segunda-feira, 30 de julho de 2012

O bom mineiro à casa torna

Depois de um bom tempo, voltei às Minas Gerais.


Já passava da hora do almoço quando chegamos a Tiradentes, mas os restaurantes estavam todos lotados. Quando finalmente conseguimos uma mesa, o garçon, em vez de trocar a toalha, começou a pescar os restos de comida deixados pelo cliente anterior:

-- Não vai trocar a toalha?
-- Não.
-- Não?!
-- Ocê acha que precisa messss? Nóis não dá conta de trocá todas toalha não!

Ao perceber que não tinha escapatória, ele, contrariado, satisfez meu desejo;  então comemos ali mesmo, no único restaurante mineiro que já vi, em toda a minha vida, que conseguiu a proeza de servir uma comida ruim. O torresmo, por exemplo, era uma tira de borracha colada a uma sola de sapato. Onde já se viu torresmo ruim em Minas Gerais, meu Deus do céu?

Depois, fomos direto ao posto de atendimento ao turista:

-- Por favor, qual é a melhor pousada da cidade?

E o rapaz me diz:

-- Em cima do posto de gasolina tem um hotelzim que é bem limpim.

Mudei de assunto:

-- E um restaurante que seja ótimo?

Ele:

-- Ali na praça tem um de comida a quilo que é bem baratim.

Vê-se logo como estão preparados os guias da cidade...

Fiquei surpresa ao descobrir que o velho pão de queijo está perdendo espaço para o rocambole. Numa das muitas docerias que agora tentam trazer de volta a tradição mineira do pão-de-ló recheado com doce de leite, e que anunciam "o melhor rocambole do mundo", "o rei dos rocamboles", "o tal", "o gostosão", " o mais fofo de todos", "o mais recheado" e eticétera... decidi alegrar meu paladar com este quitute que adooooooro, e que sei fazer muitíssimo bem, aliás. Fui logo avisando ao co-piloto:

-- Vamos ver se este rocambole é igual ao meu.

Logo na primeira mordida, meu parceiro de comilança pergunta:

-- E aí?

Perdoem-me os leitores, mas terei que ser sincera. Minha resposta foi curta e grossa:

-- Rocambosta.

Com a pança cheia e a pousada arranjada, fomos passear pela terra do herói da Inconfidência. Pena que a prefeitura teve a péssima ideia de plantar, bem no meio da praça, umas caixas de som que tocam altíssimo os mais diversos gêneros musicais, do "Ilariê" à música sertaneja modernosa e de péssima qualidade, passando por Titãs... nada a ver com o espírito local. Lembrei logo das sábias palavras saídas do tempo em que as novelas eram um bom programa: "a inguinorança é que atravanca o pogresso", dizia um personagem da finada "O bem amado". A turma com mais de 40 sabe do que estou falando. 

Foi impossível não pensar em minha cidadezinha natal, cravada no sul de Minas e que perdeu toda a sua beleza original justamente devido a esta ideia distorcida de modernidade. Lá, as árvores centenárias foram cortadas, as ruas de pedra foram engolidas pelo asfalto e o casario típico foi tombado... não pelo governo, e sim pelas construtoras que chegaram com casas modernas bem cafonas e janelas de alumínio. Não sobrou nem a casa onde viveu Bárbara Heliodora, aquela mesma, da Inconfidência Mineira. Nos coretos, onde antes havia casais de namorados, bandinhas de música ou crianças brincando, agora reinam televisões transmitindo o lixo da TV aberta... em plena praça pública! É de se lamentar, mas esta é a onda progressista que caiu sobre quase todas as cidades do interior mineiro. Que tristeza... não volto mais lá!

Mas vamos falar de Tirandentes, onde tudo é caríssimo e uma colcha de retalhos custa 1.100 reais!

-- Mas os retalhos são costurados um a um!

O argumento da vendedora não foi o bastante para me convencer, e saí da loja direto para uma boutique cujo nome, "Ave Maria", deve também referir-se ao preço dos vestidos: em plena liquidação, os preços variavam entre trezentos e pouco e setecentos e pouco. Ao que respondi, sem pensar:

-- Ave Maria, deixa eu dar o fora daqui!

Pode ser que eu seja processada pelo Movimento dos Mineiros Inveterados, mas como eu mesma saí daquelas bandas, sinto-me  à vontade para dizer que a mineirada é um povo que se acha o "tal", exatamente como os italianos, inclusive. Os preços cobrados na cidade são um desrespeito ao turista. Exemplos:

-- A diária é 420 reais e não tem TV a cabo nem telefone no quarto, mas pousada mió que a minha ocê num acha aí não, fio.

Ou:

-- Ô, beeeeeem... esse rocambole aqui é o mais maravilhoso que tem! Nossa tradição é de mais de 80 anos, sô!

Ainda:

-- Esta fronha custa 180 reais cada uma, mas foi feita por uma legítima bordadeira de Minas, uai!

