Então Freud escreveu: “o amor é o encontro de dois naufrágios”.
E a frase parece que colou-se a mim como uma
tatuagem invisível que foi entrando pela pele, sendo absorvida,
lentamente, no passar dos dias... e absorvida para sempre. Os sentidos que
encontrei para ela não sairão mais porque estão misturados ao meu jeito
de ver o mundo e de sentir as coisas. E é assim mesmo que sinto o amor: o
encontro de dois naufrágios.
Não sei exatamente o que é que Freud quis dizer com
isso; jamais saberei, mesmo que estude exaustivamente sua obra. O sentido exato
de sua intenção, ao escrevê-la, morreu com ele. O jeito é fazer, com as
palavras, o que faço com as paisagens
coloridas de Van Gogh e com as formas às vezes incompreensíveis da escultura surrealista:
encontrar uma porta escondida e entrar, sentir o efeito deste universo novo.
Não limito o amor ao encontro de dois acidentes.
Esta é uma visão simplista e que diminui a união dos amantes a uma simples junção
de dissabores, como se o enamoramento fosse uma neurótica e infeliz
coincidência, uma ligação de maltrapilhos emocionais que compartilham as
próprias necessidades.
O amor é o encontro de dois naufrágios porque é uma
identificação íntima e espiritual, um enlace feito à revelia dos acontecimentos
porque nasce na essência do que realmente somos: aquela parte nossa tão oculta
do mundo e que só pode ser vista por um semelhante, um gêmeo, uma metade, um
irmão de alma... aquele que nos conhece antes que possamos nos revelar, e nos
aceita mais que nós mesmos. Nossos naufrágios são "nossos" no sentido plural que um casal é, em sua mais pura natureza. Porque o amor é feito de duas alegrias que se juntam, mas é também, eu acredito, o encontro do naufrágio que somos.
"O Impossível", escultura surrealista da mineira Maria Martins, hoje exposta no Malba, Em Buenos Aires |