quarta-feira, 26 de setembro de 2012

Dez minutos, e nada mais...

No balcão da loja de tecidos, enquanto escolho a estampa para um vestido novo de verão, o velho conhecido, dono do estabelecimento, se aproxima de repente.

-- Você sabe o que é a vida?
Nooooossa, esta me pegou de chofre...
-- Pergunta muito profunda para uma terça-feira ao meio-dia, e assim de repente, “seu” Nilo.
Ainda tentei arriscar uma resposta satisfatória:
-- Consciência tranquila?
Ele sorriu, com ar de cantor de tango:
-- Dez minutos. Dez minutos e nada mais.
Eu e o vendedor trocamos um olhar cúmplice, daqueles que dizem “ok, entendi...”, e continuamos parados ali, esperando que o homem prosseguisse. (Quem sai com um papo desses tão inesperadamente só pode mesmo é estar precisando, com urgência, falar com alguém).
-- Vou fazer 80 anos dia 11.
-- Vai comemorar?
-- Sozinho.
-- Sozinho como?
Ele tentou “armar” um sorriso de quem está por cima da carne seca, mas certas coisas são impossíveis de disfarçar.
-- Minha namorada me deixou. Disse que estou velho. Me trocou por um jovem.
Fui prática:
-- Não vale a pena chorar por causa dela.
-- Me deixou depois de vinte anos!
Tentei novamente:
-- O senhor dança? É pé-de valsa?
Ele misturou as estações:
-- Eu não estou chorando. Sou bom de bolero. Ela disse que sou o melhor homem que já conheceu na vida, que me adora, mas vai fazer o quê? Se apaixonou por este rapaz...
-- Quantos anos ela tem?
- 66.
-- E o rapaz?
-- 50.
Suspirei.
-- “Seu” Nilo, vamos para a seresta. Deve ter um clube de seresta aqui em Copacabana. Eu vou com o senhor. Olha, não estou te paquerando, sou mulher casada, mas vou com o senhor na primeira vez: aí o senhor faz uns amigos...
Ele me cortou:
-- Amigas.
-- Tá bom, o senhor faz umas amigas, mas aproveita e faz uns amigos também, porque é sempre bom...
Os quatro vendedores prestavam a maior atenção na conversa e um deles, rapaz de vinte e pouquíssimos anos, entrou no papo:
-- Na Rocinha tem! Todo domingo por volta das sete.
Fiquei animada:
-- V´ambora pra Rocinha, "seu" Nilo, agora tá pacificada!
Olhei o rapaz:
-- Toca bolero?
-- Ah, é seresta, toca funk!
"Seu" Nilo não deu atenção, em vez disso tocou de leve a minha mão:
-- Você é casada, não é?
-- Sou.
-- Mas eu vou mesmo assim te convidar para um almoço no melhor restaurante do Rio: comida maravilhosa! Tem tudo! Tem peixe, tem carnes, tem massas... fica ali na Siqueira Campos.
-- Não, “seu” Nilo, nós vamos na seresta. Aí o senhor arranja uma namorada nova e leva pra almoçar na Siqueira Campos...
-- E pensar que eu gostei tanto daquela mulher... comprei um conjunto de safiras pra ela. Tá lá em casa, não cheguei a dar. Vou dar pra você.
-- Prefiro um corte de linho, que aliás o senhor está vendendo muito caro, viu, “seu” Nilo? Tem que dar um jeito de baixar este preço porque assim não dá! Por falar nisso, me dá um desconto aí porque eu vivo aqui nesta loja...
-- Não posso te dar o conjunto de safiras?
-- “Seu” Nilo, para com esse papo de safiras porque vai fazer fila aí na porta, de gente querendo bancar a Cinderela pro senhor...
Eu já estava na soleira da loja, dando tchauzinho e prometendo encontrar um salão de baile da Terceira Idade quando ele deu o golpe fatal:
-- Posso dizer uma coisa? Você é muito bonita! Mulherão!
Lembrei da minha tia Leleia e do “seu” Frota, o vendedor de tecidos amigo da família... e depois pensei que o tempo passa, mas a nossa natureza permanece intocada pelo peso da idade: os 80 anos não são nada para o verdadeiro sedutor.
Já do lado de fora da loja, eu sorri para ele:
-- O senhor está me cantando, “seu” Nilo?
E já estava longe quando o ouvi responder:
-- Dez minutos, minha querida! A vida é dez minutos e nada mais...

 

9 comentários:

  1. O bom das coisas é saber por exemplo, com quem se está lidando. Você Fernanda, é contundente demais, chega as raias do gol como um artilheiro do tipo Romário. (Sempre admirei o Romário jogador de futebol). Quando você convidou o "Caixeiro Viajante" para uma seresta, ele, que já estava rendido aos seus encantos, seu poder de clarear os caminhos das pedras com precisão milimétrica. Com isto, não deixou opção ao homenzinho... Apaixonou-se e, melhor, esqueceu-se daquela ingrata que o abandonou e você, arranjou foi um encosto.

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    1. Apaixonou-se nada, Alfredo! Ele é um sedutor... e foi isso que eu achei tão legal: a gente é mesmo o que é... não tem jeito!

