segunda-feira, 27 de outubro de 2014

Brasil, 26 de outubro de 2014


“(...) Na primeira noite eles aproximam-se e colhem uma flor do nosso jardim e não dizemos nada.

Na segunda noite, já não se escondem; pisam as flores, matam o nosso cão, e não dizemos nada.

Até que um dia o mais frágil deles entra sozinho em nossa casa, rouba-nos a lua e, conhecendo o nosso medo, arranca-nos a voz da garganta. E porque não dissemos nada, já não podemos dizer nada (...)”.

                                                           (Eduardo Alves da Costa)


http://www.tadashihp.com/2012/cartilha-orienta-populacao-lgbt-a-nao-votar-em-candidatos-do-pp-e-do-pr-nestas-eleicoes/

terça-feira, 21 de outubro de 2014

Juízes de nós mesmos

Mais um filme que a crítica especializada falou mal, e eu fui ver... e gostei. Trata-se de "O juiz", com Robert Downey Jr e Robert Duvall: uma história sobre a imaturidade, a teimosia e o amor brigão de filhos que insistem na necessidade adolescente de se diferenciarem dos pais, e só conseguem isso através da cisão.

É um drama edipiano sim, como são todos os enredos de pais e filhos, e é por isso que convence.
Com algumas pessoas, o clique acontece mais cedo (que sorte), com outras, como o personagem de Downey, infelizmente a descoberta de que somos o legado dos nossos pais chega já bem tardiamente, o que dá mais credibilidade à história.

Olhe ao seu redor e verá como existem por aí filhos famintos de tudo... tão ávidos pelo que clamam não terem tido nunca, e que, devido a esta avidez, tornam-se incapazes de usufruir do que os pais a vida inteira lhes deram...  
À certa altura do filme, há um diálogo em que o filho se queixa:

-- Você me colocou em um reformatório!
Ao que o pai responde:

-- VOCÊ se colocou lá.
Então o filho lamenta:

-- Eu me formei em Direito e fui o melhor aluno!
Ao que o pai comenta:

-- Não precisa me agradecer...
Frente a esta discussão, me flagrei dando risadas diante de tanta crueza e verdade nas palavras do pai, e tanta carência e infantilidade nas queixas do filho, que em outra cena comovem a plateia quando o primeiro, debilitado, necessita da ajuda do segundo, para um banho: a figura do respeitável juiz se despedaça diante dos nossos olhos, da maneira mais cruel que só a velhice e a doença são capazes de fazer, humanizando as mais frias relações como nada mais.

O ser humano tem a tendência de se desculpar e de jogar bem longe a responsabilidade pelos seus desacertos, e nessa hora a infância triste, os pais muito duros ou os terríveis traumas sofridos em algum momento da vida levam a culpa “numa nice”.  Se culpar os outros é fácil, culpar os pais é facílimo, inclusive porque eles são generosos o bastante para nos perdoar!

 O difícil é o bebê chorão crescer e assumir a responsabilidade por seus próprios atos, dar um jeito nas consequências de suas escolhas e atitudes... admitir que fez as escolhas erradas; que demorou pra “cair na real”; que não entendeu que o tempo passa... que teve medo de amadurecer, mas não soube pedir ajuda...  

E quando chega o dia da prestação de contas, quando o filho deixa de ser filho, quando a cadeira do pai fica vazia, haja maturidade conquistada para entender que somos sim a herança dos nossos pais a este mundo: a continuidade deles.
Juízes da nossa própria consciência, tomara Deus que em paz com ela!


domingo, 19 de outubro de 2014

Ópera Metrópolis

Grandes espetáculos acontecem, quem diria, em poucos segundos! E nos momentos mais inesperados...  este aqui aconteceu na rua Primeira de Março, em frente ao prédio do Centro Cultural Banco do Brasil, onde o rapaz estava plantado, com seus livros à mão e a pergunta pronta nos lábios, vozinha de vendedor disparada a quem quer que passasse:

-- Gosta de poesia?
Passei rapidamente por ele e parei ali adiante, à espera de que o sinal fechasse. Foi quando a moça, alta, bonita e elegante cruzou com ele, apressada. O homem olhou para ela com olhos de sedutor, empostou ainda mais a voz, quase imitando um locutor de rádio, esticou o pescoço em sua direção e mandou ver no charme:

-- Gooooossssta de poesiiiiiaaaaa????
A moça instintivamente esquivou-se no ar, esboçou um sorrisinho de leve e, sem interromper o passo fez que não com a cabeça. Ele insistiu.

