"O verdadeiro lugar do nosso nascimento é aquele onde lançamos, pela primeira vez, um olhar inteligente sobre nós mesmos".
Marguerite Yourcenar
quarta-feira, 29 de janeiro de 2014
sexta-feira, 24 de janeiro de 2014
O pai que não censurava
Pleno dia de férias escolares no Rio de Janeiro. O
cinema tem 18 salas, a maioria ocupada por filmes infantis. As filas estão
enormes, e em meio a tudo isso estou prestes a entrar na sala para ver “O lobo
de Wall Street” quando ouço o bilheteiro murmurar, quase suplicante, à pessoa à
minha frente:
E aí, quando alguém levanta a voz para dizer que não pode tanta liberdade na TV, que alguma censura tem que existir para ajudar os incapazes a botar um limite na situação, a horda é quem grita, sobretudo na imprensa, para dizer que censura é coisa do diabo. Calma, devagar aí: tudo vai depender de como se faz as coisas. Censurar a informação é sim, coisa do diabo, mas censurar o sexo, a sacanagem, a violência e os interesses das grandes empresas nos meios de comunicação de massa é outra bem diferente. Ou não é?
Uma coisa é certa; dar liberdade total a quem não sabe o que fazer com ela só pode acabar em problema, e dos sérios. Não é assim que se educa alguém? E se os pais que temos aí também carecem de educação... como é que vão dar aos seus filhos o que não têm?
-- Senhor, este filme é pra quem tem mais de 18
anos...
O lance é o seguinte: ali está o
homem, de mais ou menos 45 anos, e o filho, de cerca de nove ou dez, ambos com um saco
de pipoca enorme e um copo de coca-cola gigante nas mãos.
Silêncio constrangedor. O homem encara o bilheteiro
com um olhar vazio naquela pausa que parece durar duas horas. O rapaz insiste.
-- Dezoito anos. Filme pesado...
O homem volta o olhar vazio para o garoto e faz
sinal de “vamos” com a cabeça. E vão.
Incrédula, e já esperando o pior, não aguento e pergunto ao bilheteiro
que filme estão indo ver, e não deixo de notar um certo inconformismo em sua
voz.
-- O “Lobo”...
-- Mas o filme não é proibido para menores de 18?
-- Senhora, a última palavra é do pai. Se o pai
autoriza, a lei não proíbe, e a criança pode assistir um filme como este aí,
cheio de cenas de drogas e de sexo...
Em suma: o tal pai saiu de casa para levar o filhote ao cinema nas
férias, mas em lá chegando... não teve saco de ir ver um filme infantil... e levou o garoto pra
encarar um filme adulto mesmo. E ele que
se divirta com a pipoca, ora bolas!
Lá dentro, a
história de três horas tem muito estresse, muita cocaína, balinha, festa do “tá
todo mundo pelado”, muito grito, muito cigarro, muita bebida, muita sacanagem de naturezas diversas... muito de tudo
o que um pai, em sã consciência, jamais aproximaria do imaginário
de um filho de nove ou dez anos.
O filme é muito longo e cansa, é bem verdade. Di
Caprio está cada vez melhor, o que não nos surpreende. As cenas em que discursa
para seus empregados são incrivelmente metafóricas e nos remetem mesmo a
situações de fanatismo absoluto, como aquele das igrejas evangélicas e seus
pastores eletrônicos, ou de como deve acontecer nas matilhas de lobos de carne
e osso, prontos para a caça e espumando o apetite pela carne dos cordeiros...
tudo a mesma coisa, no final.
E eu via o filme e pensava no garoto de nove ou dez
anos, em alguma poltrona do cinema, assistindo tudo àquilo... como estaria
processando aquelas informações bizarras e incompreensíveis, que jamais sairiam de seu cérebro? De
que forma elas voltarão à tona, em algum momento do futuro? Angústia? Revolta? Imitação?
