Aprender sobre a empatia faz parte da educação: foi mais ou menos a partir dos meus oito anos que minha mãe e a Teresa, minha irmã, juntavam roupas, lençóis, comida e brinquedos e íamos passar o dia na casa do Vicente. Para mim, e para minhas outras irmãs, pouco mais velhas, era uma festa!
O Vicente era um pedreiro e pintor de paredes que vivia com a mulher e nove filhas num casebre, lá na cidadezinha do interior de Minas, numa rua de terra batida e muitas árvores. Lembro que era uma casa branca por fora e escura por dentro, de cômodos pequenos e com um odor peculiar que até hoje minha memória olfativa mantém guardado.
Lembro que a filha mais velha, a Cida, tinha olhos azuis e tranças compridas muito louras. Ela era doente mental, mas ria e balbuciava palavras enquanto nos abraçava. E lembro de uma das mais novas, a Solange, que eu gostava de fazer de boneca. Havia um bebezinho e todas as outras meninas, cujos nomes se perderam na minha lembrança.
As visitas eram sempre em dias de sol, quando a Teresa nos levava para debaixo de uma mangueira e nos contava histórias de princesas, inventadas na hora. Brincávamos no quintal a tarde inteira, correndo em meio às galinhas e aos cachorros magrinhos e mansos. Lembro da alegria da mulher do Vicente, e dele próprio, que sorriam benevolentes, com um olhar de gratidão quase infantil.
Eu era criança, e mesmo sem entender muito bem as coisas, me comovia com aquilo. Ao fim do dia, quando íamos embora, sentia sempre uma alegria meio triste, que não entendia bem. Precisei de alguns anos para entender que o que eu sentia na hora da despedida era compaixão.
Foi assim que minha mãe nos ensinou sobre a generosidade, enquanto a Teresa falava que a visita era tão importante quanto os donativos, talvez até mais.
Um dia me mudei da cidadezinha, cresci e nunca mais vi aquela família, embora jamais tenha me esquecido daqueles dias que ficaram em minha memória como imagens mágicas, com uma luz dourada de infância.
Eu já estava com mais de trinta anos quando voltei à cidade. E enquanto subia uma ladeira, alguém gritou meu nome. Era um homem velho, de chapéu de palha, sentado sozinho no banco da praça.
-- Vicente! – gritei, como se encontrasse alguém de outro mundo.
E ali, naquele fim de tarde, voltamos àqueles dias tão vivos, enquanto pude rever, nos olhos dele, a mesma gratidão infantil do passado. A mesma gratidão infantil que boiou também nos meus olhos, quando nos reconhecemos amigos que o tempo não afastou.
O Vicente era um pedreiro e pintor de paredes que vivia com a mulher e nove filhas num casebre, lá na cidadezinha do interior de Minas, numa rua de terra batida e muitas árvores. Lembro que era uma casa branca por fora e escura por dentro, de cômodos pequenos e com um odor peculiar que até hoje minha memória olfativa mantém guardado.
Lembro que a filha mais velha, a Cida, tinha olhos azuis e tranças compridas muito louras. Ela era doente mental, mas ria e balbuciava palavras enquanto nos abraçava. E lembro de uma das mais novas, a Solange, que eu gostava de fazer de boneca. Havia um bebezinho e todas as outras meninas, cujos nomes se perderam na minha lembrança.
As visitas eram sempre em dias de sol, quando a Teresa nos levava para debaixo de uma mangueira e nos contava histórias de princesas, inventadas na hora. Brincávamos no quintal a tarde inteira, correndo em meio às galinhas e aos cachorros magrinhos e mansos. Lembro da alegria da mulher do Vicente, e dele próprio, que sorriam benevolentes, com um olhar de gratidão quase infantil.
Eu era criança, e mesmo sem entender muito bem as coisas, me comovia com aquilo. Ao fim do dia, quando íamos embora, sentia sempre uma alegria meio triste, que não entendia bem. Precisei de alguns anos para entender que o que eu sentia na hora da despedida era compaixão.
Foi assim que minha mãe nos ensinou sobre a generosidade, enquanto a Teresa falava que a visita era tão importante quanto os donativos, talvez até mais.
Um dia me mudei da cidadezinha, cresci e nunca mais vi aquela família, embora jamais tenha me esquecido daqueles dias que ficaram em minha memória como imagens mágicas, com uma luz dourada de infância.
Eu já estava com mais de trinta anos quando voltei à cidade. E enquanto subia uma ladeira, alguém gritou meu nome. Era um homem velho, de chapéu de palha, sentado sozinho no banco da praça.
-- Vicente! – gritei, como se encontrasse alguém de outro mundo.
E ali, naquele fim de tarde, voltamos àqueles dias tão vivos, enquanto pude rever, nos olhos dele, a mesma gratidão infantil do passado. A mesma gratidão infantil que boiou também nos meus olhos, quando nos reconhecemos amigos que o tempo não afastou.
