- Cuidou da cabeça? Dos sentimentos? Raiva é uma coisa que a senhora nem deve conhecer, né, porque faz mal e envelhece...
Ela não parava de sorrir.
-- Sou muito rancorosa! Não esqueço não! Mas andei fazendo umas iogas... a leitura é que me ajudou muito. E ler em inglês, que domino como minha segunda língua... ai, meu Deus...  olha eu aí me gabando de novo! Mas o que eu posso fazer, falo mesmo o inglês muitíssimo bem...
-- A senhora deve ter muitos amigos, não é? Os amigos são importantíssimos para a saúde do corpo e da alma.
-- Sim, é claro... foi até através de um amigo que fui parar neste curso de alemão! Ele é meio gay, sabe, mas eu não ligo. Respeito. Ele pode ser o que quiser, não é mesmo? O que é que a gente pode fazer, né? As pessoas escolhem... a vida é delas! A gente vive a nossa vida e deixa pra lá... problema  dele, nunca me meti...
-- Sei...
-- Mas ele fala inglês também muito bem, é outro que viajou bastante, é um homem fino e educado... costumávamos bater altos papos sobre arte,  assunto que conheço e domino...
Parou de repente e deu um suspiro, para arrematar com uma frase em seu idioma preferido:
-- I am blowing my own trumpet...
Traduziu imediatamente:
-- Estou me gabando...
Chegou minha estação e me despedi dela, que ainda disse:
-- Você é muito simpática!
Dei tchauzinho de longe e saí dali pensando no quanto pode ser perigosa a vida: a gente é capaz de chegar aos 80 anos sendo mesmo o máximo... mas o “máximo” de quê?
 

segunda-feira, 22 de outubro de 2012

Coitada da leoa, bicho!

É quase hora de dormir, e para evitar os pesadelos que até os canais pagos da TV  agora nos sugerem, com sua programação baseada em vizinhos assassinos, tabus do tipo “amores estranhos”, doenças raras ou “o mundo sem ninguém”, posso escolher entre ler um livro ou ligar pra algum amigo e dar umas risadas relaxantes. Escolho as risadas e ligo pro amigo.

-- E aí, meu querido, tudo bem?
-- Fluminense perdeu de três a dois com gol no último minuto! Fala aí pro teu marido...
(Meu marido já sabe: está “p” da vida, aliás, ao contrário do meu amigo, que também torcedor do time, dá a notícia sem emoção nenhuma, como se fosse jornalista esportivo. Sempre admirei esta sua maneira desapaixonada de torcer).
Mudo de assunto pra dar uma animada.
-- Mas e aí, como é que foi sua viagem de fim de semana?
-- Menina, a cidade está indo parar debaixo da areia da praia! O mar já engoliu dez ruas!
-- Credo! Então vamos deixar esta cidade pra lá e falar de outra coisa mais interessante, porque viajar para a Nova Iorque do "Planeta dos Macacos" não tá com nada...
-- Você viu o cara que batia nos cachorros lá no petshop? Saiu em todos os jornais durante a semana toda! O covarde sumiu. Batia de soco na cabeça do cachorro...
-- Não, eu não acompanho notícias horrorosas.
-- Ah, é! Você gosta de TV a cabo e Discovery. Eu também ando vendo Discovery. Dia destes vi uma documentário super legal, lá na África. Por causa de uma seca, a bicharada migrou para um lugar que tinha um riozinho bem pequeno. Leão, elefante, jacaré... só bicho grande. O hipopótamo deu uma mordida na cabeça da leoa, você tinha que ver! Arrancou um pedaço do focinho da bicha...
-- Não, eu não tinha que ver... escuta, você tá pior que os programas horrorosos da televisão. Não dá pra falar de alguma coisa mais leve não? Quem sabe as baixarias da novela... conta aí as últimas da Carminha...
-- Tá bom. Vou contar uma que parece mesmo cena de novela. Fui comer uma pizza em Copacabana agorinha mesmo. Sabe que vi uma moça bonita pra caramba, bêbada quase de cair, brigando com o balconista de um pé-sujo porque não tinha grana pra pagar e ainda queria outro chopp?
-- Sei...
-- E o balconista queria que ela pagasse com uma transa! Você não imagina como ele fez a proposta...
Desisti.
-- Olha, eu vou ver um pouco de televisão, ok? Tá começando aqui um programinha sobre o Universo que deve estar mais leve que este papo de hoje: “grandes colisões”.
-- Também vou ver o "Universo" pra relaxar com os choques interplanetários e tentar pegar no sono. Mas sabe, preciso te dizer: acho que vou sonhar com aquilo... coitada da leoa, bicho!

