segunda-feira, 31 de outubro de 2011

Não deixe pra amanhã a felicidade que pode sentir hoje

"Pra comprar este apartamento, eu e meu marido passamos dez anos sem jantar fora, que dirá fazer uma viagem! Durante todo este tempo, não tive nem mesmo uma calcinha nova... foram anos de uma dureza absoluta!".

Minha amiga Simone encheu-se de orgulho ao dizer estas palavras, imaginando que eu fosse quase bater palmas diante de tanta obstinação. Lamentavelmente, pra ela, fiquei em silêncio. Na verdade, fiquei impressionada com os dez anos que eles jogaram fora, em nome de comprar um apartamento que, logo depois de pago, foi onde o marido dela adoeceu e acabou morrendo.

E eles não tiveram mais como jantar fora, viajar ou mesmo comprar uma calcinha nova. História triste.

Por estas e outras, tomo muito cuidado com os planos. Os de curto prazo são os ideais, estão logo ali adiante. E gosto daqueles que a gente bola pra médio prazo, também, porque estão à vista: é quase como se pudéssemos tocá-los, no caso de estender a mão. Possíveis.

Já os planos pra longo prazo, no meu entender, podem ser perigosos: estão distantes demais, e se o nosso senso de realidade falha, acabamos botando no mesmo saco os planos possíveis e os sonhos impossíveis... é que a longo prazo, vale quase tudo. Ou então, fazer como a Simone e o marido, e viver exclusivamente para realizar a "tarefa", alcançar a meta. E esquecer do resto.

É bom fazer planos, eles são uma bússola que aponta o caminho; são também um elixir da persistência, quando a vontade é jogar tudo pro alto. Mas eles não podem ser uma venda nos olhos da gente, cegando-nos diante da paisagem do caminho... não podem fazer de nós miseráveis afetivos ou financeiros, personagens de uma história pobre com final incerto, como se só tivéssemos uma função: chegar “lá”... e todo o resto, portanto, perdesse a importância, pudesse ser deixado para depois.

E se não houver “depois”?

Os prazeres e alegrias são, fique sabendo, verdadeiras dádivas que você recebe: aceite-as. Com responsabilidade e pé no chão, é perfeitamente possível comprar o apartamento e jantar com seu amor numa viagenzinha a dois. (E com uma calcinha nova na mala). È possível, também, passar no vestibular ou no concurso público sem abdicar de uma manhã de sol na praia, de um cinema pra refrescar as idéias, de um domingo em família pra aquecer o coração.

Tudo na vida pode ser um plano a curto, médio ou longo prazo. Menos sentir alegria.



sexta-feira, 28 de outubro de 2011

Rir é a grande dificuldade do mundo adulto

Por que será que uma simples risada é tão difícil para a maioria das pessoas? Ver graça nas coisas, rir de si mesmo, brincar?

 Já reparou?

Eu, por gostar de rir, já fui considerada infantil por muita gente.

E percebi que, em algum momento da nossa existência, o riso torna-se pejorativo, como se ter bom humor fosse sinal de imaturidade, de não levar a vida a sério, de ser irresponsável. Deixar de rir e brincar é como um ritual de passagem para a vida adulta.
Mas desde quando que, para “levar a vida a sério”, a gente precisa ser sisudo, estampar um ar de preocupação no rosto, de preferência andar pela rua olhando para baixo, não perder tempo com coisa tão fútil como uma brincadeira?


Isso me lembra a educação ideal nos tempos da minha avó, quando gargalhar era coisa de gente vulgar, ser feliz em público era falta de educação, demonstrar afeto era quase pecado e – horror! – um arroubo de paixão era a passagem sem escalas para a casa do Cruz Credo!


Sei que diante da multidão de infelizes que há por aí, a alegria alheia arde nos olhos igualzinho a luz na retina da vampirada. O bom-humor ofende, é quase pornográfico, e chega aos ouvidos desse povo com o tom malévolo da ironia, como se fosse um deboche ao seu jeito amargo de vegetar.


Para eles, a alegria é uma afronta: como se estar feliz, hoje em dia, num mundo tão corrupto e mal, fosse displicência, egoísmo ou maluquice.


Pois olha... falta de educação é viver como se a vida fosse um eterno sermão de missa: a seriedade do começo ao fim. Ou um problema de física quântica. Ou um velório, onde tudo é só tristeza e saudade...


