sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

"Alô, posso falar com o Roberto?"

Triiiimmmmm !!!!

-- Alô?
-- Por favor, a Fernanda?

Meu pai achou estranha aquela voz masculina madura, e bancou o detetive:

-- Quem quer falar?
-- É o Fulano de Tal.

Ao ouvir o nome daquele famoso jornalista, titular de antiga coluna social no jornal mais importante do país, meu pai não titubeou e a resposta veio instantânea, antes que ele batesse o telefone na cara do interlocutor, para encerrar de vez aquele trote:

-- Ah é, è? E aqui é o Mustafá das Arábias.

Minha mãe veio correndo:
-- Ela trabalha com ele!!!!!!!!!!!

No dia seguinte, meu chefe veio dizer que na minha casa só tinha doido. E o pior é que eu não pude nem falar nada, porque o Fulano de Tal jamais entenderia que, para o meu pai, aquele universo de coluna social era tão distante do nosso dia a dia, quanto o Mustafá das Arábias que ele disse ser, ao telefone.

Minha carreira de colunista social não foi muito longe, durou poucos meses como “foca”, ou seja, estagiária de jornalismo na equipe daquele grande nome da imprensa brasileira. O chefe, que tinha o hábito de fazer cocô no bidê, dizendo que lá no Primeiro Mundo era assim, e que vaso sanitário é coisa de povo atrasado, chegava sempre muito elegante, de chapéu e roupas de linho, mas seu temperamento autoritário e sem-educação me desestimulou desde o primeiro dia... ainda assim eu tentei, juro que tentei... sabia que aquele emprego poderia me abrir portas para  ótimas oportunidades.

-- Liga aí para o Roberto Marinho, que eu preciso falar com ele. Pega o número no caderninho.

O velho jornalista tinha um jeito tão imperativo de falar, que para mim era difícil demais fazer qualquer coisa. Sempre tive problemas com autoridade, quem não sabe? Nervosa, por sua presença, e pelo desejo de fazer tudo direitinho, demorei pra encontrar o número, mas finalmente a secretária atendeu. E eu me apressei:

-- Alô? Por favor, o Roberto?

Eis que Fulano de Tal deu um salto mortal e se aproximou de mim a tempo de desligar o telefone, antes que eu dissesse qualquer outra coisa. Imagina o susto que eu tomei.

-- “Roberto”?! O homem é DOUTOR Roberto Marinho para o mundo inteiro, mas pra você, a foca mais importante do planeta, ele é só o “Roberto” !!! Tá maluca, minha filha? Quer me matar?!

Paralisei. E eu lá sabia que tinha que chamar o homem de “doutor”?!

-- Faz o seguinte: liga aí para o Alessandro Porro. Deixa o “Roberto” pra lá.

-- Alessandro quem?

-- Porro ! Porro mesmo, marido da porra! Liga logo porque eu não tenho o dia inteiro!

Do fundo de toda a minha ignorância, brotou em mim a certeza de que ele estava de sacanagem. Na certa tinha inventado aquele nome só pra me ver procurar o número, nervosamente, no caderninho. Mas não é que achei? O cara existia mesmo, pra minha enorme surpresa. Pelo sim, pelo não, falei insegura com a secretária, diminuindo o tom de voz no decorrer do nome:

-- Por favor, o Alessandro Porro ?

E eis que a jornalista minha colega, que escrevia a coluna praticamente inteira, saiu de férias, e um substituto “experiente” foi posto em seu lugar. Depois de quatro semanas fazendo tudo sozinha, porque o tal substituto  fingia que trabalhava e jogava tudo em cima da “foca”, metade de mim era puro orgulho, e a outra metade estava à beira da exaustão.

Eu tinha meia-dúzia de contatos para os quais ligava, diariamente: foi assim, por exemplo, que conheci o Ivo Pintaguy, o Mariozinho Oliveira e o Fernando Sabino, todos gente finíssima. Lembro de um cientista que gostava de tirar onda com a minha credulidade:

-- Fernanda, publica a nova pesquisa que o Instituto Oswaldo Cruz está fazendo: as correntes marítimas são influenciadas pelo movimento dos bigodes dos camarões!

-- Jura?! Mas que coisa interessante! Incrível! O Fulano de Tal vai adoraaaaar !!!

-- Fernanda, minha fofa, o Fulano de Tal vai é te demitir. Não tá vendo que é piada?!

O fato é que, apesar de toda a minha dedicação, reconhecimento do chefe, que era bom, nada: ele continuava me tratando com a mesma autoridade exagerada de sempre, o que, para mim, foi ficando cada vez mais insuportável.

A coisa chegou ao clímax no dia em que saí do banheiro enxugando as mãos com a toalhinha de rosto que ficava pendurada ao lado da pia, e minha colega, que já havia voltado das férias, se surpreendeu:

-- Fernanda, esqueci de dizer pra não enxugar as mãos com esta toalha, que o Fulano de Tal usa como papel higiênico!

E foi assim que a minha carreira de colunista social escorreu ralo abaixo. Saí pela rua desempregada, mas leve. E aprendi que, na vida, há sempre um limite para o sacrifício.

7 comentários:

  1. Fernanda,sabe aquele dito popular,vivendo e aprendendo? Pois é. Eu tenho uma certa intimidade com a "porra," e confesso que não sabia que a dita cuja é casada... Bjs.