Deus me livre passar as férias numa NY assim...

sexta-feira, 19 de outubro de 2012

Quem não tem cão deve ser feliz com gato

Não... não há pensamento positivo, reza forte, macumba ou esperança que mude o rumo de certas coisas, e sei lá que mistério é este que domina o ponteiro da bússola que nos guia, e que mantém a situação nos mesmos trilhos de sempre, não importando as terras e os mares que movemos para transformar tudo a nosso favor.

Até eu, que tanto creio nos milagres, tenho que admitir: algumas coisas nem o milagre alcança, e a gente morre sem saber por quê.
Conheci uma moça que passou mais de dez anos lutando pelo amor de um amigo lindo, simpático, sexy e que adorava conviver com ela... mas era gay. Quando finalmente ela se apaixonou por um homem que pôde retribuir-lhe os sentimentos, ficou com raiva de si e do tal do amor impossível, pelo qual perdeu tanto tempo e chorou tantas lágrimas. Não sobrou nem amizade. Já aquela minha amiga de infância, que sonhava tanto ter um filho, e agarrada a este desejo recusou-se a tirar o útero para livrar-se de um câncer... morreu com sua esperança.
 Algumas situações na vida parece que já começam amarradas e isso acontece com todo mundo, embora a frustração faça a gente se sentir sempre o pior dos piores, quando o fracasso é nosso... e a obstinação em mudar os fatos só piora ainda mais tudo isso. Nem mesmo quem é lindo, rico, famoso e cheio de súditos, como a Lady Di, ou cheio de fãs, como Maria Callas, ou talentosíssimo, como Airton Senna, estão livres dos limites que a vida tira da cartola.
Sabe, jamais gostei da palavra “fracasso”, e confesso que tenho até dificuldades para acreditar nela. Será que fracasso existe mesmo? Ou é só uma questão de ótica? Seria correto pensar que Lady Di, Callas ou Senna fracassaram? Até onde conseguiram ir, foram grandes vencedores. Mas talvez seu sucesso pessoal tivesse sido maior caso olhassem menos para o que não tinham... e valorizassem mais o que já haviam conquistado. Saber a hora de mudar de rumo pode fazer toda a diferença na vida da gente: sabe o ditado que diz "quem não tem cão caça com gato?".

Não teria muito mais sentido em aceitar, simplesmente, que nós não podemos ser tudo, nem podemos ter tudo, e que a gente só vai até onde consegue ir? E que a satisfação jamais será completa? E que é aí mesmo, nesta partezinha faltante, que está a semente do valor de todas as outras coisas que a gente conseguiu ser e ter?
Gosto do dito popular que diz que “Deus sempre abre uma janela quando fecha uma porta”. O que a gente precisa é parar de chorar por causa desta porta fechada, por onde não poderemos mesmo jamais passar...  e ter olhos para enxergar a luz que entra pela janela e nos traz tantas outras imagens, bem ali na nossa frente... e que às vezes a gente passa a vida inteira sem ver.
 


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quarta-feira, 17 de outubro de 2012

Sra. "Gente fina" esqueceu a finesse em casa


Desta vez a loja era de bolsas, e eu estava de frente para o único espelho que havia, bem estreitinho, inclusive, decidindo se comprava ou se não comprava uma tiracolo. Então ela entrou, poderosa, como se, passados uns 50 anos, ainda estivesse desfilando para Dior lá em Paris.

A loja estava vazia, note bem, duas vendedoras de pé, sem fazer nada, e a digníssima senhora, ex-modelo, ex-bonita e atual colunista de comportamento e autora de textos muito legais, achou por bem parar exatamente entre mim e o espelho. Com sua pose de rainha-mãe, ignorou as vendedoras que estavam à toa e se dirigiu à moça que me atendia. Não falou boa tarde nem por favor.