O caso é que as pessoas, no decorrer do tempo, se esquecem de rir e de brincar, e acabam acreditando que isso seja coisa da infância. Quando se dão conta, já não sabem mais como é, se esqueceram e precisam mesmo reaprender, fazer o caminho de volta às pequenas alegrias da vida, que são, no fim das contas, as mais importantes.
Se você faz uma brincadeira, elas não entendem e respondem com sua habitual seriedade adulta, e por quê? Uma piada pode virar tese de mestrado ou, na pior das hipóteses, de promotor de justiça. E por quê?


Porque as pessoas levam a vida a sério demais.


O máximo que conseguem é rir dos outros, fazer do próximo um bode expiatório e jogar sobre ele seu sarcasmo... e acreditam, em sua ignorância, que isso seja brincar. Crêem que esse riso, que é de escárnio, seja de alegria. Quando já nem sabem, quase, o que é a alegria.


Cuidado! Não se torne um deles... se tem andado sério demais, agarre-se à lembrança de quando era jovem de alma, e tinha um coração leve e cheio de esperança. De quando seu raciocínio era limpo de julgamentos e de certezas irredutíveis. De quando seu dia era aberto aos novos amigos e aos novos acontecimentos, e rir era tão natural quanto conversar. De quando a diversão era tão simples, que não precisava ser planejada. 


Sua infância passou, mas sua alegria pode ser cultivada e florescer a vida inteira. Isso é ser jovem, o que é bem diferente de ser infantil ou idiota.

quarta-feira, 26 de outubro de 2011

Abra uma conta-corrente no Banco do Universo!

Em recente viagem ao exterior, comprei uma blusa numa loja de alto nível, onde eu e meu marido fomos bem tratados até demais por um séquito de vendedoras e gerentes. Imagine nossa surpresa quando, mais tarde, vi que havia sido enganada: dentro da sacola, a blusa pela qual eu havia pago estava completamente rasgada.... porque a equipe da loja decidiu entregar a peça com defeito para o primeiro turista que por ali passasse.

Não fiquei no prejuízo, claro. Voltei lá pra buscar o que era meu por direito. E tenho certeza que, em minha próxima visita àquele bairro cheio de lojas bacanas, esta boutique não existirá mais.

Não, eu não roguei nenhuma praga. Mas confio plenamente na Lei do Retorno, aquela que diz que tudo o que semeamos será colhido por nós. Sendo assim, não creio que o sucesso vá sorrir ao dito estabelecimento.

Costumo dizer aos amigos que abram uma conta-corrente no Banco do Universo. Sou cliente preferencial desta respeitável instituição há muitos anos, desde que descobri um livrinho interessante sobre o poder do pensamento: “Alegria e Triunfo”. Trata-se de um antigo volume sobre o assunto, talvez um dos primeiros lançados no Brasil.

O livro realmente tem histórias inacreditáveis e sua linguagem é já ultrapassada. Mas a mensagem essencial está ali, atemporal: nossa vida é movida pelos nossos pensamentos.

O que o livro não diz, mas eu digo, é o seguinte: existe uma relação direta entre a sua prosperidade e a maneira como você lida com o dinheiro, inclusive o que não lhe pertence. Impossível ser próspero sem ser honesto e generoso.

Aquele dinheiro que vem a mais no troco não é seu, e ao ficar com ele, você está roubando alguém. Não se iluda, de uma forma ou de outra, acabará pagando de volta, e com juros pelo mau comportamento. O funcionário que você explora, ao pagar mal, também é sua vítima, e terá que ser ressarcido. O trabalho pelo qual você é pago, mas que realiza só pra constar, é outra dívida assumida com o Universo, tanto quanto a ajuda que deixa de dar a alguém porque é um pão-duro que não gosta de gastar.  O mesmo vale para a dificuldade de autogratificação: viver pobre e morrer rico, de modo que algum herdeiro apareça pra curtir um dinheiro que, pra você, só foi motivo de usura e atraso espiritual.

Observe a vida e verá que juntar dinheiro lesando os outros (ou a si mesmo) não traz benefício a ninguém. O ladrão sempre paga no final... se não é em espécie, é com aquela moeda tão valorizada, chamada felicidade.

Por outro lado, se você aceita o que é seu, e respeita também o fato de que nem tudo o que gostaria lhe pertence porque já tem dono, está em dia com o princípio essencial da honestidade. Ao ser correto, creia: estará depositando em sua conta no Banco do Universo, e muitas vezes o que é “merecimento” será realmente um milagre.

