sexta-feira, 22 de julho de 2011
Nunca fui super em nada
Minha mais antiga lembrança de ter tentado bancar “a tal”, data de quando eu tinha exatos cinco anos: fui à piscina da cidadezinha do interior de Minas estrear o biquíni novo e o roupãozinho cor-de-rosa de plush (nome chique para tecido atoalhado) que havia ganho de aniversário.
Munida de chapéu preto de bolinhas brancas e tamanquinhos, resolvi desfilar minha superioridade na borda da piscina, diante das coleguinhas que nadavam, inspirada nos filmes de Esther Williams, que via na “Sessão da Tarde”...
E eis que caí dentro d´água, tendo que ser socorrida às pressas e, depois, tiritar (sou friorenta) enrolada numa toalha de banho vulgar.
Anos depois, aos 12, ganhei, de um parente distante, uma fantasia de Mulher Maravilha, e me senti ridícula naquele carnaval, vestida de tudo o que eu não era.
Conto isso para dizer que nunca fui super em nada, nem mesmo quando tentei.
Mas já fui uma pessoa triste, daquelas que tentam se ajustar aos mitos que a gente admira sem nem saber direito por quê... e que se esforçam para se adequar ao que pensa a maioria... e para usar as roupas que todo mundo usa... e para ser como todo mundo é.
Não deu certo... e justamente porque nunca fui super em nada.
Então decidi ser mortal em paz, como o fez Fernando Pessoa, porque pose nenhuma deste mundo vale a liberdade de poder ser ridículo em paz, e com a consciência leve de quem é feliz porque admite que é, simplesmente, humano.
Divido com vocês as maravilhosas palavras de um ser humano de carne e osso:
Nunca conheci quem tivesse levado porrada.
Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.
E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil,
Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita,
Indesculpavelmente sujo,
Eu, que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar banho,
Eu que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo,
Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das etiquetas,
Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante,
Que tenho sofrido enxovalhos e calado,
Que quando não tenho calado, tenho sido mais ridículo ainda;
Eu, que tenho sido cómico às criadas de hotel,
Eu, que tenho sentido o piscar de olhos dos moços de fretes,
Eu que tenho feito vergonhas financeiras, pedido emprestado sem pagar,
Eu, que, quando a hora do soco surgiu, me tenho agachado,
Para fora da possiblidade do soco;
Eu que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas,
Eu que verifico que não tenho par nisto neste mundo.
Toda a gente que eu conheço e que fala comigo,
Nunca teve um acto ridículo, nunca sofreu um enxovalho,
Nunca foi senão princípe - todos eles princípes - na vida...
Quem me dera ouvir de alguém a voz humana,
Quem confessasse não um pecado, mas uma infâmia;
Quem contasse, não uma violência, mas uma cobardia!
Não, são todos o Ideal, se os oiço e me falam.
Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil?
Ó princípes, meus irmãos,
Arre, estou farto de semideuses!
Onde há gente no mundo?
Então só eu que é vil e erróneo nesta terra?
Poderão as mulheres não os terem amado,
Podem ter sido traídos — mas ridículos nunca!
E eu, que tenho sido ridículo sem ter sido traído,
Como posso eu falar com os meus superiores sem titubear?
Eu, que tenho sido vil, literalmente vil,
Vil no sentido mesquinho e infame da vileza.
Álvaro de Campos, in "Poemas"
Heterónimo de Fernando Pessoa
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Um descompensado e longe de pensar em mudar e ser sisudo, arraigado, enobrecido... tipo de rei, do nariz em pé, que só olha o próprio umbigo, mas... que não o ousa cheirar. Por não pensar muito, descobri que é do caos que saem as descobertas,...as pequenas e as grandes e, um exemplo: Não é o martelo que bate no prego. É o prego que bate no martelo. Basta olhar o martelo que fica embeiçado, quebra o cabo e cai no pé.
ResponderExcluirIsto acontece,... de ser descompensado, por minha culpa, que sou impulsivo. Vivo a impulsão e dela extraio matéria para compor meus sonhos... que sobrevivem por impulsos! Ereções pensamentais de onde se pode ver o futuro e, como havia dito, por instantes e nada mais. Antes, quando eu caia, doía tudo: do ego ao joanete e agora não dói e sinto até falta de idéias mirabolantes. Sinto tanta falta, que tudo o que dá certo, acaba me deixando com gosto de nada, gosto de absoluto irreparável, tão irreparável quanto àquele terno antigo que justamente na hora de ser usado mais uma vez, se é informado de que voltou à moda. Ironias! Nada mais.
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirSe boa parte das pessoas-talvez a maioria delas-se desse conta do quanto é tão mais confortável não posar de super-homem ou mulher-maravilha...Creio que as relações teriam mais qualidade,os afetos maior duração e a tolerância,campo fértil para florescer.
ResponderExcluirCesar
Não tenho o hábito de comentar em blogs, mas amei tudo que escreveu. Me sinto, em muitos momentos, como colocou acima. Nunca fui o tipo perfeito,a super nada... E sinceramente, também nunca tive a pretensão de ser. Não sou vítima, só não sou o tipo ideal! Cometo erros, vivo "quebrando a cara" e recomeçando...! Sou feliz assim...
ResponderExcluirAbraços,
Ana Carolina.
Ana, obrigada pelo comentário. É uma libertação não ter a pretensão de ser perfeita. Espero que volte sempre ao blog e comente outra vez, porque os comentários são muito importantes, eles dão vida ao blog! Abraços!
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