-- Você tem aí um sacolão de lona?

Ela estava tão próxima, ensanduichada entre mim e o espelho, que fiz questão de continuar paradinha ali, só para ser tão desagradável quanto ela, que parou naquele exato lugar e dali não saiu, deflagrando uma batalha invisível entre nós duas, uma disputa para ver quem é que daria um passinho atrás.

Os minutos passaram enquanto ela conversava com a vendedora e ao mesmo tempo fingia me ignorar -- embora isso fosse impossível dada a proximidade em que estávamos -- e foi quando dei o xeque-mate: puxei das cordas vocais a voz mais educada que pude, toquei de leve seu braço fazendo uma pressãozinha para afastá-la, forcei um sorrisinho amarelo e pedi:

-- A senhora pode por favor me dar licença?

Ela interrompeu o papo com a moça e, mesmo sendo mais baixa, olhou-me de cima, como se eu fosse o protozoário da varejeira do cocô do cavalo do bandido... esboçou uma cara de nojo (de quem não comeu e não gostou) e deu um passo à frente.

Saiu da loja sem comprar e sem dizer muito obrigada, provavelmente rumo a Paris, cidade que adora, segundo gosta de contar em suas crônicas. Mas será que lá em Paris ela também banca a superior? Ou é só aqui entre nós, os mortais do Terceiro Mundo, que seu nariz fica tão em pé? Por aqui, ela desfila tentando mostrar que não tem só o Luís XVI na barriga, e sim a dinastia inteira dos Bourbon ali guardadinhos na pança.

O negócio é o seguinte: a gente lê as crônicas super legais que ela escreve... lê as entrevistas inteligentes que dá... e fica com a impressão de que a figura é gente finíssima, sente até vontade de tomar um café com ela e conversar a tarde toda. Mas o caso é que "gente fina" é outra coisa, e está longe de ter algo a ver com tirar onda de madame. A digníssima senhora, apesar da pompa de que se cerca, não tem nada de finesse.

Por falar em café, foi quando lembrei do dia em que, comendo pão de queijo com o escritor Fernando Sabino, comentei que certa poetisa brasileira, uma das maiores, deveria ter sido pessoa incrível, e os escritos dela estavam aí pra mostrar isso: pessoa com tamanha sensibilidade só poderia mesmo ser bacanérrima. E ele, que havia conhecido bem a dita-cuja, me contou:

-- Vaidosa. Vivia puxando o tapete dos outros...

É, leitor... que Deus nos dê discernimento para separar a pessoa pública que vemos (famosa ou não) da que ela realmente é, sem maquiagem. E que tenhamos verdade suficiente em nós mesmos para sermos quem somos sem ludibriar ninguém.

P.S. Que ninguém se engane comigo... este blog é pra lavar a alma, o que significa que, de vez em quando, ela fica bem sujinha...


                                               Ontem mesmo dei uma lavada nela!!!
 
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Eu e os velhinhos que de fofos não tinham nada

segunda-feira, 15 de outubro de 2012

Joaquim Barbosa e o oba-oba da carência brasileira

Enquanto ídolos do PT vão ruindo por terra, e o próprio PT, ídolo de muitos, luta para não perder votos em meio ao Mensalão e ao segundo turno das eleições municipais, o heroísmo do ministro Joaquim Barbosa cresce a cada dia, fazendo-me pensar que sempre que um império cai, outro surge em seu lugar: enquanto alguns creem que o homem precisa de religião, digo que ele precisa mesmo é de ídolos.