Quer ver só? Uma vez estive entre os vencedores de um concurso mundial de poesia na Itália, mas estava numa fase ruim de grana e não tinha como comprar o bilhete para ir à solenidade de premiação. Eu não queria ir só pelo prêmio em euros: queria mesmo era a experiência. Então fiz a reserva do bilhete, que deveria ser pago até a manhã do dia seguinte, e voltei pra casa. No caminho, entreguei a situação nas mãos de Deus e relaxei. Se fosse meu merecimento, alguma coisa aconteceria.

O telegrama chegou em casa antes de mim: já estava lá, me esperando, e avisava que meu advogado já tinha em mãos exatamente a quantia que eu precisava pra viajar, porque um antigo processo trabalhista estava começando a render frutos. Milagre? É assim mesmo que funciona o Banco do Universo. Sacou?

 Não falta tutu pra quem tem conta no Banco do Universo!!!


segunda-feira, 24 de outubro de 2011

O quê, de fato, podemos controlar?

A Paula é aquele tipo de amiga com quem levo altos papos, muitos deles considerados “cabeça” por gente que não gosta de pensar.

Uma das nossas últimas conversas foi sobre a Catarina.

Não conheço a Cata muito bem, mas sei que trata-se de pessoa carinhosa e de natureza leal.

Não fosse ela um pouco temperamental, e dada a rompantes de personalidade que às vezes assustam ou contrariam as pessoas, a Paula não estaria sofrendo. E sofrendo aquela culpa tão típica dos amigos verdadeiros, que se sentem um pouco responsáveis pela felicidade do outro... como se ser amigo fosse também ser um pouco pai ou mãe.

Não acompanho a história de perto, mas parece que a Cata, às vezes, tem dificuldades de relacionamento. E embora seja um doce de pessoa, parece que é aquele tipo que, quando cisma com alguma coisa, não muda de idéia nem por um decreto. Por ser como é, acaba mal interpretada por muita gente, que a considera desagradável e, até mesmo, perigosa.

E a Paula, que gosta tanto dela, sofre. Sofre de chorar, e acabou recorrendo a ajuda profissional para tentar melhorar a situação.

Descobriu que, enquanto a Catarina tem lá as suas dificuldades, ela, por sua vez, necessita ter o controle da situação. Ou, como ela mesma disse, necessita ACREDITAR que tem o controle... porque, lá no fundo, o ser humano sabe que não controla nada nesse mundo: nem as ondas gigantes do mar, nem as placas tectônicas; nem a terra que desliza nas montanhas de Friburgo... nem o próprio coração batendo no peito, ou por quem ele acelera.

Minha amiga descobriu sozinha, e depois me contou, que só há uma coisa que podemos controlar: nós mesmos. E a melhor maneira de fazer isso, é cuidar de como REAGIMOS às atitudes alheias... porque, a partir do momento em que você se deixa levar pelo que quer que seja e não controla suas próprias atitudes, está deixando-se controlar por alguém.

A descoberta da Paula a está ajudando a compreender melhor a natureza da Catarina, e a ser mais feliz em sua amizade: menos culpa, menos necessidade de controle, menos possessividade, menos desejo de fazer a Catarina ser como ela, Paula, quer que seja.

E me ajudou a ver que, ao mesmo tempo em que não devo buscar o controle sobre quem eu amo, devo, por outro lado, tentar controlar a minha natureza: esta é uma boa maneira de exercitar o amor universal, pelos outros e por mim mesma.


 Olha a foto da Cata!

Clica no filminho das minhas amigas, aí abaixo!







sexta-feira, 21 de outubro de 2011

Todos os cães merecem o céu (e um lar na Terra)

Meu marido já me avisou:

-- Se um cachorro entrar pela porta da sala, eu saio pela cozinha!

Minha vida teve lá suas cachorradas: quando nasci, o Hippie já estava lá em casa. Era um pastor-alemão que havia sido treinado pela Polícia Militar, e que sei lá por que cargas d´água, acabou virando amigo fidelíssimo do meu pai por muitos anos. Era uma fera "daquelas", mas com a gente, lá de casa, não cantava de galo. Muito menos de cachorro... era um doce de pastor!

Depois tivemos o Otávio, um dálmata. Pra tirar onda com os amigos do meu irmão, meu pai apelidou o bicho de "Sua Mãe" e, quando a rapaziada chegava, ele sempre provocava, dizendo as palavras bem depressa, de modo que o "no" desaparecesse da frase:

-- Ô menino! Você já deu banho no Sua Mãe hoje?