-- Não quer conheceeeeeer?????
Ela continuou caminhando e, sem olhar para trás, levantou o braço para fazer um sinal negativo com o dedo indicador. Parou mais adiante, perto de mim, à espera de que o sinal fechasse.

O homem não se conteve. Aproximou-se e fez cara de nojo.
-- Antipática! Tô aqui trabalhando, tá? Não podia me dar uma força? Não gosta de poesia não? Metida!

Olhei a moça. Ela estava bem ao meu lado e pude perceber sua respiração ofegante e o momento em que mordeu o lábio inferior.
-- Só porque é rica e bonita não dá uma força “pros” outros?
Então aconteceu o desfecho magistral daquela quase-ópera metropolitana, que me fez acreditar que a moça estava mesmo de TPM e, ao mesmo tempo, me fez desejar ter aquele talento para poesia...

O sinal abriu, e enquanto ela atravessava a rua,  voltou-se inesperadamente para ele e arrematou:
-- Gosto tanto de poesia que até fiz uma pra você: O urubu tem pena no pé. Vai tomar no fiofó!
 

 

quinta-feira, 16 de outubro de 2014

Entrevista: Miriam Pontes de Farias e o bom da hipnose

Sabe quando você está muito entretido, vendo TV, lendo um livro ou prestando muita atenção enquanto alguém está falando? Você está, literalmente, hipnotizado! Como explica a psicóloga pós-graduada em hipnose clínica, Míriam Pontes de Farias, a hipnose, aquela técnica milenar cercada de mitos, é um santo remédio para as dores do corpo, da alma e até para quem tem medo do dentista!




 O que é hipnose e como ela funciona?

O estado hipnótico é alcançado sempre que concentramos a atenção em qualquer estímulo externo ou interno, podendo ser um som, uma imagem, uma sensação, o ritmo da respiração, um  aroma, um sabor, um  objeto. Focalizar a atenção nesses elementos dispersa os estímulos periféricos, o que propicia o transe hipnótico. Ou seja: o transe hipnótico pode ocorrer quando lemos uma revista ou jornal, assistimos um programa de TV, uma sessão de cinema, uma peça teatral, quando prestamos atenção a uma entrevista, a uma palestra, a uma aula ou até mesmo quando lemos um artigo sobre hipnose. Se observarmos bem, entramos em estado de hipnose em várias situações corriqueiras, várias vezes ao dia.

O que acontece com a mente durante uma sessão de hipnose?

É importante ressaltar que no estado de hipnose utilizado na psicoterapia, o paciente não perde a consciência. Trata-se de uma técnica na qual o paciente fica mais relaxado e receptivo à voz do hipnólogo. É um estado intermediário entre sono e vigília.
Na hipnose clínica, a palavra é o instrumento de trabalho do psicoterapeuta, sendo considerada o mais importante estímulo, através do qual conseguimos diminuir a freqüência das ondas cerebrais. Isso possibilita ao paciente entrar em estado alfa, quando o organismo aumenta a produção de dopamina e serotonina, substâncias que causam sensação de relaxamento, bem-estar e prazer. Nesse estado, o paciente fica mais receptivo às induções e intervenções do hipnólogo.

 A hipnose é indicada para tratar os mais diferentes tipos de problemas, da dificuldade de falar em público ao estresse, dos traumas à síndrome do pânico, da dificuldade de raciocínio à dificuldade de relacionamentos. Por que esta técnica é tão abrangente? Como ela atua?