Não bastasse a criançada engolir tanto lixo na TV
aberta e na TV a cabo, nos jogos eletrônicos e até na literatura
infanto-juvenil, que já está descobrindo o nicho violência/sangue/morte/etc, não
me surpreenderei se virar lugar-comum criança em filme para maiores, já que não é a primeira vez que vejo uma situação como esta. Talvez os
pais avaliem que, se as novelas já mostram tanto sexo escancarado e tanta
mau-caratice, os filhos podem ver tudo.
No final das contas, concluo, é isso que dá a
censura ficar a cargo dos pais, os guardiões do bem estar da criança... e que,
infelizmente, nem sempre têm condições intelectuais ou afetivas para
desempenhar tal papel.E aí, quando alguém levanta a voz para dizer que não pode tanta liberdade na TV, que alguma censura tem que existir para ajudar os incapazes a botar um limite na situação, a horda é quem grita, sobretudo na imprensa, para dizer que censura é coisa do diabo. Calma, devagar aí: tudo vai depender de como se faz as coisas. Censurar a informação é sim, coisa do diabo, mas censurar o sexo, a sacanagem, a violência e os interesses das grandes empresas nos meios de comunicação de massa é outra bem diferente. Ou não é?
Uma coisa é certa; dar liberdade total a quem não sabe o que fazer com ela só pode acabar em problema, e dos sérios. Não é assim que se educa alguém? E se os pais que temos aí também carecem de educação... como é que vão dar aos seus filhos o que não têm?
As condições intelectuais estão em falta sim, pois há muitos pais ignorantes por aí, que não alcançam que criança não é adulto, que
filho não é amigo, que educar exige dizer não. Gente que fez mestrado e doutorado, que tem muito dinheiro no banco... mas discernimento não tem nada a ver com dinheiro ou com títulos acadêmicos, e no final, o que acontece é que sobram pais despreparados e para quem tudo é normal demais, gente que não entende que a mais valiosa herança que se deixa para um filho é a boa educação e uma cuca legal, com autoestima no lugar e fé no futuro.
Mas como ter autoestima no lugar ou fé no futuro assistindo coisas horrorosas na TV e no cinema? Como, se os pais não desempenham seu papel de educadores, e ao invés disso bancam os coleguinhas?
E claro, faltam a estes pais as condições afetivas porque, infelizmente, não são poucas as pessoas que botam filho no mundo apenas porque necessitam de alguma coisa que lhes ocupe a vida... mas no fundo, não têm amor nem paciência, nem vontade nem disposição para educar de verdade: e aí criam filhos literalmente sem-educação, sem limites, sem cuidados. Compram o afeto dos rebentos com dinheiro vivo, porque isto é mais fácil do que educar de verdade. Temos aí uma legião de ricos sem educação para comprovar o que estou dizendo.
E é assim que o mundo vai ficando cada vez mais parecido com o
filme do Leonardo Di Caprio: uma imensa matilha de lobos que só pensam em
diversão e em devorar quem for preciso, em nome da própria satisfação. Mesmo
que seja a infância do filho de nove ou dez anos, e este filho, quando crescer, há de
fazer pior ainda, pois terá aprendido muito bem a sua lição.Mas como ter autoestima no lugar ou fé no futuro assistindo coisas horrorosas na TV e no cinema? Como, se os pais não desempenham seu papel de educadores, e ao invés disso bancam os coleguinhas?
E claro, faltam a estes pais as condições afetivas porque, infelizmente, não são poucas as pessoas que botam filho no mundo apenas porque necessitam de alguma coisa que lhes ocupe a vida... mas no fundo, não têm amor nem paciência, nem vontade nem disposição para educar de verdade: e aí criam filhos literalmente sem-educação, sem limites, sem cuidados. Compram o afeto dos rebentos com dinheiro vivo, porque isto é mais fácil do que educar de verdade. Temos aí uma legião de ricos sem educação para comprovar o que estou dizendo.
terça-feira, 21 de janeiro de 2014
A armadilha do "amor incondicional"
É muito fácil dizer que filho a gente ama incondicionalmente.
Não tive filhos, desconheço o amor materno, mas de amor verdadeiro entendo bem, e de
observação... idem.