Então foi a vez do Pedro Emílio, um bace round daqueles beeeeeem compridos, com orelhas que arrastam no chão. O danado vivia fugindo pelo portão e tínhamos que caçá-lo na cidade, o que não era difícil, porque jamais havia existido um espécime daquele naquelas bandas de Minas Gerais. E a meninada da escola pública, quando nos via com cara de caçador e coleira em punho, delatava:

-- O salsicha foi por ali!

Por último, houve o Billy, um rusk siberiano da escola das antigas, de onde veio o Hippie: bravo na rua e carinhosérrimo dentro de casa. Isso, sem falar nos cachorros amigos, como o Mingau, um vira-latas peludo que conheci no Parque Ibirapuera, em São Paulo; a Tiffany, a foférrima cocker spaniel ruiva de uma prima; a Catarina (Cata, para os mais íntimos) que até já estrelou um post aqui no blog... e todos os labradores que já encontrei pelo caminho... e que tive ganas de esconder dentro da bolsa e trazer pra casa.

No entanto, como (ao menos por enquanto) ainda tenho impedimentos para isso, repasso aos amigos do blog a mensagem que recebi hoje. E quem sabe alguém se apaixona por estes órfãos aí abaixo e resolve fazer uma adoção?


NOSSA MÃE FALECEU !!!!
Ela cuidava de nós com muito amor e carinho.
Não há ninguém da família que nos queira.
Há 9 meses aguardamos um lar, senão vamos p/ rua! 
Ajude a gente! 
Divulgue o nosso apelo.
 

Para você, que gosta de cachorro, o link do desenho "Todos os cães merecem o céu". 

Vamos falar de paixão?

Do que confesso

Falar de sexo é bom
com quem se quer deitar
Depois, queimar lençóis com o suor do corpo,
trotar na cama as patas invisíveis
do que há de mais humano em ser um par.

É bom falar, deixar-se ouvir;
amar sonoro que depois persiste
e encerra o sono na vigília dos calores.

Falo por mim:
tua palavra é um faquir...
e entre nós, o espaço, como cãimbra,
é quase dor, é quase mar de dissabores;

E de falar, e de ouvir, de desejar,
de ver no teto a silhueta desta fome,
sou quase tua, mesmo que me tome
a consciência de resvalar no erro

O que me abate é a força bruta do desterro:
ter na lembrança do nariz os teus odores...
guardar palavras no ouvido, vãos sabores,
e o colo aos saltos
a repetir teu nome.

 (Fernanda Dannemann)

quarta-feira, 19 de outubro de 2011

Não basta gostar: tem que saber respeitar!

Uma coisa é certa: a sua mãe te adora. Mas ela te respeita?

Ok, ok. Não vamos botar a mãe no meio da discussão...

Mas aqui cabe a pergunta: pra que servem os amigos? Não... não responda no automático e recorrendo a todos aqueles lugares-comuns que, no fundo, reduzem o sentido maior de amizade a mera bengala, à qual pedimos socorro quando a coisa fica preta.

A amizade é muitíssimo mais que isso, e seu conceito merece muita reflexão. Talvez ela seja muitas coisas; e, certamente, tem diferentes significados para cada um.

Pra mim, a amizade tem a ver, principalmente, com o verbo “respeitar”: quem não respeita, não consegue ser amigo, já que a liberdade é um princípio básico da amizade... a liberdade pra ser quem você é, pra dizer o que você realmente sente ou pensa, pra pedir o que você necessita.

Mas como ser livre se o outro, mesmo te amando muito, não te respeita? Como ser você mesmo, se ele tem expectativas que não podem ser frustradas... e, em nome disso, você acaba tendo que representar um personagem? Ou, pior ainda, em algumas situações você tem mesmo é que engolir o desrespeito pra que ele não fique melindrado ou ofendido?

O amigo de verdade te ama, é certo! E ele também erra, é claro, às vezes desrespeita sem querer... mas é fácil fazer esta avaliação: ele sofre quando isso acontece, e realmente se esforça pra entender o nosso lado. Além (e principalmente) de nunca mais repetir a trapalhada. É fácil ver o seu esforço.

Perdi um amigo por dizer a verdade: ele se ofendeu quando abri o jogo sobre o incômodo que me causava certo comportamento invasivo seu. Antes que o critiquem, eu o defendo: ele era meu amigo, sim, e deve ser até hoje, tanto tempo depois. Mas deixou-se levar pelo orgulho e não aceitou meu desabafo... embora, intimamente, com certeza tenha me dado razão, porque estava invadindo mesmo.

É preciso cuidado com as fronteiras da amizade, porque um simples passo a mais pode levar-nos a caminhos sem volta. Sim, até os amigos mais fiéis têm seus limites, e o erro está em crer que Fulano, por ser seu amigo-irmão, tudo suportará. Quanta, ingenuidade!