A hipnose é uma técnica psicofisiológica: o paciente tem as sensações de bem-estar e relaxamento primeiro na mente, e depois no corpo. No transe hipnótico há uma inibição do córtex cerebral, e quando isso acontece, o centro auditivo é ativado e vai diretamente ao sistema límbico, responsável pelas emoções, e ao hipotalâmico, principal receptor das emoções. Uma vantagem da hipnose é que  ela tem uma elasticidade muito grande, podendo ser aplicada a diversos tipos de pacientes e vários tipos de situações. E é também uma técnica personalizada, ou seja, específica para cada paciente com sua vivência e sua história.

 De que forma a hipnose potencializa um tratamento psiquiátrico para curar, por exemplo, fobias, TOC, bipolaridade?

Tanto os quadros fóbicos quanto os de TOC (Transtorno Obsessivo Compulsivo) são transtornos de ansiedade, e a hipnose é uma técnica bem indicada nesses casos. As técnicas de hipnose potencializam o tratamento porque tratam o foco do problema. À medida que o paciente vai melhorando dos sintomas, o próprio psiquiatra vai fazendo o desmame da medicação. A hipnose não é indicada nos casos de bipolaridade, pois este é classificado como um quadro psicótico.

 A hipnose é uma alternativa também para o tratamento de dores crônicas, como a enxaqueca. Como ela "desliga" o fator que provoca a dor crônica?

É importante ressaltar que toda dor tem um fator emocional presente, e cada experiência de dor é sentida por cada pessoa de forma singular.  Quando o paciente aparece no consultório com uma dor, seja ela qual for, é necessário que seja feita uma avaliação médica para saber qual é a origem dessa dor, pois não se trata a dor sem um diagnóstico médico. Dor é sinal de que alguma coisa não está bem. Depois que tivermos um diagnóstico fechado, aí sim podemos tratar a dor. A enxaqueca, por exemplo, deve ser investigada, pois existem vários tipos: a enxaqueca menstrual, a enxaqueca por alimentação, a enxaqueca tensional ou a enxaqueca orgânica, que é oriunda do sistema nervoso central, e é neurológica. Não há um desligamento do fator que provoca a dor, há uma diminuição na sua intensidade. Através dos comandos hipnóticos pode-se criar técnicas de distração e, desta forma,  alterar o foco. Mas se o fator predominante for emocional, à medida que a intensidade for diminuindo, pode-se chegar a eliminá-la.

 Quanto tempo dura o tratamento? Todas as pessoas são "hipnotizáveis"? Ou algumas são mais suscetíveis que as outras?

O tempo do tratamento vai depender de paciente para paciente, e os pacientes mais suscetíveis respondem mais rápido ao tratamento. De modo geral, 80% da população são hipnotizáveis, o que caracteriza um índice bastante favorável ao tratamento. Cerca de 10% são muito hipnotizáveis, e os outros 10% não são hipnotizáveis: nestes casos, existe um treinamento para condicionar o paciente ao tratamento.

 Há algum tipo de contra-indicação?

Pacientes que apresentem Alzheimer e Parkinson, além de quadros psiquiátricos graves, esquizofrênicos e psicóticos.

Como escolher um bom profissional para um tratamento?

Apesar de ser uma prática milenar, apenas em 20/08/99, através do Parecer nº 42/99 do Conselho Federal de Medicina é que foi aprovada como prática médica. A partir de então ficou estabelecido que somente médicos, psicólogos, fisioterapeutas e dentistas podem fazer uso dos recursos da hipnose. A hipnose é, na verdade, uma terapia feita sob medida, focal e rápida, se comparada às psicoterapias convencionais, e que conta com o respaldo dos conselhos Federais de Medicina, Psicologia, fisioterapia e Odontologia.
É recomendado que, para se realizar um tratamento, o profissional tenha formação em uma das áreas acima citadas, e que além disso tenha um curso de habilitação ou especialização em hipnose clínica. A escolha de um profissional pode acontecer através de uma boa indicação. Procure saber também qual é a formação deste profissional, certifique-se se ele é qualificado ou não.