E é aí que o tal do amor incondicional esbarra na vaidade, a vaidade nojenta e pegajosa que sempre se disfarça de sentimentos nobres como respeito, fervor, compreensão e amizade... e que infelizmente nem sempre os pais têm dentro de si para doar aos filhos, principalmente se estes filhos não corresponderem à imagem idealizada que pai e mãe gestaram na placenta junto mesmo com o feto, e que foi parida como ele como uma irmã-gêmea, e que cresceu ali, lado a lado, um membro a mais na família, uma tortura para aquele que está sempre como perdedor, e que por mais que nade depressa, jamais chegará em primeiro lugar.
O filme “Pais e filhos” trata do assunto pondo em
xeque-mate duas forças muito grandes: este amor aí, dito incondicional, e o
famoso “laço de sangue”, aquele que nos aproxima de pessoas que, lá no fundo da argila que nos constitui, não têm mesmo nada a ver com a gente, mas fazer o quê? "Amor de sangue,
sabe como é... não quebra nunca e aceita tudo..." será mesmo? Tenho cá as minhas
dúvidas.
Filho, dizem, é uma coisa doida, uma coisa imensa
que toma todos os cantinhos da nossa alma, e ai que horror que deve ser a vida
sem ele! Filho é alegria, é maravilha, é sonho e realização de tudo o que a
gente sonhou pra gente mesmo, mas não deu conta de realizar...E é aí que o tal do amor incondicional esbarra na vaidade, a vaidade nojenta e pegajosa que sempre se disfarça de sentimentos nobres como respeito, fervor, compreensão e amizade... e que infelizmente nem sempre os pais têm dentro de si para doar aos filhos, principalmente se estes filhos não corresponderem à imagem idealizada que pai e mãe gestaram na placenta junto mesmo com o feto, e que foi parida como ele como uma irmã-gêmea, e que cresceu ali, lado a lado, um membro a mais na família, uma tortura para aquele que está sempre como perdedor, e que por mais que nade depressa, jamais chegará em primeiro lugar.
Facílimo amar alguém que corresponde às nossas
expectativas, seja este alguém um filho, um pai, um irmão, um amigo, um parceiro
amoroso, um escritor, um presidente da república e até um deus.
Difícil é amar acima das diferenças. Aceitar a
frustração que o outro, ao ser quem é, nos provoca. Amar sem ódio, sem desejos
canibalescos de destruição. Amar acima das mágoas propositais ou não; perdoar o
outro por ele ser fraco aos nossos olhos, ou por não atender às súplicas da
nossa vaidade e não conseguir ser uma cópia fiel do que nós somos ou gostaríamos (tanto!) de ser.
Este é o amor incondicional, que pode certamente
ser provado e vivido em nossas relações profundas, independente do laço de
sangue, que não raro nos prega peças tremendas e sem solução. E por que somente os filhos teriam a primazia de merecê-lo? Será que somos tão egoístas a ponto de amar verdadeiramente somente aquele que saiu de nós, e que por isto mesmo é parte de nós sobre a Terra? Mas este é um amor de si para si...
O filme “Pais e filhos” tem ainda o mérito de
mostrar que não somos, necessariamente, “como nossos pais”, como cantou o poeta
Belchior: mudar de rumo pode ser uma
questão de opção. Exatamente como amar sem esperar nada em troca... amar o outro justamente pelo que ele é; taí a
melhor parte do amor, aquela que nos liberta em vez de nos fazer cativos da vaidade e da tirania.
Para ver o trailer, clique o mouse na bolinha (indicador de tempo) caso a tela fique verde
Para ver o trailer, clique o mouse na bolinha (indicador de tempo) caso a tela fique verde
quinta-feira, 16 de janeiro de 2014
Luxo de verdade
Qual é a graça de ouvir um passarinho que canta preso dentro de uma gaiola? Não é um canto, pode acreditar: é um choro, um lamento, um repúdio, um xingamento, um impropério, uma vontade de morrer; é tudo, menos um cantar!
E me admira que alguém se regozije em colecionar... pássaros! E em trancar numa gaiola todos os voos que eles poderiam dar...