Com os amigos de verdade, aprendemos sobre erros e acertos, independente dos rumos que a amizade toma.  Mas uma coisa é certa, creia: onde não há respeito, amizade também não há.

 Amigos de verdade: Calvin e Hobbes, de Bill Watterson


segunda-feira, 17 de outubro de 2011

Quem imaginaria um enterro daquele?

Chegamos ao cemitério para um enterro diferente. A começar pela falta de um caixão, de um corpo frio e das lágrimas torrenciais.

Houve, claro, os olhos tristes de cada um, inclusive do meu sobrinho mais novo, que na ingenuidade dos dez anos, comoveu-se com a tristeza infantil no rosto da mãe, e aprendeu que os órfãos são todos criancinhas: aquela criança pequena que fomos, e que nunca morreu.

Com as duas mãos, “abracei” a caixa azul onde estavam as cinzas. É quase inacreditável pensar que está tudo ali: cada unha, cada cílio, os pulmões, os pés, o rosto do meu pai... tudo já de volta ao pó... e ainda assim, quando fechei os olhos e baixei a cabeça sobre a tampa, por alguns segundos o dia desapareceu, enquanto pensei sentir a energia da sua mão tocando as minhas. Foi como se estivéssemos juntos, fisicamente, mais uma vez.

Será que viajei na maionese?

Seu último pedido, ficar junto do que foi a minha mãe, foi atendido, e senti como se alguma coisa tivesse finalmente chegado ao fim.

Saímos dali todos meio sem destino, porque embora a vida continue, e nos agarremos a ela, às vezes retomar a estrada para seguir adiante é quase um devaneio... nem a gente crê que consegue. O jeito é ir tropeçando.

Com fome e sem apetite naquele fim de tarde, fomos parar num restaurante, e quando nos demos conta, a rodada de pizza corria solta, enquanto as passagens engraçadas do passado nos faziam rir.

Vivemos tantos anos separados pelas estradas da vida e do mundo, e então estávamos lá, mais próximos do que nunca pela mesma história, mais humanizados do que nunca pela mesma dor. Não pude deixar de pensar que meu pai, lá de cima, olhou-nos contente e orgulhoso pelo enterro que teve, onde os bons sentimentos foram mais fortes que tudo.

E eu, nesta família mineira do interiorzão, daquelas que chooooooram a morte enquanto o cortejo fúnebre percorre a cidade, senti que éramos quase orientais naquele dia de enterro e de celebração da vida... esta vida que, tenho fé, continua para todos nós.



Veja também:
 A vida é uma caixinha de surpresas

Vai ter festa no céu 

Como renascem os órfãos?


sexta-feira, 14 de outubro de 2011

Até que nível você está disposto a descer?

-- Jamais se rebaixe ao nível de quem não tem educação. Senão, estará se igualando – ensinou-me meu pai, por toda a vida.

 Quanto mais envelheço, mais me convenço de que as grandes e mais valiosas heranças que os pais podem deixar a seus filhos são os conselhos e os exemplos. Salvo, claro, as exceções, porque há por aí filhos muito mal-parados, que lamentavelmente aprendem em casa o que há de pior... e seguem vida afora pela trilha da estupidez.

Felizmente, os bons são maioria neste mundo de meu Deus. E a civilidade ainda impera, quero crer, no coração dos homens.

O xis da questão é o seguinte: como não estamos aqui para curtir umas férias muito doidas, o universo nos desafia. Somos postos à prova diariamente, para nosso próprio bem  ou, claro, nosso mal... mas isso é uma questão de escolha pessoal, já que nossas atitudes é que desenham o mapa da nossa trajetória.

Neste ponto, recorro novamente ao Marcos Lúcio, leitor e comentarista, que não é mosca morta nem lesma lerda, como ele mesmo disse, em seu comentário do post anterior. O negócio é que ele já entendeu que manter a linha (e, com isso, a paz de espírito) é a prova maior de sua evolução.

Perder a cabeça, como diz o sábio amigo, só vale se for no melhor sentido, e concordo com ele, que tão bem exemplificou: “pela arte, beleza, inteligência, sensibilidade, gentileza, prazer, alteridade, ética, alegria, justiça e bom gosto”.

Ganhar uma batalha? Deveriam bastar-nos nossas batalhas interiores, travadas no campo aberto da nossa evolução. Se posso ser meu maior inimigo, é comigo mesma que devo lutar, e com ninguém mais.