Belo e comovente relato, queriDannemann. Instigou-me a explorar o tema.O latim generosus designa o homem ou animal que é de boa raça. Portanto, «generoso» é antes de tudo aquele que é de raça nobre e, no sentido figurado ou moral, aquele que demonstra grandeza de alma.
ResponderExcluirEm geral, temos muito apego, somos mesquinhos: ficamos com o maior e o melhor e damos para os outros somente o que não queremos mais. Por isso, sempre nos sentimos pobres e insatisfeitos. E sempre tememos perder o que temos. É para quebrar esses hábitos destrutivos causados pelo apego, que fazemos a prática das oferendas.
Segundo a filosofia budista existem quatro formas de generosidade:
- Partilhar os ensinamentos que geram paz interior da forma adequada à mente e à cultura das pessoas, sem esperar pagamento ou recompensa.
- Oferecer coisas materiais, como nosso corpo e nossos recursos.
- Oferecer proteção, consolo e coragem. Podemos proteger os outros de perigos de outros humanos, de não-humanos e dos elementos.
- Oferecer amor (oferecer incondicionalmente aos outros nosso tempo, apoio emocional, energia positiva e boas vibrações).
Segundo a psicóloga Bel César, existe um limite para a generosidade, já que, em termos concretos, não podemos oferecer tudo. No entanto, internamente, devemos, sem hesitação, estar sempre abertos a doar. Nós temos sempre algo para oferecer aos outros, mesmo que estejamos nos sentindo carentes.
A generosidade é o antídoto da avareza e uma prática do desapego, algo fundamental para a maturidade. É o melhor investimento contra a pobreza emocional e material futura. Por meio da generosidade nos abrimos para a vida, perdemos o medo de nos comunicar.
Desenvolver a habilidade de sermos generosos é um ato de grande auto-estima, pois
A generosidade é filha do amor que, desligado de pré-conceitos e de interesses ocultos, abre as portas de nosso coração para que nos comuniquemos com o outro, de um modo mais solto, mais fácil e aberto.
A generosidade é irmã da amizade que une e solidariza os homens, possibilitando o ultrapassar de suspeitas e de distâncias sociais, sexistas, religiosas e raciais.
As seis Paramitas budistas, são meios muito concretos para cruzarmos o mar de sofrimento rumo à margem da liberdade do apego, raiva, inveja, desespero e ilusão.
Através do cultivo e do aperfeiçoamento destas seis maneiras de ser, podemos atingir a outra margem rapidamente - para cruzar o mar de sofrimento e chegar na margem do bem estar.Se soubermos como cultivar e manifestar estas seis qualidades, poderemos cruzar esse mar aqui e agora.
A primeira Paramita, a primeira porta da ação é Dana , doação e generosidade. A segunda porta da ação é Shila , os preceitos, os treinamentos da plena consciência, as linhas gerais do comportamento ético. A terceira porta é Kshanti, inclusividade que a tudo abraça. A quarta porta da ação é Virya, diligência, energia, esforço e firmeza na prática. A quinta é Dhyana, meditação, a prática de parar, acalmar-se e olhar profundamente. E a sexta é Prajña, sabedoria e compreensão.
Quando conseguimos ser generosos com alguém, estados mentais positivos se instalam, e nos enriquecem por nos conduzirem a uma melhor saúde mental e à sensação de felicidade.
Forte abraço
Marcos Lúcio
EstiMarcos, acho que você virou budista, porque está muito por dentro do assunto... inté breve!
ExcluirComo disse o Eduardo Galeano, "somos las historias que vivimos".
ResponderExcluirObrigado por partilhar conosco mais esta história que era só da sua vida e agora um pedaço dela é da nossa também.
André - Rio
André!!! Quem é vivo sempre aparece! Por que é que você sumiu? Pensei que tivesse desistido do Alma! Abração!
ExcluirAinda não, queriDannemann e nem sei se isto pode acontecer. Relembro e ratifico o que disse na entrevista, a respeito de religião: "em que pese o fato de eu não praticar religião alguma, mesmo sendo espiritualista até não mais poder". Sou rês desgarrada, ou ovelha nigérrima rsrs...portanto religião, padronização, normatividade, controle, massificação, adestramento, condicionamento, uniformização, etc... tô fora! e que se deleitem _nada contra e nada a favor_os que "tão" dentro ...
ExcluirOutrossim, tenho algumas simpatias pelo budismo, mais do que por qualquer outra que "conheça", justamente pela evidente pegada filosófica que lhe é peculiar (sou meio zen, meio estóico, etc...será que sou "zen noção?! rsrs), e filosofia é, talvez, a maior paixão intelectiva da minha vida tão simples e intensa quanto leve e profunda.
Beijão e ... "bão, intão tá e inté".
