As manifestações estouram país afora, mundo afora, e
eu acordo sobressaltada de um sono leve. É angústia, assim, no meio da noite,
uma angústia de morte, como se ao redor da casa um anjo batesse as asas e avisasse: “É
hoje”.
Meu coração se aperta quando penso em minha amiga
querida, a mais querida de todas, que amarga no bairro ao lado uma agonia sem
fim. Minha garganta seca e rezo uma Ave-Maria na esperança de que o cansaço me
vença, mas não.
É já de manhã, são seis horas, e a angústia colore o
céu tropical. O dia passa, dou um telefonema, dois, mas não hei de falar com
ela. O fio de voz não alcança a mágica dos celulares. Eu sei,
eu sei, vai me chegar o dia em que a notícia virá, na voz de alguém: “Ela
morreu”, e eu nem sei se ficarei feliz por ela ou infeliz por mim, talvez as
duas coisas, adivinho, mas o alívio nosso haverá de ser o vencedor.
Já é de noite, tarde, inclusive, vejo as notícias
pela televisão. O mundo ferve, as passeatas fervem, a juventude vai às ruas, os
jornalistas correm nervosos como formigas em meio à multidão. Eu vejo tudo isso
como se não fosse deste mundo, e não o sou de fato: alheia a tudo venho
passando pelos dias, numa preparação da alma para esta falta, esta ausência,
este lugar vazio que há de me chegar.
O telefone toca e a notícia me bate nos ouvidos como
a sentença de um juiz no dia que nasceu marcado: aquela angústia desde a
madrugada trazia mesmo um odor de morte entre as asas. “Lembra da Beth? Morreu...”.
Penso em minha amiga, quase noventa anos bem-vividos, e que persiste em dores no bairro
aqui vizinho. E na Beth, quarenta anos e nem amiga era, apenas mútua antipatia. A vida é doida, é doida, eu penso, e fico
triste, uma tristeza funda e genuína. E vejo que até o desafeto é uma forma de amor.
A Vida é um círculo ou uma reta?
ResponderExcluirFernanda,
ResponderExcluirNo meu modo de ver a vida, que para mim e uma viagem ... as vezes curtas, as vezes longa .....ela nao morreu ... ela apenas completou mais uma etapa .....
Adorei a foto .... linda. Dependendo do sofrimento devemos na realidade e de nos alegrar, e agradecer a misericordia de Deus ....e dizer: missao cumprida ...
Felicidades,
Gilda Bose
Eu também penso assim Gilda, mas sempre fico triste.
ExcluirQueriDannemann...tomara que estas linhas sejam um cadinho (re)confortadoras. Desconheço autoria, nem sei se são minhas rsrs.
ResponderExcluirLidamos mal com as perdas. Ninguém gosta de ser privado daquilo que possui. Fica um vazio, um gosto amargo na boca e um buraco na alma. Mas a vida é feita de perdas. Elas fazem parte do nosso crescimento e de nossa humanidade. Se nunca perdêssemos nada, talvez a primeira conseqüência fosse uma incapacidade de dar a devida importância àquilo que se possui.
Ao saber que podemos não ter mais aquilo que amamos, tendemos a valorizar( pelo menos os mais lúcidos) o tempo juntos e aproveitar de sua presença. Cada minuto que passamos ao lado de alguém, onde reconhecemos a sua finitude e transitoriedade, leva-nos a transformar aquelas horas no mais profunda cuidado, até porque o amanhã é sempre incógnito.
A inevitabilidade da perda nos faz mais sensíveis e afetuosos. Só posso mensurar o real valor daquilo que possuo a partir do momento que não mais o tenho.
Creio que a possibilidade da perda nos ensina a valorizar as pessoas e a fortalecer relacionamentos.
Há perdas que são benditas. Por exemplo, uma vida de fantasia e ilusão. Quando alguém a abandona, finalmente podemos dizer à pessoa: “seja bem-vindo ao mundo real, que afinal é o único lugar onde você tem a chance de ser feliz”.
A vida é assim, e em última análise nada temos ou possuímos. Tudo nos é emprestado, tem prazo de validade, pois pertence a Deus.
Tenho aprendido também que diante de perdas inestimáveis, não há palavras que expliquem ou consolem.
Perder sempre dói e, portanto, não adianta dizer para não sofrer ou chorar. Aliás, chorar a perda é necessário, limpa a alma e ajuda a superar.E pode, depois, deixar a alma lavada, "again".
Quando perdemos alguém que nos é muito caro, na verdade nunca o perdemos totalmente. De alguma forma continuará por toda a vida fazendo parte de nossa vida, pois aquela pessoa deixou uma marca, e por isso ela nunca desaparecerá. Há um lugar dentro de nós onde guardamos tudo aquilo que foi precioso, mesmo que não exista mais, nem possamos tocá-lo, falar-lhe, ou ouvi-lo.
Maturidade, acredito é aprender ou saber perder. E na perda ganhar. Algumas perdas serão necessárias, pois elas nos liberarão para aquilo que Deus quer nos acrescentar. Creio firmemente que a fé no Eterno tem aquele poder curativo de ocupar os vazios-que todos, principalmente os adultos, sem exceções, carregamos na alma.
Aceitação, humildade e paciência + santé e axé!
Marcos Lúcio
Você como sempre tem razão
ExcluirFernanda,
ResponderExcluirE natural sentir tristeza, ficaria eu triste, se voce nao a sentisse.
Gilda Bose
Que coisa linda de comentário, Gilda...
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