Afinal de contas, gato escaldado sabe pular e já aprendeu que não precisa medir forças com ninguém,  principalmente com os ratos venenosos que saem do esgoto... desesperados por sua própria podridão.


Não vale a pena se rebaixar!


quarta-feira, 12 de outubro de 2011

Pra perder a cabeça, o motivo tem que ser ma-ra-vi-lho-so !!!!

Antes de perder a cabeça, pense bem: não há nada que valha a paz de espírito. Nenhuma ambição que compre a consciência tranquila. Dinheiro algum que compense a felicidade. Nem desejo que faça valer o desespero.

Talvez a tranquilidade seja só uma questão de consciência. De aceitação pura e simples. E deveríamos começar aceitando quem somos.

Mas há uma diferença enooooorme entre aceitar quem você é e acomodar-se a respeito das suas fraquezas: não há desperdício maior na existência do que alguém sentar-se sobre os próprios defeitos e esperar que o mundo se adapte. Não importa se seu motivo é o narcisismo ou a preguiça. O universo não se adaptará, e em resposta lhe dará a solidão.

A aceitação implica humildade, mas ser humilde está cada vez mais difícil e sem valor nesta sociedade consumista em que vivemos, na qual a grife vem valendo mais que a atitude, e as pessoas crêem em felicidade que se compra.

O deslumbramento chega a ser ridículo, já ultrapassou há muito os limites do cafona. Melhor tentar não perder a cabeça na crença de que somos deuses... e aptos a seguir errando vida afora, até dar com os burros n´água. Devemos, sim, é esforçar-nos para lutar contra nossa tendência natural ao erro. Recusar os convites sedutores da vingança, da vaidade, do egoísmo e da estupidez... lutar até o fim pra manter a cabeça em seu lugar.

Nada vale o sono sem tranquilizantes, o dia a dia bem vivido, a certeza de que estamos no caminho certo e de que nossa alegria não depende de nada, só mesmo da paz que temos dentro de nós.

Perder a cabeça? Só se for por paixão! E, assim mesmo, só na hora daquele beijo...

segunda-feira, 10 de outubro de 2011

Mais um poeminha antigo

Fastio
(novembro 2005)

Ai, as lagartixas! Ai, esses insetos!
E a alegria no meu peito é só de restos...

Já faz uns dias invejo até mosquito:
Se mosca eu fosse, saía em revoada.

E esse choro, que em mim é água parada;
E essa dor, que é quase dor de incesto...

Ai, que eu quero a fuga e nem me movo!
E de mim mesma eu corro e só me escondo;
E nesses dias só de nuvem, céu de lodo,
Sou eu que esfrio, que trovejo, eu que chovo!

(Fernanda Dannemann)

domingo, 9 de outubro de 2011

Na volta pra casa, que não aconteceu, conheci mais uma mulher incrível em Buenos Aires

Voltei. E isso me faz lembrar daquela música linda do "meu amigo" Roberto Carlos...

Tudo está igual como era antes
Quase nada se modificou
Acho que só eu mesmo mudei
E voltei...

O caso é o seguinte: à minha aventuresca volta ao Brasil, só faltou mesmo foi o meu cachorro me sorrir latindo. A "novela de Janete Clair" começou logo na quinta-feira à tarde, quando tivemos que descobrir, de táxi, o novo endereço dos escritórios da Aerolíneas Argentinas, porque o que está no site ainda é o antigo. E o taxímetro rodando...

Explico: mineira escaldada, senti cheiro de problemas no ar quando, uma semana antes, meu amigo Marcelo Migliaccio, do blog Rio Acima, teve seu voo cancelado duas vezes pela Aerolíneas em um mesmo dia. E, ao embarcar, finalmente, depois de horas de aeroporto, quase teve que sair do avião por falta de lugar.

Na sexta bem cedinho, com o voo já confirmado, minha cara-metade e eu corremos de um lado para o outro em Buenos Aires, à cata de uma guloseima aqui e outra acolá... somos bons de garfo e tínhamos muito do que nos despedir naquela manhã chuvosa.

Ao chegar ao aeroporto, às 14h, para um voo às 17h, começou a lenga-lenga da Aerolíneas Argentinas: na fila, passageiros do voo das seis da manhã mantinham o otimismo de que sim, algum funcionário apareceria para fazer o check-in. E dá-lhe pizza, samba, fotografia... o brasileiro não perde o bom-humor nem quando é destratado.

