(Publicado no Jornal do Brasil em 12/08/2010)
A notícia de que novas unidades da Delegacia da Mulher serão implantadas no estado do Rio de Janeiro me fez pensar em Zargoona, uma viúva professora de física que vivia em Cabul e teve sua vida destruída pelos Talibãs, que a proibíram de trabalhar. Eu a conheci no livro “Mulheres de Cabul”, da inglesa Harriet Logan.
No instante seguinte, meu pensamento voou ao Irã, onde Sakineh Mohammadi Ashtiani, de 43 anos, já foi torturada, segundo diz seu advogado, e agora espera pela sentença que irá condená-la à morte, por, supostamente, ter cometido adultério e assassinado o marido.
O infortúnio de minhas amigas espirituais __já que nunca as conheci, mas com elas me solidarizei__ faz com que eu dê graças aos Céus por ter nascido no Brasil. Logo aqui, onde o machismo ainda impera em muitos lares e o chefe da Nação dá ao mundo uma mostra de como muitos brasileiros enxergam a mulher.
Considerado “humano e emotivo” pelos iranianos, e representante de um povo com fama de brincalhão __mas na verdade chegado ao humor negro e capaz de fazer piadas a respeito de crimes bárbaros__ Lula fez chacota da tortura e do assassinato que aguardam Sakineh, oficializados por um governo que desconhece a palavra "democracia" e pratica o apedrejamento.
E é bom mesmo que novas unidades da Delegacia da Mulher sejam criadas, porque no país democrata em que vivemos, houve aumento de 112% no número de denúncias ao “disque 180” (Central de Atendimento à Mulher) nos primeiros seis meses deste ano, em comparação ao mesmo período do ano passado. Os dados são da Secretaria de Políticas para as Mulheres, vinculada à nossa Presidência da República.
Foram mais de 343 mil atendimentos neste período, contra pouco menos de 162 mil no ano passado. Os crimes de “ameaça” e “lesão corporal” somam mais ou menos 70% dos registros, e partem da boca ou do braço do próprio companheiro da vítima, que instaura em casa a lei da violência física, psicológica, moral, patrimonial, sexual e até mesmo cárcere privado e tráfico.
Enquanto isso, a organização não-governamental Centro pelo Direito à Moradia contra Despejos (Cohre) revelou, mês passado, uma pesquisa que afirma que uma mulher é atacada a cada 15 segundos no Brasil. Haja delegacia!
Conheci mulheres que fugiram de maridos tiranos __uma delas sob ameaça de ser morta quando ele resolvesse que havia chegado a hora, e outra que só não morreu porque correu mais rápido que seu algoz, que seguia atrás com uma garrafa quebrada na mão. E já vi também algumas que apanharam durante anos, e um dia deram um basta na Delegacia de Mulheres, com hematomas no corpo e no coração. Cheguei a ir com uma delas ao Instituto Médico Legal para o exame de corpo de delito, e ajudei outra a reconstruir um lar com seus filhos. Percebi que o mais difícil, no entanto, é livrar-se da violência psicológica, aquela que amputa braços e pernas da auto-estima e nos torna incapazes de qualquer atitude de auto-preservação.
Mas para quem vive num país livre, há sempre a esperança da fuga e de um futuro melhor, inclusive através das urnas: penso em Zargoona e em Sakineh, minhas amigas espirituais, e lamento que estas possibilidades não existam para elas.
O desespero de Zargonna, fotografado por Harriet Logan
Boa tarde Fernanda Carolina,
ResponderExcluirNão basta abrir Delegacias da Mulher. Eu mesma tive que recorrer à Delegacia em Brasília quando me separei, mas o descaso com que fui tratada me causou pânico. Não sabia se valeria a pena registrar uma ocorrência contra o meu ex marido, por perseguição e ameaça de morte, imagine só. É claro que acabei registrando a queixa e tudo ficou bem. Acho que a mulher que recorre a uma Delegacia deve ser melhor acolhida, para se sentir segura.
Sim, a mulher precisa ter boa acolhida quando busca a polícia, e a proposta da Delegacia da Mulher é justamente esta, foi para isso que ela foi criada. O que eu vi, quando estive lá acompanhando amigas, e o que soube de outras mulheres que também estiveram, é que o atendimento é mais humanizado e repeitoso que nas delegacias comuns, onde o descaso e o desrespeito realmente fazem com que a mulher agredida se sinta mais agredida ainda. Abraços!
ResponderExcluirFernanda,
ResponderExcluirMas eu estou dizendo do tratamento da Delegacia da Mulher mesmo. Estive lá por duas vezes, à beira do deasespero e não tive coragem de registrar a queixa por não ter me sentido segura. E fui recebida por uma mulher que me tratou com a maior displicência, ignorando toda a minha angústia. Só na terceira vez que estive lá, e tive a oportunidade de conversar diretamente com a Delegada é que tive o tratamento que esperava da Delegacia da Mulher e a solução imediata do meu problema. Isso não acontece só com as mulheres de classe menos favoreceida, voce sabe disso.
Gostaria de registrar toda a minha admiração por você, pela sua sensibilidade e pela forma com que se expressa que toca no fundo da nossa alma e arranca, às vezes, a nossa mais íntima lágrima.
Assim como você, também sou mineira e eu, quando leio seus textos, chego até a senti o cheiro de um bom cafezinho.
Tudo de bom para você neste ano, que Deus continue te iluminando.
É, é de se lamentar que isso ocorra na Delegacia da Mulher. O problema é que falta educação, conscientização e solidariedade entre as mulheres, e creio que esta falta seja mesmo universal. Ainda estamos aprendendo a valorizar e defender nosso gênero, o que dá margem a este tipo de acontecimento. Quero agradecer suas palavras tão carinhosas, elas me deixaram muito, muito feliz! Te desejo felicidades, também, neste ano. Espero suas visitas e, quem sabe, você me diz o seu nome?
ResponderExcluirEu sou a Mercedes.
ExcluirBeijos