Estou entre os milhões de brasileiros contentíssimos devido à postura do ministro, que não se deixa abater ou constranger, e acredito que o Brasil nunca mais será o mesmo depois deste julgamento.
O Mensalão deu oportunidade ao Brasil de aproximar-se daquela sigla antes tão distante do cotidiano do povo: STF. E aproximou-nos também dos ministros, que deixaram de habitar um mundo mítico onde são “Vossas Excelências”, com suas togas negras e vocabulário incompreensível para a maioria de nós, cidadãos comuns. E foi aí que o ministro Joaquim Barbosa entrou para o imaginário popular como o brasileiro que, assim como Lula, “chegou lá”: negro e de origem pobre, como a grande massa deste país continental, ele está moralizando o Brasil.
Tá bom. Até aí eu vou, mas então vem aquele papo de povo sofredor que merece e carece de um salvador... e isso aí não me convence. Creio que existam outros povos mais sofredores que o brasileiro, e acho também que nós precisamos é tomar consciência da nossa força e ir à luta, em vez de esperar que um Jânio, um Tancredo, um Ulysses, um Collor, um Lula ou um Joaquim Barbosa venha nos salvar de uma já histórica trajetória de corrupção. E olha que citei só alguns dos heróis que tiveram (ou têm) sua época no cenário da nossa política...
Admiro a coragem do ministro Barbosa, mas o que não curto muito é o frenesi que se formou em torno do homem, uma adoração, quase um desespero de náufragos que se agarram ao tornozelo dele como a uma tábua de salvação. O ministro virou o Capitão América brasileiro.
Aí alguém vem dizer que precisamos de homens honestos, precisamos de heróis em quem confiar, necessitamos urgentemente de um salvador que nos livre das garras desonestas de uma política que já cansou a nossa beleza.
Sei... mas o caso é o seguinte: o ministro Joaquim Barbosa está fazendo, simplesmente, o trabalho dele; um trabalho para o qual é pago com o dinheiro do povo. Em outras palavras, ser honesto, firme e dedicado é sua obrigação como ministro do Supremo. Fico até um pouco constrangida por toda esta idolatria. Se chegamos ao ponto de nos sentirmos gratos a um juiz apenas porque ele corresponde às expectativas do cargo... . é porque o Brasil mergulhou tão fundo na corrupção e na desesperança, que a honestidade tornou-se artigo excessivamente raro e luxuoso, do tipo que a gente mal acredita quando vê... virou milaaaagre!
Gente, vamos tratar esta carência com um psicólogo! Não faz muito tempo o Wagner Moura, protagonista de “Tropa de Elite”, reinava neste trono que hoje é de Joaquim Barbosa: teve gente que chegou a dizer que queria o Capitão Nascimento disputando as eleições!
Quanto ao mensalão, convenhamos: Joaquim Barbosa não está sozinho nas vitórias do povo lá no julgamento. Outros ministros, honestos e dedicados como ele, estão lá. Podem não ser relatores, mas seus votos também definem os rumos da história. Ou não?  E o trabalho incansável de todas as outras pessoas que fizeram deste julgamento uma realidade, como políticos, policiais, investigadores e jornalistas? Estes também não são heróis?
Idolatria é um perigo muito grande, principalmente quando dirigida a homens de carne e osso. “Errar é humano”, já dizia o filósofo Sêneca, dois mil anos atrás. O heroísmo pode ser um fardo excessivo até para um ministro do STF. Melhor seria admirá-lo sem querer fazer dele um deus.

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Vamos manter os ídolos na ficção...

domingo, 14 de outubro de 2012

Quem é Carminha???

Não, não venha me chamar de bitolada porque eu não sei quem é Carminha. Até pouco tempo eu não sabia absolutamente nada sobre ela, mas tenho visto, pelas bancas de jornal, que trata-se do papel da atriz Adriana Esteves na novela “Avenida Brasil”, que passa na Globo. Mas até aí morreu o Neves, como se diz lá em Minas Gerais. Tudo o que eu sei sobre esta “pessoa” que está na boca de todo mundo, e que faz o país parar na hora da novela, se resume a isso.