O moço aí de cima, este sim celebra o estar vivo, e seu gogó é uma fanfarra, é uma banda de carnaval. Tem mil rasantes sob a asa, mete este bico onde bem quiser...
E eu, de minha parte, desfruto do luxo de ouvir diariamente um canarinho livre, um bem-te-vi e outros que minha ignorância não sabe nomear. Acho que voltam por saber que nada aqui os aprisiona ou fere; minha varanda é um porto-seguro no céu.
terça-feira, 14 de janeiro de 2014
A saúde carioca é Terra de Marlboro
Dias atrás estive, pela primeira vez, em um dos
maiores hospitais municipais do Rio, e me senti em um daqueles filmes de guerra
que mostram os hospitais improvisados em acampamentos cheios de gente, de
confusão, de carência, de barulho... lugares onde o alívio parece tão improvável
quanto a cura.
Eu olhava a fila indiana de macas pelos corredores,
os pacientes enrolados em lençóis e cobertores velhos, tecidos com o fio da
resignação... e aqueles que esperavam horas, talvez dias, por um atendimento;
alguns com a sorte de uma cadeira onde se sentar, na sala abafadíssima, outros
de pé, esgueirando o cansaço pelas paredes.
E olhava as instalações, de uma precariedade
inimaginável para quem tem a felicidade de desfrutar de um plano de saúde
privado neste Brasilzão de meu Deus... sentia no ar um cheiro abafado, talvez mistura de calor, de água sanitária, de
remédio ou justamente da falta dele, de desesperança e de pobreza.
Mas no meio de tudo isso havia os heróis da rede
pública, aqueles caras que de fato examinam o paciente, em vez de apenas
assinar uma receita de antibiótico e gritar “próóóximo!” com o carimbo da
indiferença no olhar, e que não pagam substitutos em início de carreira para que
lhes cubram os plantões.
Em meio ao que me parecia um verdadeiro caos e me
provocava calafrios pela espinha, os doutores caminhavam numa desenvoltura quase
majestosa, e era bonito de se ver. A pobreza generalizada, na forma de mofo
pelas paredes, de falta de equipamentos e de remédios, de refeitório que virou
sala de espera, de improviso por toda parte, de gente extremamente humilde e
submissa à necessidade... nada disso parecia lhes melindrar.
-- E o Fluminense, hein, ô negão? Ô time de sorte...
-- Fluzão é time de fé, meu rei...
O papo rolou entre o médico (meu amigo) que vinha pelo corredor
e o enfermeiro que voltava; entre ambos, a maca que carregava o acidentado
grave. O doutor percebeu meu espanto e explicou:
-- Aqui, se a gente olhar só pra desgraça, não
consegue fazer nada.
Dias depois, dei entrada em um dos melhores
hospitais da cidade para um procedimento cirúrgico estético, na mão de um
bam-bam-bam dos bisturis. Era pra ficar apenas uma noite no hospital cinco
estrelas, mas decidi ficar cinco para favorecer o pós-operatório.
Quando saí, mal conseguia falar ou respirar, dado o
nível de fraqueza: a comida talvez fosse ótima, mas o fato é que eu não conseguia
comer pratos como “linguado ao molho de ervas aromáticas” depois de uma
cirurgia! O café da manhã era realmente sofrível, e tudo o que eu queria era um chá, uma torrada, uma fatia de
mamão... seria pedir demais?
Na hora do almoço, como é que eu, cheia de fios nos braços, ia partir o bife? A
enfermeira colocava a bandeja na mesinha ao lado da cama e vupt! Saía do quarto
antes que eu pudesse pedir que me ajudasse a comer.
As bandejas voltavam intocadas para a cozinha, e
ninguém naquele hospital chiquérrimo apareceu para saber o que estava
acontecendo. Chamei a nutricionista e implorei por uma sopa, um bife grelhado
que já viesse picadinho, um legume no vapor. Ando pensando em procurar a
instituição e me candidatar ao emprego dela...
