segunda-feira, 15 de junho de 2015

"O amor é o encontro de dois naufrágios"

                                                                                             (Para o meu amor)

Então Freud escreveu: “o amor é o encontro de dois naufrágios”.

E a frase parece que colou-se a mim como uma tatuagem invisível que foi entrando pela pele, sendo absorvida, lentamente, no passar dos dias... e absorvida para sempre. Os sentidos que encontrei para ela não sairão mais porque estão misturados ao meu jeito de ver o mundo e de sentir as coisas. E é assim mesmo que sinto o amor: o encontro de dois naufrágios.
Não sei exatamente o que é que Freud quis dizer com isso; jamais saberei, mesmo que estude exaustivamente sua obra. O sentido exato de sua intenção, ao escrevê-la, morreu com ele. O jeito é fazer, com as palavras, o  que faço com as paisagens coloridas de Van Gogh e com as formas às vezes incompreensíveis da escultura surrealista: encontrar uma porta escondida e entrar, sentir o efeito deste universo novo.

Não limito o amor ao encontro de dois acidentes. Esta é uma visão simplista e que diminui a união dos amantes a uma simples junção de dissabores, como se o enamoramento fosse uma neurótica e infeliz coincidência, uma ligação de maltrapilhos emocionais que compartilham as próprias necessidades.
O amor é o encontro de dois naufrágios porque é uma identificação íntima e espiritual, um enlace feito à revelia dos acontecimentos porque nasce na essência do que realmente somos: aquela parte nossa tão oculta do mundo e que só pode ser vista por um semelhante, um gêmeo, uma metade, um irmão de alma... aquele que nos conhece antes que possamos nos revelar, e nos aceita mais que nós mesmos.

Nossos naufrágios são "nossos" no sentido plural que um casal é, em sua mais pura natureza. Porque o amor é feito de duas alegrias que se juntam, mas é também, eu acredito, o encontro do naufrágio que somos.
 
"O Impossível", escultura surrealista da mineira Maria Martins, hoje exposta no Malba, Em Buenos Aires
 

terça-feira, 9 de junho de 2015

A sabedoria onde menos se espera

Foi minha segunda incursão à Colônia Juliano Moreira. Paradas nas imediações da entrada, ali estávamos, as estudantes de psicologia, à espera do restante do grupo, para o início da visita guiada. Eis que se aproxima o rapaz. É um interno. Vem todo simpático e cheio de cumprimentos. Aperta a mão de várias de nós. Estaciona o corpão ao meu lado, todo sorrisos e, ao me ver de braços dados com minha amiguinha muitos e muitos anos mais jovem, manda na lata a pergunta:

-- É sua filha?
E eu, dando risada, respondo com outra pergunta:
-- Tá me chamando de velha?!
Ele leva um susto:
-- Nããããoooo...
E eu retruco, como se fosse absurdo (mas não é):
-- Vê se pode! Me fazer uma pergunta dessas!
E ele, em sua sabedoria:
-- Não tô te chamando de velha... tô te chamando de mãe!