Sim, o país pára: dia desses fui ao aniversário de um amigo bombeiro e pasmei ao ver a bombeirada toda de olho pregado na TV. O capítulo era importantíssimo, me disseram, pasmos por sua vez ao saberem que eu não tinha a menor ideia do que estava rolando no terreiro da Carminha.
Olha, graças a Deus não perco meu tempo com novelas, e me sinto realmente lisonjeada quando alguém me confunde com um E.T. quando assumo que não sei quem é Carminha, e não sei mesmo! 
Nas poucas vezes em que sintonizei a Globo na hora da novela foi porque estava zapeando, e só o que vi foi cena de baixaria. Muita briga, gritaria, palavrão, gente rolando pelo chão aos tapas, gente se agredindo verbalmente, gente armando o golpe. Sem falar nas cenas de sexo, que realmente não precisavam estar no roteiro. Precisavam?
Parece que os novelistas de hoje estão em crise criativa e brigam pela audiência levando à TV o que há de pior na cultura brasileira: o tal “jeitinho” sem educação, ávido por se dar bem... e uma breguice sem fim, uma falta de bom-gosto, e até de princípios, que parece que ficou na moda justamente porque é mote de novela da Globo... sabe como é, a Globo leva ao ar, o povo acha lindo e incorpora, e com uma rapidez e uma facilidade a jato.
Seja o vestido da Patrícia Poeta no noticiário, passando pelos bordões, figurinos e atitudes dos artistas nas novelas, o telespectador engole tudo junto com o jantar. Semana passada li no jormal que já existem festas de aniversário infantis ambientadas no mundo de "Avenida Brasil", e que as meninas vão vestidas de Carminha e os meninos vão fantasiados sei lá de quem, um personagem masculino da novela. Não falta muito, as garotinhas de oito, dez e 12 anos, vão querer ser a Carminha quando crescer, sabia disso? Ou a Suelen, a periguete desta mesma novela, que também estourou nas capas de revista, deu uma fama tremenda à atriz Ísis Valverde e ganhou a simpatia popular... o pessoal acha a periguete uma fofa! Imagina a cena: 

-- Mãe, quando eu crescer quero ser periguete!

Fico pensando se a TV é um espelho do povo ou se é o povo que imita a TV: acredito, por exemplo, que a mulherada esteja, mais do que nunca, brigando de tapa por aí e usando suas Louis Vuittons como arma, motivadas pelo roteiro da novela que não economiza no quesito soco na cara, pelo que já pude constatar em minhas zapeadas.  É feio? É, mas se a novela da Globo já oficializou, pode.

É uma pena: os atores, mesmo os que têm talento, ficam ridículos, e o telespectador que ainda não sofreu lavagem cerebral se sente até constrangido.
Enquanto isso, a massa delira: Carminha é quase heroína nacional. Joaquim Barbosa que se cuide.

Leia também:
Periguete: vergonha nacional

sábado, 13 de outubro de 2012

Feminismo de saia-justa

Pra começar, jamais gostei do "Saia Justa", programa de debates do canal a cabo GNT e capitaneado pela Monica Waldvoguel, que mesmo sendo inteligente, até hoje não conseguiu fazer das conversinhas de sofá algo que não fosse um papo chato de mulheres chatas (e, mais recentemente, de caras chatos também).

Ora pois, foi ali mesmo, no "Saia Justa", que conheci o movimento Femen, "neofeminista" e apresentado por uma moça de vinte anos, a Sara Winter, que adota um estilo de cabelo e maquiagem meio Marilyn Monroe punk e leva na cabeça uma coroa de flores cuja razão não entendi muito bem. Se a ideia é chamar a atenção alheia para o movimento que põe os seios à mostra para protestar, funciona.

No começo achei interessante. "Putz, uma ´neofeminista´ de 20 anos? Deixa a moça falar!". Mas foi aí que perdi a fé: se não lhe falta talento pra conversar com a câmera, seu discurso me pareceu decorado até nas vírgulas. Também não entendi o que significa "neofeminista", nem vi muito sentido nos protestos do grupo sobre prostituição... o que será que as prostitutas acham disso? E o lance da venda de produtos, como camisetas com o nome do movimento, deixou minha curiosidade no ar: qual o destino do dinheiro levantado?