As enfermeiras são um capítulo à parte. Afora três,
que me trataram bem, todas as outras foram surpreendentes. Senti, no ar, o
ressentimento de algumas delas, que pareciam odiar seu trabalho e acabavam
descarregando seus sentimentos represados no paciente... que no caso era eu
mesma, que tomei quase todas as injeções para dor, gelatinosas e dolorosíssimas,
no mesmo braço. Eu colocava o travesseiro no rosto para gritar, pode uma coisa destas? E tomei banho
de água fria, e cheguei a ficar sem remédio... e houve dia em que tive que quase implorar pelo
banho.
Já em casa, dei graças a Deus por finalmente estar
livre dos maus-tratos, e embora recebesse tratamento vip do “enfermeiro
particular”, passei dias desesperada entre dores e cansaço. Liguei para o
médico. Não o que me operou, mas sim aquele amigo que dá plantão nas
emergências cariocas. E descobri que estava sem remédio para dor e sem
tratamento para a anemia que se instala imediatamente, quando a gente perde
muito sangue em uma cirurgia.
Como se vê, mais uma vez é impossível não voltar às palavras da dra. Vera, minha sábia
amiga octagenária, médica politizada e engajada, que sempre me diz que a saúde carioca é terra de Marlboro:
-- Fernanda, no Rio de Janeiro, não importa se é
rico ou se é pobre, se tem plano de saúde ou se vai pra rede pública: a gente
tem é que rezar muito pra jamais cair na mão de um médico ou na cama de um
hospital.
sábado, 11 de janeiro de 2014
Eugênia de Pistache
Pistache faz lembrar o vestido verde de Eugênia.
E esta quase dor do sorvete em minha língua traz de
volta o gosto de Eugênia em minha boca, Eugênia toda aflições, Eugênia toda o
corte que ficou íntimo da carne,
feito íngua.
feito íngua.
Já passa das nove na vidraça e imagino a centopeia invisível em algum lugar do gramado, a centopeia e suas cem pernas de Eugênia Fugitiva.
Pernas de Eugênia arrebentam a porta, invadem a
casa, enroscam-me o pensar além das duas carnais que o são (e além das cem imaginárias). Duas, como se fossem mais
de cem não se sabe onde, pernas fugitivas.
E até a vidraça, tinta de negro por esta noite
implacável de ínguas e desesperos, torna a pôr Eugênia dentro de
casa. A vidraça escura como os seus cabelos, na noite úmida como seu púbis sob a
toalha; a madrugada que virá, opaca como a sombra sua, nos ladrilhos amarelos do banheiro.
Além do vidro, vejo a cor do seu vestido tomando a
copa das árvores.
Um vestido verde que exibia a timidez dos seios
e pequenez das ancas;
Que enroscava as duas pernas e as invisíveis noventa e
oito.
E o pequeno par de brincos (tão baratos) que lhe
feriam o lóbulo, lembro bem;
Eu era como um brinco que se vê comprado na feira
E que vive da desgraça de ser apertado demais,
E de apertar, e de ferir, e de quase beirar à
asfixia
E deixar imóveis as duas pernas de quem o usa,
E imóveis as demais noventa e oito.
Eu sempre soube serem cem,
Prontas à fuga repentina.
Sempre soube que era de dores aquele beijo de
pistache.
Hoje, nem sombra de Eugênia,
Só luz sobre os ladrilhos do banheiro.
E meu destino, negra noite,
Escura como seus cabelos,
Úmida e pequena como seu púbis sob a toalha.
(Fernanda Dannemann)
terça-feira, 7 de janeiro de 2014
Álbum de família
Gosto de filmes em que as atrizes não estão
preocupadas com o make-up, e em “Álbuns de Família”, estrelado pela dupla Maryl
Streep e Julia Roberts, é a verdade nua e crua que está na tela: as rugas e os
cabelos brancos de ambas as divas e também desta instituição que muitos ainda
insistem em chamar de “perfeita”, e que ali naquela história está com as
neuroses, ódios e cobranças bem arreganhadas diante da plateia, que muitas
vezes sente desconforto talvez porque se lembre de sua própria casa, não raro o
local eleito para receber todas as neuroses em estado bruto de cada membro do
dito clã.