    Monica.

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  2. Tá vendo, Monica? Coluna social também é cultura... bjs!

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  3. Fernanda,

    Mais que colunista mais sem educacao ......

    O fato dele usar o bide como vaso sanitario e ainda achar chic ......e dizer que vazo nao deveria existir ...... eu nasci numa casa que tinha os dois, um do lado do outro ...... .....

    Isso me fez lembrar da pessoa que sem querer bebeu a lavanda, em vez de limpar as pontas dos dedos .....isso nao foi nada em comparacao ao que este colunista fazia.......um grosso.

    Lembrei de um filme cujo nome e: The Cat's Meow" com Kristen Dunst, retrata a epoca dos 30 in Hollywood , the gold age .... mostrando Charlie Chapplin no comeco da carreira, a estoria
    acontece num Yacht de um produtor famoso.....e entre eles uma colunista que queria ser famosa .....e no filme acontece um assassinato e ela presencia..... encurtando a estoria, ela chantagia o produtor de um jeito que ela fica sendo a colunista mais poderosa por mais de 30 anos.....interessante nao ........

    Felicidades,

    Gilda Bose

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  4. Gilda, esta história da lavanda é ótima! Quanto ao filme, não conheço não, mas vou ver se encontro, porque fiquei curiosa. Abraços!

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  5. Acredito e não tenho motivos, ainda, para duvidar...que na vida há limite para tuuuuuuuuuuudo, inclusive para ela mesma que possui prazo de validade, a despeito do que pensamos, não é mesmo, queriDannemann?

    Para o sacrifício, então, se não temos o devaneio judaico-cristão da culpa, ou de ter de carregar a cruz(cruzes!!), ou se não somos masoquistas, logo nos primeiros sinais de desconforto físico ou existencial...tratemos de juntar nossos "trens" para estabelecermo-nos em outras paragens...os incomodados têm de mudar, pois quem fica parado é poste e ainda leva mijada de cachorro kkkk.

    A evidência dos limites está em quase tudo, se amadurecidos estamos (impossível antes dos 40 anos e esta idade também não garante...amadurecer é um propósito e um eterno aprendizado e não algo espontâneo ou inevitável...ainda não desisti do amadurecimento, mas periga apodrecer antes kkkk).

    Para começar, se não acontecer algo de extraordinário...o tamanho que adquirimos (peso é outra coisa), a cor da nossa pele, dos olhos, nosso tipo sanguíneo, nosso sexo, nossa sexualidade, a duração da nossa existência e otras cositas nás...tudo está limitado e não adianta tentar rabiscar o que Deus risca. O preço a se pagar por tentar ultrapassar os limites é altíssimo, e as consequências deste equivocado comportamento desmedido são, evidentemente, lamentáveis, para não falar de estupidez. Se não endendemos que a natureza deve ter um propósito cósmico, nossos propósitos estão longe de sê-los...são meras fantasias ou ilusões.

    Até o limite do nosso mundo denota ou evidencia o limite da nossa linguagem, parafraseando esta genial sacada do idem Ludwig Wittgeinstein, não é mesmo?

    Para nossa sorte, o infinito é nada perto da nossa ilimitada e inesgotável capacidade de imaginar, principalmente se tivermos um "cadim" de inteligência.

    Porém, insisto e não desisto... o limite do nosso voo está condicionado à resistência das nossas asas ou ao cuidado que dedicamos às nossas penas.

    Santé e axé!!!
    Marcos Lúcio

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  6. EstiMarcos... é por estas e outras que cuido muito bem das minhas penas! Bjs!

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  7. Mauro Pires de Amorim.
    Penso que há "males" que vem para o bem.
    Perder o emprego nunca é agradável, principalmente para quem não nasceu em berço de ouro. Mas por outro lado, jogar o esforço de formação e dedicação de quem luta para construír uma carreira séria, honrada, para aturar frivolidades e excentricidades de chefes hedonistas, é melhor mesmo ficar desempregado(a) e procurar outra alternativa mais afeita com as reais metas profissionais, deixando o antigo posto de trabalho vago, que provavelmente, será ocupado por alguém muito necessitado(a) e que submetera-se às humilhações, explorações e constrangimentos. Ou então, por alguém igualmente frívolo(a), excêntrico(a) e hedonista, que na verdade, foi à faculdade muito mais para comer e beber merenda, do que estudar, pensar na carreira, e que após formado(a), conta com o q.i.(quem indica) de favorecimentos, geralmente de parentesco, onde, as reais leis de concorrência e competência do mercado não são levadas à sério, para conseguir alguma "bocada" empregatícia. Por incrível que pareça, mesmo na iniciativa privada, existem empresas, onde tal critério de favorecimento, para indicação aos cargos, vigoram. Tudo bem, uma vez que trata-se da gestão e conceito privado de empresas particulares. Mas o cinismo, é que, essas mesmas empresas, que admitem funcionários usando tal critério de favorecimentos, publicamente, discursam exaltando as leis de avaliação, formação e concorrência do mercado. Passando a falsa sensação, para quem não conhece suas reais mentalidades de gestão e condução dos negócios, de que, quem está desempregado, é porque, é profissional incompetente ou mau formado, ou ainda, não se esforça para conseguir um emprego.
    Felicidades e boas energias.

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