Diante de tantos questionamentos que a entrevista do "Saia Justa" não esclareceu, corri para o Google, onde também a curiosidade não foi satisfeita. Mas encontrei vários blogs e artigos cheios de dúvidas a respeito do Femen Brazil, que é escrito assim mesmo, com "Z", e faz seleção das interessadas em aderir. Como feminismo é coisa de interesse público, seguem alguns links, de modo que eu não caia no erro de dizer o que já foi dito por outrem:

Blogueiras Feministas

Marcha das Vadias/DF

Cynthia Semíramis, feminismos e direitos humanos

Território de Maíra

quarta-feira, 10 de outubro de 2012

Limonada na macumba telepática

Triiiiiimmmm...
-- Alô?
-- Chamada a cobrar... para aceitar continue na linha após a identificação.
Piiiimmmmm!!!!!
-- Pois não? Alô?
-- Oi!!!
-- Quem é que está falando?
-- Sou eu...
-- Eu quem?
-- A Juliene...
Levei um choque. Olha que nem cheguei a procurar a cigana para trazer de volta a Cinderela do Lar em três dias... será que meu santo é tão forte, que só de pensar na hipótese a macumba já deu resultado? A cigana é telepata? Será que me passa os números da loto ou o gabarito da próxima prova para a Petrobras?  Respirei fundo e banquei a Fernanda Montenegro:
-- Que Juliene?
Ela não se fez de rogada e veio com a vozinha mole:
-- Já esqueceu de mim? Sou eu, dona Fernanda, a Juliene, sua diarista.
Fiz pouco caso, inclusive para ganhar tempo e saber como agir: na dúvida, fui mais gelada que pinguim.
-- Ah. Oi, Juliene. Pois não. Está me ligando por quê?
Por um momento, fiquei com medo que ela dissesse “porque uma cigana apareceu aqui em casa junto com a Pomba-Gira e o Preto Velho, e todos eles me disseram pra ligar porque a senhora anda meio desesperada aí por causa de empregada...".  Mas graças ao bom Deus maluquices como estas só acontecem mesmo é na minha imaginação, e ela armou sua voz de choro (aquela que eu conheço tão bem...) e me saiu com esta:
-- Ô dona Ferdddddaaaaaaannnnddddaaaa... eu preciso que a senhora me perdoe... fui uma ingraaaaaata... a senhora me ajudou tanto, e eu  pisei na bola com a senhooooora...
Tremendo déjà vu. Voltei no tempo e me vi, com cara de idiota, sendo mais uma vez enrolada pelas histórias rocambolescas que só a Juliene sabe contar... um dia morre a avó de 90 anos;  no outro, é o filho que desaparece pela milésima vez; ou então ela tomou uma surra do namorado; ou baixou no hospital com dengue, problema de coluna ou hemorragia vaginal... e eu sempre acreditava em tudo e dava até dinheiro para ajudar com o velório da velhinha. Senti um arrepio de horror me subindo pelas costas. Foi quando ela continuou:
-- E eu sonho toda noite com senhooooora...
O arrepio agora desceu de volta pela espinha. Larga d´eu, Zebedeu, que este papo tá esquisito...
Resolvi acabar com a lenga-lenga:
-- Tá perdoada, Juliene, pode dormir em paz.
Ela acabou com o choro na hora e veio toda animadinha:
-- Então quando é que eu volto?
Tcham, tcham, tcham, tchaaaaaaam... (nesta hora, juro que pensei estar ouvindo a Quinta Sinfonia de Beethoven).
-- Segunda-feira às dez?
Ela insistia, e enquanto Beethoven mandava brasa na música de fundo, eu pensei: “ É pegar ou largar!”. E repensei: "Dez horas?! Ela não mudou nada... isso lá é hora de diarista chegar para o batente?".  E não é que eu, totalmente de veneta, larguei?
-- Não, Juliene... aqui em casa você não volta mais não...
Eu ainda tentava acreditar em minhas próprias palavras quando ouvi, do outro lado da linha, o tombo que ela tomou do cavalo. Foi neste momento que a cigana, "p" da vida, deve ter pensado "esta doida me botou pra trabalhar à toa, e agora que fiz o milagre ela põe tudo a perder?!". Por um segundo, temi aborrecer a entidade.
-- A senhora arranjou outra? -- (Juliene estava descadeirada).
-- Não... estou limpando chão, passando roupa, lavando banheiro... mas pelo menos ninguém mais mente, chega atrasado ou falta ao serviço aqui em casa... (a cigana há de entender que pensei melhor e tenho razão).
Horas mais tarde, meio arrependida, quase em dúvida a respeito de ter feito a coisa certa e já pensando em pedir arrego depois de me fazer de difícil, falei com meu marido:
-- Tomara que ela agora me ligue um milhão de vezes querendo voltar, porque aí eu posso aceitar sem perder a pose de durona...
Acho que a cigana se cansou de mim ou viajou para o Caribe, porque desta vez não me atendeu, e a Juliene nunca mais deu as caras. E eu, que já não dou as caras há meses lá na manicure, estou aprendendo a gostar da liberdade que existe em não precisar desesperadamente de uma faxineira... em aprender a empurrar as cutículas e passar um esmalte nas unhas, depois de lavar a roupa... e de ter a casa inteirinha só pra mim, sem uma diarista que está sempre de antena ligada e orelha em pé, e pronta para faltar ao trabalho quando lhe der na telha, e eu que me dane.
Estou aprendendo que existe liberdade até em chutar o balde e não limpar nada... uma poeirinha de vez em quando não mata ninguém, nem uns pratinhos sujos na pia. Deixo a bagunça pra lá e ainda pego o salário dela, que anda sobrando no orçamento doméstico, e faço uma festa na minha loja preferida. Taí um jeitinho bom de pegar o limão e fazer uma limonada.

