A trama começa na Dinamarca, país evoluído... onde,
no entanto, existe o preconceito virulento contra estrangeiros. Do norte da
Europa a câmera migra para a aridez de um campo de refugiados na África, paupérrima e assolada pela
matança, pela doença e pelo estupro.
A história também mostra a violência sob o ângulo do
bullying, tão na moda, mas que não é coisa de hoje, convenhamos. A crueldade
infantil sempre existiu, principalmente quando semeada dentro de casa, por pais
violentos ou frios, e muitas vezes endossada pela escola.
E mais: mostra a violência que brota no coração de
um sofredor como um grito de desespero, uma carência, uma tristeza que não sabe
como sair ou se expressar. Tem gente que é assim mesmo: não aprendeu a chorar,
a dizer que está padecendo, a pedir arrego, ajuda, abraço, remédio, reza, o que
quer que seja que possa trazer um alívio qualquer ao sofrimento. E então fica
fácil demais para nós, que estamos de fora da situação, olharmos com a cara
desconfiada e fazermos mil julgamentos. É mais fácil dizer que Fulano não
presta, que é um coisa-ruim. Difícil mesmo é entender que o coisa-ruim está
doendo horrores.
E então vem o melhor da história: um homem é
agredido fisicamente por outro diante dos filhos e não revida. O homem amarga
intimamente a violência, mas se sujeita. Os filhos cobram a vingança e ele vai
atrás do agressor e busca a conciliação, mas é novamente agredido verbal e
fisicamente. E em vez de partir para o tapa, ele aceita outra vez a agressão,
vai embora e explica aos filhos que “violência gera violência”, “que é assim
que as guerras começam”, “que aquele homem é um idiota”.
Minha primeira reação foi achar que idiota era ele,
um palhaço covarde que também ensinava aos filhos como serem covardes. E ali,
sentada na poltrona da sala de exibição, senti desprezo pelo personagem.
O caso é que este homem, mais adiante, curando
miseráveis na aridez da África, em condições práticas e emocionais que beiram o
surreal, é capaz de enfrentar de peito aberto um chefe miliciano perigosíssimo,
para defender os inocentes do acampamento. E o faz sem armas, apenas usando as
palavras, exatamente como fez com seu agressor lá na Dinamarca.
Então entendi que não se tratava de um covarde, mas
de um pacifista. Percebi o quanto é fácil rotular como “palhaço”, “fraco”, “frouxo”
e todos os sinônimos possíveis, um ser humano CIVILIZADO, que se recusa a agir
como um animal irracional que resolve suas questões à base da força, do grito,
da lei do mais forte e da ameaça. Entendi o quanto é profunda a questão da
ética interior, que é muito mais que um simples discurso, muito bonito de ser
pregado, alardeado aos quatro ventos, mas na maioria das vezes dificílimo de
ser vivenciado.
E entendi o quanto a violência pode estar arraigada
aos nossos ossos, sem que nos demos conta. No escurinho da sala, me escondi de
mim mesma, de tanta vergonha.