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    2. Como a sexualidade masculina está mais diretamente ligada ao hormônio do prazer: testosterona, e sendo mais visual (o órgão sexual masculino poderoso é a visão), este senhorzinho parece-me bem saudável, animadinho e pertinente, ao "cantar" esta bela dona, de maneira tão elegante e respeitosa.

      Olha o que encontrei, queriDannemann:

      A atividade sexual humana depende das características físicas, psicológicas, culturais e biográficas do indivíduo,e do contexto sócio-cultural onde se insere o idoso.

      A idéia de que as pessoas de idade avançada também possam manter relações sexuais não é culturalmente muito aceita, preferindo-se ignorar e fazer desaparecer do imaginário coletivo a sexualidade da pessoa idosa.

      Apesar desses tópicos culturais, a velhice conserva a necessidade psicológica de uma atividade sexual continuada, não havendo pois, idade na qual a atividade sexual, os pensamentos sobre sexo ou o desejo acabem.

      Devido ao desconhecimento e à pressão cultural, numerosas pessoas de idade avançada, nas quais ainda é intenso o desejo sexual, experimentam um sentimento de culpa e de vergonha, chegando a crer-se anormais pelo simples fato de se perceberem com vontade do bendito prazer.

      Os idosos se distanciam e esquecem de seu próprio corpo e, tanto quanto ou mais que na infância, a sociedade impõe que a sexualidade deva ser totalmente ignorada na velhice (Limentani, 1995).

      Os estudos médicos demonstram que a maior parte das pessoas de idade avançada é perfeitamente capaz de ter relações sexuais e de sentir prazer nas mesmas atividades que se entregam as pessoas mais jovens.

      Kaiser, em 1996, realizou uma revisão dos diferentes trabalhos publicados até então sobre atividade sexual em pessoas de mais idade. Entre tais estudos sobressai o de Pfeiffer, que encontrou em 95% dos homens com idade entre 46 e 50 anos, uma freqüência semanal de relações sexuais, caindo para 28% nos homens de 66 a 71 anos.

      Outro trabalho descrito na revisão de Kaiser, foi o realizado por Bretschneider. Este autor indicou que 63% dos homens e 30% das mulheres, entre 80 e 102 anos, eram sexualmente ativos. Nesse estudo se verificou que a atividade sexual mais freqüente entre idosos eram a carícias, os toques e, finalmente, o coito.

      Um número que pode causar surpresa é em relação à prática da masturbação; 74% dos homens e 42% das mulheres.

      A tipologia normal da deterioração das funções reprodutivas do homem é muito diferente da que ocorre nas mulheres, já que não existe um término claro e definido da fecundidade masculina. Embora a produção de esperma vai decrescendo a partir dos 40 anos, esta continua ativa até mais de 80 ou 90 anos. A produção de testosterona também declina gradualmente, a partir do 50 anos, sem contudo acabar.

      Tanto os homens quanto as mulheres idosas mais ativas sexualmente, eram pessoas que tinham tido mais parceiros(as) sexuais e maior atividade sexual na juventude . Nieto realizou um estudo cujos resultados parecem também mostrar esta estreita relação entre a atividade sexual presente na velhice e uma sexualidade vigorosa exercida durante a juventude.

      A crença de que a idade e o declinar da atividade sexual estão inexoravelmente unidos tem feito com que não se preste atenção suficiente a uma das atividades que mais contribuem para a qualidade de vida nos idosos, como é a sexualidade.

      É um erro grosseiro confundir envelhecimento com doença

      A sexualidade é uma parte importante da existência humana, em qualquer etapa da vida.

      Na velhice, o interesse ou desejo sexual nos homens se mantém melhor que a atividade sexual, enquanto nas mulheres, existe um declínio em ambos aspectos da sexualidade.

      Ballone GJ, Moura EC - Sexo nos Idosos - in. PsiqWeb, Internet, disponível em www.psiqweb.med.br.
      Santé e axé!!!
      Marcos Lúcio

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    3. O me encantou nesta história toda foi uma coisa muito simples: o dito senhor não queria ter um caso comigo; ele quis apenas exercer sua essência de galanteador. Somos o que somos, e a idade pode até nos limitar em muitos aspectos, mas não nos transforma em outro ser.

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    4. Isto ficou muito claro nas sua bem traçadas linhas...o eterno sedutor/galanteador/paquerador e "taisequais".
      Concordo radical, pletora, ampla, geral e irrestritamente com sua obervação acurada e evidente... para quem tem olhos de ver e ouvidos de ouvir...com realismo.
      Bjsss
      M.L.

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  2. Lembra que escrevi algo como "temos duas idades"? Ele foi o exemplo vivo das minhas palavras. A idade nao tira a nossa essencia apenas modifica o nosso corpo. Ele nao eh uma excecao.
    Vale lembrar, aproveitando o dialogo entre voces, que sera um grande prazer (no bom sentido!) poder sentar num bar qualquer da vida com voce, minha esposa e o seu marido para um papo, quando retornarmos ao Rio (sem data). :-))

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