Clique abaixo para ouvir a trilha sonora do meu papo com a Juli:


Leia também:
"Trago a Cinderela do Lar em três dias"

O milagre da multiplicação das Julienes

É mais fácil encontrar marido que empregada doméstica

Lula e o fim das empregadas domésticas

Shopping center para as brancas, violência para as negras

sábado, 6 de outubro de 2012

Quem tem coragem de dançar na frente de um tetraplégico?

O pudor está por toda parte, inclusive nos extremos: há quem tenha pudor de ser pobre, e há os que têm pudor de ter grana quando há tanta gente sem nada. O pudor de ser feliz, de ter saúde, de ter dado certo na vida. E do outro lado da moeda o pudor de ser deprimido, angustiado ou de sofrer de síndrome do pânico;  de ser doente e necessitar da dedicação alheia; de estar desempregado aos 40 ou aos setenta e poucos, ou de ser infeliz com a vida que traçou. Às vezes a gente sente pudor até de estar vivo...

Talvez pela tradição da culpa, disseminada pela religião, a gente se deixe levar por esta doença que tem muito a ver com a autocomiseração... é mais fácil sentir pena do mundo e de nós mesmos;  é mais fácil padecer da modéstia do que simplesmente aceitar as coisas como elas são e não fazer drama.
O filme “Intocáveis” é um sucesso de público talvez por isso mesmo: Drizz, o personagem principal, está confortável com seu lugar no mundo mesmo que este lugar não seja nada fácil, e não se sente diferente do patrão, um ricaço tetraplégico que sofre de tristeza muito mais por ser tratado como uma entidade do que por conta de sua cadeira de rodas. Drizz não se sente em melhor condição por ter a medula intacta, nem em pior por ser negro e pobre numa Europa que está longe de simpatizar com os imigrantes africanos. E Philippe, por sua vez, não se sente vítima das circuntâncias nem privilegiado pela condição social: está em busca de uma igualdade da qual jamais desfrutou, e que tornou-se ainda mais difícil em função de um acidente.
A história dos dois, real que virou filme, trata da mais fina relação entre seres humanos: aquela em que ambos são iguais apesar de todas as diferenças que a vida pode nos impor, das financeiras às culturais, passando pelas físicas. E nos mostra o quanto o homem pode ser grandioso quando não se deixa levar pelo peso da distinção e das ideias pré-concebidas sobre si mesmo e sobre os outros. É então, a partir deste encontro mágico de almas, que acontece a maravilha da existência: um ser humano abre o outro para a vida, numa estrada de mão dupla em que ambos seguem sempre adiante.
Há muito de liberdade em ser despudorado: é que realmente é impossível ser alegre com pudor.

quinta-feira, 4 de outubro de 2012

Bullying faz parte da vida

Quem nunca sofreu bullying? Pode até aparecer aqui a rainha da Inglaterra e jurar, inclusive apostando cada pedra rara de sua coroa, que o príncipe Charles jamais foi sacaneado na escola... eu não acredito: todo mundo foi sacaneado na escola.

