terça-feira, 27 de novembro de 2012

O cara que queria ser, mas não era

Hoje fui ver um filme sobre o cara que queria ser, mas não era. No caso deste filme, “As Palavras”, o sujeito queria ser Escritor, assim mesmo, com “e” maiúsculo. Tentou por anos, mas... não rolou.

O homem sofreu, chorou, entrou em crise... e então apoderou-se de um livro escrito por outro... ficou famoso, ficou contente, ficou rico. E foi aí que começou a sofrer... porque apesar de todos os louros, ele sabia que “não era”.
Olha, eu não vou contar o filme porque não sou estraga-prazeres. Vá ao cinema e veja por si, inclusive porque o Jeremy Irons, aquele inglês que é um tremendo charme, arrebenta na interpretação de um velho mastigado e cuspido pela vida.
O nosso papo aqui é justamente sobre o “querer ser”... sabendo-se bem distante disso. Ai, meu Deus, quem aí nunca sonhou em ser alguma coisa impossível... que atire a primeira pedra! Eu já sonhei ser muitas coisas, de cientista a veterinária, de mãe a cozinheira de forno & fogão, de poeta e romancista a desenhista e escultora, de super equilibrada a pessoa gentilíssima... e quer saber? Não rolou... e  eu também não morri por causa disso nem pirei na batatinha, achando que podia bancar a atriz... porque é aí que a porca torce o rabo.
Lutar contra a nossa natureza e buscar o impossível é a tortura campeã que podemos impingir a nós mesmos, perdendo apenas para a mania de perfeição, no ranking do masoquismo.
E fingir, como faz o galã do filme, não resolve o buraco da frustração porque o sujeito conhece, mais do que ninguém, suas próprias limitações. Ele pode até fazer o teatrinho, pode curtir tanto o barato de ser “o cara”, que a endorfina no sangue venha a deixá-lo meio crente na situação... a ponto de ele se convencer, por minutos, que sim, chegou “lá”: venceu, tornou-se  o senhor do seu destino e da sua vontade!
Mas não tem jeito: a pessoa que a gente é, na realidade, está sempre ali, grudada no nosso pé... e esfregando a verdade na nossa cara. E se a gente tem um pouquinho só de consciência, sofre ao encarnar o personagem... mesmo que o mundo inteiro embarque na novelinha.
Conheço gente que sofre quando não tira dez na prova... e sente até vontade de largar tudo, abandonar o curso, chorar o resto da vida pela nota máxima que não veio... pra este povo, nem o 9,5 resolve. Só vale o dez. Ô tristeza! E gente que não é feliz porque vive agarrada a uma frustração bem goooorda, tratada na base do mingau de aveia todas as manhãs... porque em vez de ser o que podia, de usar os seus talentos desperdiçados... prefere fingir pra si mesma que a vida "jogou contra".
O ideal de ser, que a gente busca, e que foi criado dentro da nossa cabeça e do nosso coração, é uma figura que merece respeito, é claro, mas que não pode ser elevada à condição de dona da verdade e de soberana sobre nós.
É que às vezes a gente não percebe, mas este ideal pode esconder um tremendo torturador de chicote em punho, a postos o tempo inteiro para nos agredir e violentar... e fazer de nós o que de mais infeliz existe sobre a Terra.

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11 comentários:

  1. Vi um filme parecido. O cara queria ser escritor e fez um pacto com o diabo para conseguir e, o resultado, é que toda a fama conquistada de nada adiantou.
    Coisa que não tem jeito: Tem também muito ator da Globo, com todo o aparato da Globo, que quando entra em cena só consegue mostrar que não nasceu para a função de ator. Isto me faz lembrar de uma querida amiga (posso?) que tem tudo para construir (obrar) um livro.

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  2. Vi o filme e acho que o cara foi um sujeito de sorte, que tinha algum talento, e que soube aproveitar uma oportunidade que a vida lhe ofereceu. Jah o velho, esse sim se encaixa no estereotipo do frustrado que vc descreveu.

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    1. Anônimo... o cara era um sujeito de sorte porque tinha um amor verdadeiro e feliz, tinha saúde, tinha um pai amigo, tinha até algum talento. Mas encotrar um livro magistral e publicá-lo não é sorte: é roubo. E não foi suficiente que o mundo inteiro pensasse que o livro era dele, porque ELE SABIA QUE NÃO TINHA TALENTO PARA ESCREVER DAQUELA FORMA. O velho tornou-se amargo, sim, mas tinha bons motivos para isso, porque ele sim, era um escritor talentosíssimo que perdeu sua obra, além de ter perdido todo o resto que o fazia feliz. Vai ver o filme de novo.

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    2. Vi esse filme recentemente. A questão é: todos um dia erram na vida. Como você reage a esse erro? O velho jamais perdoou o erro da esposa, por ter perdido seu livro - ou seria sua vida? -, então se tornou aquilo que ele era: um ser amargurado. O escritor, que achou o manuscrito, errou. Mas teve a dignidade em admitir e tentar resolver. Se o editor não aceitou, se o velho não aceitou - suas desculpas - isso é um problema deles. Ele fez o que poderia fazer depois do erro. A vida real é muito mais que a ficção. O velho não soube entender isso. Sua obra era mais do que sua vida. Mas era apenas uma obra. O tempo passou e ele deixou de viver. Esse é o meu ponto de vista. Hasta, amigo!