O jeito é não entrar na onda e não comprar "nadica de nada", como diz o povo da terra. Em Tiradentes basta olhar ao redor, caminhar pelas ruazinhas e apreciar a igreja só pelo lado de fora, porque ali, assim como em Siena, resolveram cobrar ingresso na casa de Deus, e eu me recuso a pagar para entrar.

Mas a cidade é linda, o astral é altíssimo e se você procurar, pode encontrar bons restaurantes, pousadas que cabem no bolso, lojas onde é possível comprar móveis rústicos de qualidade (e a bons preços) e deliciosas compotas artesanais.

Mas o melhor de tudo é que a paisagem ainda é grátis.

8 comentários:

  1. As cidades do interior estão piores que as metrópoles. É poluição visual, sonora, do ar e da água. Prefeitos quase sempre muito corruptos contribuem para o caos.

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  2. Parece que o povo de Tiradentes nao quer abrir mao da historia: "enforcam" e "esquartejam" o turista, nao?

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  3. Piadinha a parte (meu outro comentario), acho que a infraestrutura voltada ao turismo esta muito aquem do minimo. Com raras excecoes, sao muito ruins!
    Como voce sabe, voei mundo afora por consequencia do trabalho e, onde ia, aproveitava para conhecer um pouco do local, cultura, culinaria. Depois que dancei no meu emprego e mudei para o EUA (depois que me "aprumei") comecei a viajar aqui dentro.
    Em todos os locais que fui sempre encontrei organizacao. Nao tenho nada a reclamar dos servicos e, quanto aos precos cobrados, tirando o Skywalk onde eh proibido levar a maquina fotografica e eles cobram uma nota preta pelas fotos que eles tiram de voce, todos os outros trabalham dentro de precos honestos.
    Onde quer que voce va voce encontra seguranca, informacoes, facilidades, transportes, placas, ruas ou vias de acesso limpas e conservadas. Tudo muito bem organizado e estruturado, o que segue faltando no Brasil.
    Tenho um amigo empresario em Joao Pessoa, PB. Ele tem um hotel e ja me falou das dificuldades que encontra para levar o negocio adiante. Nao sao soh os impostos bem salgados mas tambem o que esta (ou melhor: o que NAO esta) ao redor do seu negocio. O que encontrei por aqui nao encontro por la ou, se existe, existe de uma forma acanhada.
    O que quero dizer com isso eh que (minha opiniao) o governo deveria participar mais fazendo o minimo da sua parte; da sua obrigacao com ou sem a participacao de empresas do ramo. Voce esta pagando por um servico e esse deve existir e funcionar e, se tratamos de um servico publico, esse eh uma obrigacao daqueles que tem o poder de cobrar impostos. Esses alem de cuidar da conservacao e melhorias tem o dever de fiscalizar e orientar os comerciantes locais visando melhores servicos e reprimindo abusos.
    Quem sabe, se assim for um dia, voce possa comer um verdadeiro torresmo frito, um honesto pao de queijo, ver TV a cabo e usar o seu lap num hotel cuja diaria seja realista e nao absurda como o que voce comentou acima. Quem sabe voce possa comprar coisas com precos reais? Quem sabe?

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  4. Li e quase não cri, queriDannemann...que Tiradentes está assim. É messsss??? (adooooro, "marrelógico", o bom e "véi minerês").

    Ainda bem que no "finalzim" do post, "fia", a vaca não vai totalmente pro brejo ... não fica atolada (deu vontade de comer vaca atolada...é de lamber "os beiço").

    Lamentavelmente tenho de concordar com o comentário atento do Migliaccio. Tenho família no interior das Gerais e , eventualmente, a visito. Há muiiiiiiiiiito tempo observo um processo de degradação paulatina, mais evidente na poluição visual (a baranguice é moda?!, ou mau gosto assola a humanidade?) e sonora (até muitos bares que tocavam música de alto nível e civilizada, passaram a executar lixos sonoros insuportáveis para meus exigentes ouvidos). Não dou conta, graças a Deus, e não pretendo baixar o nível, afinal, pose arduamente conquistada, é pose dignamente mantida rsrs. Considero um total despropósito perder a linha ou seguir este rebaixamento ou esta escrotidão "cultural". Ainda bem que as ovelhas negras, genuínas, não correm este risco.

    Santé e axé!!!
    Marcos Lúcio

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    1. Oui, oui...d'accord, ma chérie. Lá, gente de bom gosto (e você não tem culpa de ser chique assim rsrs...)não tem de desviar o olhar da poluição visual.O "barangal" ainda não aportou na cidade luz, tão acintosamente, como já acontece em Roma, "né messss"???.
      Beijão.
      Marcos Lúcio

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    2. Tiradentes é assim messsssss! depois que ficou famosa na globo tudo é caro.Quando vou para lá me hospedo em São João que é pertim pertim e os melhores restaurantes estão na estrada que vai para Prados ex: tempero da Ãngela em Bichinhos .Comida muito boa ! come-se a vontade com direito a sobre mesa por $14 (Há dois anos atrás) Os Artesanatos são mais em conta nos arredores .Os feitos em teares são bem baratinhos em Resende Costa,lá tbm tem moveis mineiros por bom preço.

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