Pois eu adorei o filme que meu amigo chamou de “casa
de loucos”, o que, em minha opinião, é justamente o que toda família é quando
vista de pertinho, inclusive as mais felizes, as mais respeitáveis e as mais
endinheiradas. Sem exceção. Nunca acreditei naquela felicidade idílica de “Os
Waltons” (quem tem mais de 45 sabe do que estou falando).
Bem... o pai desaparece, a mãe é viciada em
remédios, as três irmãs são de planetas diferentes. A
amizade inabalável entre a mãe e sua irmãzona do coração a tudo suporta... há
também o bode-expiatório da família, que não poderia faltar, é claro. E tem a
empregada-santa, que faz milagres. O enredo, como se vê, não traz nada de novo
e parece quase ter saído das páginas de Nelson Rodrigues.
Mas a interpretação de Julia Roberts e de Maryl
Streep são um deleite. Dei gargalhadas no momento em que Julia, tal
qual um felino, salta da cadeira direto no pescoço de Maryl e ambas rolam pelo
tapete, aos tapas. Qua´, quá, quá! Se era pra chorar, não deu.
Família, infelizmente, não é só paz e amor. Aliás,
muito pelo contrário, embora os moralistas se recusem a aceitar. Família, na
maior parte das vezes, é um poço de neuroses, e o cinema é quem tem coragem de
mostrar isso com todas as suas cores e palavras, embora na vida real o povo
ainda perca tempo na tentativa surreal de bancar o parente próximo do John Boy
(olha os Waltons aí de novo!).
O amor está ali, é claro, mas somos todos seres humanos e esta é a nossa desgraça: ainda não somos santos e não conseguimos, simplesmente, dar amor sem esperar nada em troca. As famílias são o berço da arte de trocar, de cobrar, de frustrar e de ser frustrado, o berço do ciúme e da inveja porque, afinal, a civilização começa ali, junto com as paixões mais verdadeiras, que são a raiz de toda a desavença. Amor & ódio, afinal de contas, seguem pelo mudo de mãos de dadas. Quem poderia afirmar que Caim não amava desesperadamente seu irmão Abel?
O amor está ali, é claro, mas somos todos seres humanos e esta é a nossa desgraça: ainda não somos santos e não conseguimos, simplesmente, dar amor sem esperar nada em troca. As famílias são o berço da arte de trocar, de cobrar, de frustrar e de ser frustrado, o berço do ciúme e da inveja porque, afinal, a civilização começa ali, junto com as paixões mais verdadeiras, que são a raiz de toda a desavença. Amor & ódio, afinal de contas, seguem pelo mudo de mãos de dadas. Quem poderia afirmar que Caim não amava desesperadamente seu irmão Abel?
sábado, 4 de janeiro de 2014
quinta-feira, 2 de janeiro de 2014
Pra começo de tudo...
Tempo
(Carlos Drummond de Andrade)
"Quem teve a ideia de cortar o tempo em fatias,
a que se deu o nome de ano,
foi um individuo genial.
Industrializou a esperança,
fazendo-a funcionar no limite da exaustão.
Doze meses dão para qualquer ser humano se cansar
e entregar os pontos.
Aí entra o milagre da renovação
e tudo começa outra vez, com outro número
e outra vontade de acreditar
que daqui para diante tudo vai ser diferente.
Para você, desejo o sonho realizado,
o amor esperado,
a esperança renovada.
Para você, desejo todas as cores desta vida,
todas as alegrias que puder sorrir,
todas as músicas que puder emocionar.
Para você, neste novo ano,
desejo que os amigos sejam mais cúmplices,
que sua família seja mais unida,
que sua vida seja mais bem vivida.
Gostaria de lhe desejar tantas coisas...
Mas nada seria suficiente...
Então desejo apenas que você tenha muitos desejos,
desejos grandes.
E que eles possam mover você a cada minuto
ao rumo da sua felicidade".
Assinar:
Postagens (Atom)