quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

Quando o clitóris é uma pedra no caminho

Alguém viu o filme “Flor do Deserto”? Eu vi no fim de semana. É a história de Warris Dirie, modelo que tornou-se símbolo mundial da luta contra a mutilação genital feminina, que ainda hoje é comum na África e na Ásia e, também, entre os imigrantes que vivem na Europa, na América e na Austrália. Segundo a ONU, cerca de oito mil meninas sofrem esta violência todos os dias.

Alguém pode imaginar o que significa esta prática? As próprias mães levam suas filhas, de quatro ou cinco anos, para serem castradas, algumas vezes por médicos e enfermeiras, outras por senhoras da comunidade, extremamente respeitadas por terem o ofício de cortar o clitóris e toda a vulva das “pacientes”, costurando tudo depois. Não há anestesia nem higiene, e as “cirurgias” são feitas com facas, giletes, canivetes ou o que houver à mão no momento.

Muitas meninas morrem, e, nos últimos anos, a prática vem sendo aplicada a bebês. Na noite de núpcias, quando as noivas têm em torno de 12 anos, o marido faz um corte na cicatriz, antes de consumar o casamento, para ter certeza de que sua esposa foi “cortada”, como prega o costume, e portanto é uma mulher casta e respeitável. Mas que costume é este, que não consta em nenhum livro sagrado? É a praxe de  indivíduos para quem o prazer de viver é a opressão; a tradição de homens que garantem a fidelidade de suas mulheres através da privação máxima, que é a privação do próprio corpo. Para eles, o clitóris é uma pedra no meio do caminho, um obstáculo à supremacia do seu próprio egoísmo e tirania.

Warris teve ao menos a sorte de conseguir fugir pelo deserto na noite anterior ao casamento, e sua mãe, que a viu fugir, apanhou durante anos do marido por causa disso. A menina conseguiu ser enviada para Londres pela avó, onde foi explorada como uma empregada doméstica sem nenhum direito. Não fosse pelas guinadas excepcionais da vida, não teria se tornado modelo famosa e, a partir daí, embaixadora da ONU.

Fico muito feliz por Warris ter escapado e ter se transformado nesta força-motriz itinerante, criadora de uma fundação internacional e premiada por chefes de estado como Mikhail Gorbachev e Nicolas Sarkozy. E penso em todas as outras meninas que ainda estão sob as garras de um costume absurdo, sem defesa em países onde a civilidade é artigo raro e, no caso das mulheres, inexistente.

E alguém me dirá que também existe violência contra a mulher aqui no Brasil. A questão é que aqui, a fuga é mais fácil, e conheço mulheres de diferentes classes sociais que fugiram mesmo, depois de apanhar e quase serem mortas por maridos covardões. Na África e na Ásia, o estupro é tão comum para os homens quanto tomar um copo d’água, e bater em mulher faz parte da tradição. Enquanto isso, elas choram e se desesperam, porque é só isso que podem fazer.

Conheça a Fundação Flor do Deserto. Clique aqui.


Veja o trailer do filme:



Abaixo, seguem alguns textos que resgatei do antigo blog, no Jornal do Brasil, sobre a situação de risco enfrentada por mulheres em sociedades machistas.

6 comentários:

  1. Vi o filme e daí conheci esta prática covarde e horrível. Exelente texto.

    Duilio

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  2. Fernanda,

    Esta materia me causa uma tristeza muito grande.

    A muitos anos, digo ha uns 17 anos, eu liguei a televisao e o canal era de noticias, e um reporter estava fazendo a reportagem e eu que tinha acabado de ligar a TV nao percebi que estava sendo gravado tudo ..... eu fiquei tao chocada, tao revoltada (por ser mulher) e agradecida por ter nascido no Brasil e na minha familia.

    O horror estampado na cara da crianca, guardo ate hoje em minha memoria ....nao consegui deletar.....

    Nao consegui ver o video que voce postou .....

    Como voce mesma o disse: no Brasil tambem tem violencia de todos os tipos, porem temos como fugir .......

    Parabens pela materia, tao bem escrita.

    Felicidades,

    Gilda Bose

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  3. É por estas e outras,que eu agradeço a Deus todos os dias,ter nascido nesta terra chamada Brasil! (Apesar de tudo.)

    Monica.

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  4. Assisti este filme, com esta (quase) inacreditável história, quando do lançamento aqui no Rio, e com um mix de sensações: perplexidade, tristeza, curiosidade, encantamento,(também pela beleza extraordinária da atriz)etc., e, apesar do horror da questão, justamente pela existência da Fundação Flor do Deserto, um lampejo de esperança (quando as coisas vão melhorar para estas infelizes meninas? Será???). Inesquecível sob todos os aspectos.

    Só acrescento, queriDannemann,à sua frase:" Não fosse pelas guinadas excepcionais da vida, não teria se tornado modelo famosa" , que o excepcional desta guinada estava na deslumbrante e peculiar beleza da WARIS DIRIE. Esta bela e ímpar pérola negra _ pesquisei em várias fotos de ensaios da modelo Waris_ remete à atual e igualmente maravilhosa MIss Universo, que fez meu queixo cair ao vê-la. Que me perdoem as morenas, as louras e as branquelas...mas a mulata é a tal!!!, reapeitando opiniões divergentes, lógico!.
    Beijão
    Marcos Lúcio

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  5. Nos países fundamentalistas, lunáticos.

    ...


    " - Por que esmurrar o rosto de um adversário caído até que ele desmaie é considerado um "esporte (...) ?"

    (Marcelo Migliaccio)

    ...

    Nas américas e Europa...lunáticos.

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  6. Parabéns pela matéria. Assisti ao filme hoje (26/11/2012). Já sabia das atrocidades (castração) nas meninas da África e Ásia. O filme trata da violência de uma forma muito sutil, não chega aos pés do que aocntece com as mulheres vítimas de "costumes, cultura ou religião". É pavoroso saber que ainda contina acontecendo. Machismo, bando de lunáticos! Até quando?????????????????????????

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