Marcos Lúcio
EstiMarcos... se tem uma coisa que você NÂO é, é zen noção!!! Onde já se viu uma ovelha negra de carteirinha ser zen noção?!
ExcluirQueriDannemann Carolina...dentre seus múltiplos talentos, se tem uma coisa que você _ mais explicitamente_ de fato é: sensívelmente inteligente. Depois da bela e inspiradora turnê européia e, especialmente, da breve temporada parisina... mais aguçada e esperta ficou.
ExcluirTanto que não titubeou em mudar-se de mala e cuia para o "clube parisiense da felicidade e da sorte"rsrs.
A adorável Joaninha Curiosa (cadê?!) que, segundo suas "sherlockianas" palavras, é danada...que ela se cuide, "intão".. Se ela faz barba, cabelo e bigode, você, meu bem...faz tudo isto com os pés nas costas e ,ainda, pinta, borda e faz bainha rsrs.
Obrigado pela consideração . Relembro que não sou pouca porcaria...sou pinico cheio mesmo! rsrs, para fazer uma sutil correção e ficar mais adequado à minha simplicidade rsrs:
sou , SIM!, ovelha decana , aveviche e de passaporte vermelho (nada de carteirnha)rsrs.
Agradáveis dias, meses e anosssssss e beijão "procê"!
EstiMarcos
É, meu nego, depois que eu entrei para o Clube Parisiense da Felicidade e da Sorte virei outra pessoa... (melhor dizendo, outra ovelha): agora eu só penso em voltar à sede do clube!!! Me empresta aí o seu passaporte vermelho pra eu tirar uma onda, porque também sou penico cheio afinal de contas!
ExcluirAdorei o post da minha blogueira predileta, com esta história linda e demasiado humana, que é parte constitutiva da sua vida.É um belo exemplo de altruísmo
ResponderExcluirverdadeiro posto que o bem era feito por motivos nada estratégicos mas, tão somente de doação, de generosidade mesmo! Atitudes generosas,
ainda que desapegadas e profundamente sinceras, assim, são uma espécie de investimento a longo prazo: favorecem a imagem da pessoa e aumentam as chances de receber auxílios a médio ou longo prazo, como contrapartida ou como ressonância.
Existe aquela generosidade fraca ou falsa , de ação que pretende um retorno no futuro. Neste caso, torna-se um egoísmo disfarçado. A filantropia, por exemplo, é menos uma expressão de amor ao gênero humano que um cálculo frio do empresário...buscando garantir lucro futuro por meio de relações públicas inteligentes. O doador toma por certo que sua ação caridosa terá retorno mais para a frente. É vantajoso para a reputação estas boas ações bem planejadas. O resultado tende a melhorar a imagem e o potencial para lucros futuros. Não deixa de ser uma forma sutil_e no fundo bem egoísta_de garantir o próprio bem-estar.
Há pessoas que ajudam outras, mesmo que seja para sua desvantagem. E os voluntários que arriscam a própria vida para salvar pessoas completamente desconhecidas, depois de um desastre ambiental, por exemplo.São os bons samaritanos. Não por acaso, , pesquisadores da área de ciências naturais sempre levaram em consideração uma possível base genética para o comportamento altruísta.
Comprovadamente grupos com características especiais como maior capacidade para a cooperação abnegada, possuem maior chance de sobrevivência a longo prazo.
Nossa esécie é a única com a genética para promover um comportamente altruístico e desprendido podendo, destarte, desfrutar do bem-esatr de agir assim.
Abraço afetuoso
Danilo
Talvez a empatia seja mesmo genética, Danilo, mas acho que os pais deveriam, desde cedo, ensinar os filhos a pensar nos desejos e nas necessidades das outras pessoas. Lamentalvelmente não é o que a gente vê por aí hoje em dia... e é assim que o mundo vai ficando pior. Beijão!
ResponderExcluirComo você, queriDanneamnn, já disse gostar de receber notícias do meu povo rsrs...repasso correio recebido da querida mana , para sua apreciação.
ResponderExcluirEnergias benfazejas, santé e axé!!!
EstiMarcos
"Sou tôda esta família e até mesmo o Vicente, e consegui me entender mais um pouco. Adoro ser cada um dos componentes desta bela estória, e ser também os olhos de quem vê cada lado comentado. Concluí que tenho generosidade com todos e até senti que realmente sou desapegada e não sofro de avareza, enfim, empatizei-me e identiquei-me...portanto, ADOOOOOOOOOREI A AULA .
Como sou aluna aplicada, li, reli e estudarei cada linha e saberei como ser melhor, e como boa espiritualista , gostei das 6 paramitas budistas e nem as conhecia. Com humildade, vou saber me guiar por elas. Adorei!
Bjos e muito obrigada por me proporcionar tanta sabedoria e descobertas. Diga à talentosa jornalista que vc é uma pessoa onde tudo cabe... é sábio e sabe ver, onde o infinito aponta.
Juliana