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  3. O velho Dannemann. Um pai, quer para suas filhas, mais do que quer para os filhos homens, porque sabe perfeitamente o que vai pelas cabeças dos homens. Portanto, uma filha, para ele, deve estar como a princesa Kate, no palácio de Buckingham ou em qualquer lugar em que ele sinta segurança para ela, sua princesa particular. Então, quando ele partiu, foi em paz porque sabia que sua filha estava protegida. Só isso.

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  4. Fernanda,

    Parabens pelo post!

    Que beleza de interpretacao....nos seres humanos somos realmente muito complexos: uns se contentam com pouco, outros tem que chegar ao maximo como no caso da nota 9,5 e nao 10 .......sao raros os que encontram o equilibrio, e isso so se da com a vivencia (no meu modo de ver a vida).
    A maioria sonha em ser tantas coisas, nao e mesmo (eu me incluo na turma).... sao poucos o que se sentem realizados.No caso do filme, como voce tao bem descreveu, nao adianta todos te elogiarem por uma coisa que voce sabe que nao o fez (nossa consciencia nao permite). Nos somos os nossos maiores juizes), nao adianta tampar o sol com a peneira ......

    O comentario do Alfredo, me fez lembrar meu pai: embora ele tenha partido quando eu era adolecente, nossas conversas eram bem adultas... e eu sou a cacula da turma (a raspa de tacho), como costumava-se dizer .....interessante como os pais tem visao em relacao aos filhos ....

    Felicidades,

    Gilda Bose

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  5. Em O Advogado dos Cinco Crimes o protagonista rouba autoria de um livro e até que curte bastante, não vive drama de consciência, mas...no fim das contas se vê numa roubada. Pior que nenhum advogado quer defendê-lo, pois fora cassado por ter acusado o próprio cliente num tribunal, ao perceber que o réu, ao contrário do que jurava, era culpado por estupro e mentira até ali.

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  6. Muitos de nós, nos perdemos, entre IDEAL DE EGO E EGO IDEAL, conceitos Freudianos, que conflitados, mais ou menos inconscietemente, resultam sempre em infelicidade e sentimento de menos- valia. Somos e podemos Ser muitas coisas, desde que estejamos em contato profundo e verdadeiro com nossas potencialidades. O problema é desejarmos SER, o que NÂO-SOMOS. Nesse caso, fazemo-nos reféns da conjugação da culpa e da inveja destrutiva. Ou seja, o exercício do viver da-se no poderia, deveria, conseguiria, falacioso e culpabilizante, per-se.
    Conhecer e explorar os talentos que somos, amplia nossos vôos, para além e mais alto, do exercício da profissão que escolhemos, enriquecendo-o. Tal conquista já representa o sucesso, em meu juízo.

    Abraço

    ANTONIO CARLOS

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  7. Este texto indefectível deixou o CAFOFEFA com mais esplendidez.

    O problema da liberdade nas escolhas que podemos fazer, é que ficamos escravos das suas inevitáveis consequências. Ato contínuo, a farsa, por exemplo, sempre vai cobrar seu preço...nada é de graça, muito menos pão e cachaça rs.

    Principalmente a pessoa que tem mais consciência, se fizer algo que não gostaria com ela fosse feito, sentirá culpa e arrependimento. Nem que seja a longo prazo, a ficha vai cair e com ela a casa da razão. Quando a fabulosa escritora Hilda Hilst disse:
    "Tu não te moves de ti", referia-se a este embate ou esta memória entortada que persegue, haja o que houver e esteja onde estiver.

    Quando se toma uma atitude desta natureza, de copiar, plagiar numa tentativa aética,ou numa busca insana pelo sucesso a qualquer preço, a forçação de barra chega ao paroxismo e faz-me lembrar de parte desta música do genial Ari Barroso:

    "Hoje eu estou convencido de que
    Que o segredo principal da vida
    Consiste em não
    Forçar em nada a natureza
    E o resto vem
    Que é uma beleza"

    A pessoa é para o que nasce e com algumas características imutáveis tais como: tipo sanguineo, cor de pele, sexualidade, altura, pendor natural para artes ou genialidade, etc.e não adianta camuflar, fingir, blefar, pactuar, (se) corromper, mentir, não aceitar e tais e quais.

    Como nasci para ser ovelha negra rs, não forço mais a barra para nada e nem insisto, pois acredito que "o que é do homem o bicho não come", ou no poder ou força que as coisas parecem ter quando
    elas precisam acontecer, segundo Caê Veloso.

    Mas isto não impede de fazer a nossa parte da melhor forma possível, inclusive procurando o melhor , o relevante, para melhorar sempre...e para que deixemos um mundo melhor do que encontramos.

    Nesta estúpida crença de que podemos tudo (o infantilóide "we can") e competindo ferozmente para vencer (quem e para quê?), fazer sucesso, chegar lá (onde?), esquecemos de que, segundo Nietzsche, " alegrar pouco é o pecado original".
    Santé e axé!
    Marcos Lúcio

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