Olha, a história é longa e eu a resumo assim: fiquei amiga da dona Lourdes, uma senhora pra lá dos 70 anos e verdadeiro doce de Pernambuco. Conversei com pencas de argentinos que esperavam "su vuelo" para Montevidéo, Rio, Córdoba e sei lá mais onde... quando vi que a coisa ia demorar, tratei logo de me sentar ali mesmo, e relaxar. Fazer o quê?

Enquanto isso, meu marido, que também é ótimo repórter nas horas vagas, foi apurar os fatos: a primeira versão para o acúmulo de milhares de passageiros (dos mais de 60 voos cancelados pela Aerolíneas) foi a chuva forte. Mas como as outras companhias aéreas continuavam operando, veio a segunda versão: logo cedo, um passageiro teria dado uma bifa em um dos funcionários (justamente por causa de atrasos e cancelamentos) e, com isso, e sindicato teria retirado todo o corpo da Aerolíneas do aeroporto.

Durante o dia inteiro, imaginei o pior: aquilo era uma greve... 

Embora o número de passageiros só aumentasse no pequeno Aeroparque, NINGUÉM apareceu para uma explicação. Os voos eram cancelados seguidamente e o aviso, baixíssimo e incomopreensível, pelas caixas de som, dizia que os prejudicados procurassem um escritório da empresa para tentar remarcar seu voo. Diante daquele horror, meu marido questionava:

-- Como será que as empresas europeias lidaram com a crise do vulcão islandês, ano passado? Será que também deixaram os passageiros ao  léu, sem informação nenhuma, sem consideração ou um mínimo de respeito ao consumidor?

Às 21h30, finalmente, rolou o rebuliço: um funcionário, com megafone na mão, deu as caras à multidão e admitiu... nenhum avião tiraria suas rodinhas do chão. E veio a terceira versão: era greve mesmo.

Como não sou boba, tratei logo de correr à Gol e comprar dois bilhetes (que saíram mais caro que ida e volta pela Aerolíneas) para um voo na manhã seguinte. Muita gente teve a mesma ideia e imagino que a Gol faturou alto nesta noite.

De volta ao hotel, tivemos que implorar ao recepcionista que nos alugasse um quarto: o hotel estava lotado justamente por causa da greve da Aerolíneas... que, aliás, no dia seguinte, não mereceu nem mesmo um espaço em pé de página do Clarín, onde reinava absoluta, na capa, a vitória da seleção argentina sobre o Chile.

E então, como nada é por acaso, aconteceu o grande lance imprevisível de toda esta epopéia: enquanto meu marido negociava um quarto que nem mesmo havia sido arrumado pelas camareiras, resolvi atravessar o restaurante para ir ao banheiro. Foi quando a vi... tão simples, na última mesa, tomando uma sopa.

Passei por ela e, na volta, guardei a vergonha na bolsa e parei em sua mesa.

-- Marina, me desculpa, mas não resisti e vim aqui falar com você...

A ex-ministra conversou comigo por uns minutos, enquanto deu autógrafos a duas ou três meninas brasileiras que apareceram ali.

Senti que não tinha mais nem um pingo do cansaço daquele dia inteiro e saí com meu marido para "matar" uma pizza, mas acabamos num restaurante mexicano. Então, ao pensar em Marina Silva, concluí que, realmente, muitas vezes a vida nos diz "não" aqui... porque nos reserva um presente bem ali adiante.

Meu cinegrafista de plantão registrou a bagunça no Aeroparque. Clique para ver!

quinta-feira, 6 de outubro de 2011

"O tempo nos destròi por fora e nos constròi por dentro"

Hoje conheci duas mulheres incrìveis: Tita Merello e Nacha Guevara. Atrizes talentosas e apaixonadas, me levaram por uma viagem emocionante atravès do tempo e de uma Buenos Aires que eu náo conhecia, onde a boemia da Avenida Corrientes colore com màgica tudo o que os olhos vêem. Ao final de duas horas e meia de um musical de primeirìssima linha, com roteiro, figurino, coreografias, vozes e orquestra irretocàveis, senti-me agraciada pela emoçáo da noite.

È incrìvel como o teatro, quando è bom, pode mexer com a gente. Incrìvel como os atores abrem caminho para chegar ao coraçáo da plateia, e conseguem puxar o fio dos sentimentos... para alcançar a grande vitòria da arte: mudar alguma coisa pra melhor, nem que seja no peito de um sò espectador. Eu, pelo menos, saì do Teatro Metropolitan com meu coraçáozinho voador em plena atividade... batendo as asas!

