sexta-feira, 18 de dezembro de 2015

Dois pavões na ativa em Copacabana

Era uma loja de CDs em Copacabana, daquelas bem antiiiiiigas e modestas. Fui atraída pela bossa-nova que, em alto e bom saxofone, irradiava lá de dentro.

-- Moço, que disco é este? Quero um, por favor!

O vendedor era um senhor que já ultrapassava os 70, com uma mecha de cabelo coberto por gel cuidadosamente alisado por cima da calva, vã tentativa de disfarce, relojão dourado no pulso e um sapato tipo Vulcabrás. Imaginou?

Mas então... quando o dito-cujo me diz que o disco já está vendido, uma voz masculina se precipita repentina, altíssima, disputando com o saxofone:

-- Nããããoooo... pode vender pra ela!

O homem sorria para mim, de dentro da bermuda pelo menos um número maior e da camisa estampada. Seria um turista? Ao lado dele, uma moça bem mais jovem sorria, acompanhada por dois adolescentes.

-- Faço questão! Pode ficar com o disco!

A cerimônia foi maior que o desejo de comprar o CD:

-- Nãããão, imagiiiiiiina... é o último? Fique com ele, você viu primeiro...

O homem não se fez de rogado:

-- De maneira nenhuma! É seu! TODO SEU!

Contente da vida, e sem ver segundas intenções na situação, me deixei levar pela gratidão:

-- Aaahh, muito obrigada então! Olha, estou tão agradecida que vou lhe dar um beijo!

Neste instante, enquanto me aproximava para um beijinho do tipo "bochecha com bochecha", vi o exato momento em que o espírito do Dom Juan baixou de vez no cinquentão, que se animou todo, já abrindo os braços e se chegando com aquelas mãos "cheias de dedos" para um abraço BEM carinhoso.

Fui mais rápida, beijei uma bochecha só e tratei de me afastar rapidinho, antes que suas asas se fechassem ao meu redor.

Contente com a atenção que recebia, ele atacou outra vez:

-- Você é muito linda, viu? E esta aqui é a minha nora, e estes são os meus netos! Estou disponível! Livre como um passarinho!

Foi aí que me lembrei do Rolando Lero, personagem de sucesso do ator Rogério Cardoso na antiga "Escolinha do Professor Raimundo", e que era a encarnação do sedutor de plantão.

No entanto, o sedutor à minha frente era tão gentil...  e ao mesmo tempo me pareceu tão triste dentro daquele sorriso e daquela camisa estampada... e ainda tinha o agravante de estar acompanhado pela família! Não tive coragem de cortar o exercício de sua veia galante. "Será viúvo?", pensei... e minha compaixão entrou em cena, como um perfume que tomasse o ar. Se a viuvez me parece triste demais para as esposas, me soa como tristíssima para os maridos e suas casas vazias de uma presença de mulher.

-- Netos?! Quem diria...

E encerrei a questão:

-- Muito obrigada pelo CD...

Mas ele insistiu:

-- Adoro um sax! No fim do dia você chega em casa, cansada do trabalho, coloca este disco e prepara um drink... um drink para si mesma! E relaaaaaaxa no sofá! Adoro, viu?

Pensei que dizer que era isso mesmo que eu faria com o meu marido e aquele disco que estava comprando... mas mais uma vez minha compaixão me calou. E pra encerrar de vez o colóquio, dei um aceno de despedida. Ele entendeu que seu tempo havia acabado e se afastou dizendo mais uma vez:

-- Você é muito linda, viu?

No balcão da loja, o vendedor era todo sorrisos. E eu, contente com a compra do disco e também com o elogio do outro, comentei:

-- Ele estava me paquerando, o sr. viu?

 E ele:

-- Você não se ofendeu? Tem gente que se ofende...

-- Claro que não! Vou me ofender com um elogio? Ser paquerada aos 20 é normal, né? Mas ser paquerada aos 50 é um luxo!

Foi aí que o homem, só porque é homem, partiu para o ataque mudando imediatamente a postura corporal, tornando-se repentino um pavão vaidoso debruçado sobre o balcão... e a fisionomia, que portava agora uma expressão à moda Rodolfo Valentino, com a sobrancelha levantada... e a voz, com um recém-adquirido tom de cantor de tango, arriscou:

-- Então quer dizer que gostas de bossa-nova. Moras por aqui?

Procurei minha compaixão dentro da bolsa, mas o frasco estava vazio.

-- Embrulha pra presente porque é para o meu marido, por favor.

E o pavão, talvez só porque seja macho, pigarreou e vestiu outra vez a roupa dos seus mais de 70 anos. Todo respeito.