Pistache faz lembrar o vestido verde de Eugênia.
E esta quase dor do sorvete em minha língua traz de
volta o gosto de Eugênia em minha boca, Eugênia toda aflições, Eugênia toda o
corte que ficou íntimo da carne,
feito íngua.
feito íngua.
Já passa das nove na vidraça e imagino a centopeia invisível em algum lugar do gramado, a centopeia e suas cem pernas de Eugênia Fugitiva.
Pernas de Eugênia arrebentam a porta, invadem a
casa, enroscam-me o pensar além das duas carnais que o são (e além das cem imaginárias). Duas, como se fossem mais
de cem não se sabe onde, pernas fugitivas.
E até a vidraça, tinta de negro por esta noite
implacável de ínguas e desesperos, torna a pôr Eugênia dentro de
casa. A vidraça escura como os seus cabelos, na noite úmida como seu púbis sob a
toalha; a madrugada que virá, opaca como a sombra sua, nos ladrilhos amarelos do banheiro.
Além do vidro, vejo a cor do seu vestido tomando a
copa das árvores.
Um vestido verde que exibia a timidez dos seios
e pequenez das ancas;
Que enroscava as duas pernas e as invisíveis noventa e
oito.
E o pequeno par de brincos (tão baratos) que lhe
feriam o lóbulo, lembro bem;
Eu era como um brinco que se vê comprado na feira
E que vive da desgraça de ser apertado demais,
E de apertar, e de ferir, e de quase beirar à
asfixia
E deixar imóveis as duas pernas de quem o usa,
E imóveis as demais noventa e oito.
Eu sempre soube serem cem,
Prontas à fuga repentina.
Sempre soube que era de dores aquele beijo de
pistache.
Hoje, nem sombra de Eugênia,
Só luz sobre os ladrilhos do banheiro.
E meu destino, negra noite,
Escura como seus cabelos,
Úmida e pequena como seu púbis sob a toalha.
(Fernanda Dannemann)
O bom da vida é a saúde boa para melhor usufruir - os que temos este privilégio - da casa, comida, sombra (nesta canícula senegalesca ou carioca?!... um ar condicionado cai bem), água fresca e poesia...para lavar e enxaguar a alma.
ResponderExcluirMarcos Lúcio
muito bom o post, adorei o blog .. abraço !
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