Tita Merello nasceu em 1904 e faleceu aos 98 anos, depois de uma carreira de sucesso no cinema argentino, de uma paixáo insuperàvel e de triste fim, e de recolher-se ao isolamento em seus ùltimos anos. Geniosa, sofrida e vivìssima por natureza, foi uma mulher à frente do seu tempo: náo teve medo de ser feliz nem de ser triste.

Nacha Guevara, reconhecidìssima na Argentina atual, náo fica atràs: tem mais de 40 anos de carreira, jà viveu e trabalhou em diversos paìses e, tanto quanto Tita, náo teme dizer o que pensa ou defender suas ideias. Por isso mesmo, precisou exilar-se no exterior durante a ditadura. Ao voltar, foi recebida de braços abertos pelo pùblico, que náo a esqueceu.

Da plateia, entendi o motivo. Nacha "arrebenta" ao apresentar-nos Tita Merello, que por sua vez confidencia jamais ter estudado artes dramàticas: "o que aprendi sobre o drama foi na Avenida Corrientes, quando passei fome e náo tinha onde viver".

Ao final, jà velhinha, Tita me deu a ùltima liçáo da noite:

-- O tempo nos destròi por fora e nos constròi por dentro.

Meu coraçáo se apertou e meus olhos se encheram de novo: foi de emoçáo que chorei desta vez.


Nacha recebe flores e o aplauso da plateia, ao fim de duas horas e  meia como Tita

Veja um trecho do musical no link abaixo:
Tita, una vida en tiempo de tango

terça-feira, 4 de outubro de 2011

Três palhaços em Buenos Aires

Conheci o Ricardo em 2006, quando ainda morava na capital portenha e costumava passear em San Isidro, bairro afastado da cidade, que nos fins de semana tem uma feira de artesanato na praça da Igreja Matriz.

O simpàtico senhor estava sempre là, em sua barraca de brinquedos educativos feitos a máo, por ele pròprio. Um dia náo resisti e comprei um palhacinho acrobata, que fica na estante do escritòrio, e a quem, claro, batizei Ricardinho. Que outro nome poderia ser melhor?

Quando alguma amiga ficava "embarazada", eu corria ao artesáo pra tratar logo de comprar um presente para o bebê... Atè que um dia, em vez de encontrar là o meu amigo, quem me atendeu foi a neta dele, a explicar a causa de sua ausência: um AVC.

A notìcia entristeceu o domingo, e mandei por ela um recado: rezaria por ele.

E rezei mesmo, sem saber se deveria pedir por sua melhora ou por sua alma no cèu.

Os anos passaram e o Ricardinho, de cima da estante, seguiu lembrando-me o amigo argentino, que imaginei morador de outras esferas.

Eis que voltei a San Isidro, domingo ùltimo, e jà suspirando pela falta que me faria a melhor barraquinha da feira. Mas como podem ser boas as surpresas da vida! Ao meu aproximar da praça, levei um susto: a barraca estava là, e os brinquedos, coloridos, refletiam o dia de sol. "Deve ser a neta", pensei. Mas náo era! Estava là o Ricardo, vivinho da Silva, e pronto para uma foto e um abraço feliz.

E dormi contente esta noite, pensando o quanto pode ser boa uma verdadeira palhaçada!



-- Seráo dois palhaços no retrato -- falou baixinho
-- Três! -- respondi

domingo, 2 de outubro de 2011

Entrei no bololô só pra gritar

Estava andando pela rua e de repente dei de cara com a pequena multidáo: centenas de garotas gritavam, histéricas, diante de um hotel de luxo. Foi quando meu marido, que também é minha "catapulta de maluquices", deu a ideia:

-- Vai lá e aproveita pra gritar junto com elas! Ninguém vai achar que vocé é doida...

Até agora náo sei se falou sério, mas o fato é que náo precisou repetir. Me enfiei no meio delas, enchi o peito e mandei ver no gogó.

-- Aaaaaaaaahhhhhhhhh !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

As meninas mais próximas náo entenderam nada, e muito menos quando perguntei por que é que elas gritavam tanto, afinal. Era por causa do Nick, claro! O cantante americano que faz dupla com o irmáo. E se eu náo sabia, o que estava fazendo ali? Sem a ilusáo de que me entenderiam, expliquei que economizava o dinheiro da psicanálise, e vi que, ao contrário do que me disse minha cara-metade, teve gente que me achou maluca, sim.

Náo importa: depois de meia-dúzia de berros, exausta, rouca e com o peito leve, pendurei minha alma no varal. Aliás, me dá licença que vou ver se ela já secou...

Me procura aì no meio delas...