A escola, a turminha da rua, o trabalho, a sogra... o bullying está por toda parte, e sempre esteve. Aliás, engana-se quem pensa que a coisa seja só brincadeirinha malévola de criança mal-educada, e o Facebook taí pra nos mostrar isso; quanta gente vem sendo difamada e diminuída nas redes sociais? Ou será que bullying virtual não é bullying? A verdade é simples, pode crer: o fenômeno é tão antigo quanto andar pra frente, e isso porque o preconceito, a segregação, o ódio à diferença e o complexo de inferioridade estão no DNA do ser humano... e o bullying é a manifestação disso tudo. A Bíblia taí e nos conta, por exemplo, o caso de José, filho de Jacó, que sofreu exatamente disso e dentro de casa: não bastasse os maus-tratos vindos de seus irmãos, chegou a ser vendido por eles como escravo.

No caso da infância, quem nunca sofreu os espinhos da crueldade dos coleguinhas... foi porque não teve coleguinhas!Adoro uma frase da estrela Mae West que diz “infância é aquela parte da vida pela qual passamos o resto da vida pagando um psicanalista para nos ajudar a esquecer”. Aí vêm o povo mais romântico dizer que não, a infância é a melhor época da existência, ai que saudade... pois eu não acho, e já não achava enquanto estava lá: odiava ter que fazer tudo o que os outros mandavam e ter que tomar fortificante em vez de decisões.
Pergunto à minha amiga Beth, psicóloga, o que é que mudou: esse lance é coisa tão antiga que até os homens da caverna devem ter sofrido por conta. Mas a gente não se matava por causa de bullyig, nem havia o fenômeno norte-americano de gente que compra um rifle pela TV e sai atirando nos colegas agressores no colégio ou na porta do trabalho.
Minha amiga me chama a atenção para a competitividade, que subiu à cabeça dos pais para atormentar os filhos, e que se manifesta através de agendas cheias de compromisso e espaço nenhum para a brincadeira. Não existe mais o lúdico na infância, e a criança sofre como se fosse um atleta em permanente busca de performance e superação. Tem que aprender inglês pra dominar o idioma e conseguir um empregaço no futuro. Tem que fazer esportes, mas não pelo prazer, e sim para aprender a ser competitivo, líder, forte, vencedor e magro.  E por aí vai, a competitividade acirrando a rivalidade, o desprezo e o ódio.

Ninguém aprende mais sobre o valor e a necessidade da perda; sobre ganhar em segundo lugar ou ser o último no ranking; sobre o prazer de ficar à toa e não pensar em nada; sobre a importância de ceder o lugar aos outros e de deixar que mais alguém brilhe... só pra variar um pouco, que seja. Ninguém mais aprende sobre brincar, sobre simplesmente ser o que se é; sobre ser generoso em vez de competitivo.
A exacerbação da competitividade está acabando com a infância tanto quanto a sexualidade à mostra na televisão e o consumismo em toda parte. Penso que na Idade Média a criança quase não existia, era explorada como trabalhadora e, com frequência, usada como moeda corrente por seus pais... e concluo que as coisas não são muito diferentes hoje em dia.
Vejo pais moderninhos que tratam seus filhos como iguais e lhes concedem uma liberdade e uma autonomia às quais são incapazes de dar conta, os dois: os pais se igualam porque temem fazer seu papel (ou têm preguiça), e os filhos aceitam esta posição “adulta” apenas quando lhes convêm, e bancam os bebezões mimados quando também é conveniente. Ok, este é um método educacional, mas eu pergunto: esta postura educa para quê? Para que tipo de futuro ou de relacionamento entre pais e filhos? Estes pais pensam estar educando “democraticamente”, mas não percebem que crianças precisam de limites. Não percebem que ao tratar uma criança ou adolescente como adulto, também estão corrompendo a infância e acabando com ela. Estão tirando da criança o direito de ser criança.
Quando meninos matam ou morrem dentro da escola, isso é muito mais que um sinal dos tempos, muito mais também que um horror ou uma tragédia. É a infância de uma geração inteira que chora e grita, mas ninguém parece ouvir este pedido desesperado de socorro.  

Por que é que querem acabar com a infância?