A hipnose é melhor ou mais indicada para o tratamento de estresse e ansiedade do que tomar remédios? Por quê?

Se pensarmos na ansiedade como uma condição humana e necessária à nossa existência, a ansiedade como a força-motriz que nos faz produzir, criar ou realizar coisas, como o movimento pela vida, concluiremos que a pessoa ansiosa, de modo geral, é também realizadora! No entanto, quando a ansiedade está além da conta, é necessário buscar ajuda profissional. Muitas vezes a ansiedade pode ser controlada somente com a hipnose, mas nos casos mais graves é necessário o acompanhamento de um psiquiatra e o uso de  medicação pode ser benéfico. Há diversos graus de ansiedade: em grau severo, a medicação é necessária porque o paciente sofre de alteração bioquímica e somente a hipnose não resolve: o tratamento concomitante é mais eficaz.

Quais os problemas que mais levam as pessoas a buscar a hipnose?

A hipnose trata muito bem os males da atualidade, e as principais indicações são nos quadros de depressão, ansiedades, fobias, síndrome do pânico, estresse pós-traumático, tiques, obesidade, tabagismo, dificuldade de aprendizado, transtornos do sono. Além disso, recomenda-se o emprego da hipnose para tratar baixa autoestima, compulsões, estresse, tartamudez (gagueira), doenças psicossomáticas e dores de uma forma geral, sobretudo enxaquecas. Também auxilia pessoas sadias que desejam mudar sua maneira de agir para melhorar seus desempenhos sociais, profissionais ou de relacionamentos, e até mesmo os candidatos submetidos a provas e concursos.

As dúvidas mais comuns que as pessoas têm:


·        A hipnose não acontece por força ou poder do hipnotizador, e sim pela aceitação e interação da pessoa que entra em transe e deseja ser hipnotizada

·        A hipnose não é para “pessoas de mente fraca”: em tese, qualquer um pode ser hipnotizado

·        O hipnotizador não controla os desejos do paciente: a mente inconsciente é amiga e nos protege. Desta forma, ninguém faz o que não quer, mesmo estando hipnotizado

·        A hipnose não faz mal, desde que aplicada por pessoas preparadas e bem-intencionadas

·        A hipnose não causa dependência

·        A pessoa não fica “presa” no transe nem corre o risco de não acordar; caso o hipnotizador pare de falar, duas coisas podem acontecer: o paciente despertar ou dormir e despertar um tempo depois

·        Hipnose não é regressão

·        A hipnose de consultório, utilizada como ferramenta terapêutica, é diferente daquela usada por mágicos, no palco

·        Estar em transe não significa estar inconsciente, ao contrário: significa estar muito mais atento ao que se passa dentro e fora de si

·        A pessoa hipnotizada não revela seus segredos nem fica à mercê do hipnotizador

 
 

terça-feira, 14 de outubro de 2014

(Sobre) Paula


A saliva amarga o esgar
E sorvo:

Melindre que à tua imagem dói.


Eu, que já fui leve,
Tenho negror na sombra que me segue

Por só viver de um mesmo paladar.


Tudo o que vem de ti,
Em mim corrói,

Agasta, vibra, como um bater de asas;


Tento voar,
Fugir da areia movediça;

Mas o negrume me é bagagem vasta


Toda inveja.


E eu, que já fui livre,
Que já cantei ao sol e amei as cores,

Sufoco sob o véu escuro da cobiça.


Fiz-me corvo.

(Fernanda Dannemann)

quinta-feira, 9 de outubro de 2014

Mutatis Mutandis

Certa vez, zapeando com o controle remoto da TV, vi uma cena de filme sensacional...

Era mais ou menos assim: um grupo de amigos lobisomens jogava cartas, tomava drinks e conversava animadamente à mesa de um bar devidamente fechado. Ali, entre aquelas paredes, eles podiam ser o que eram: lobisomens. Lá fora, eram respeitáveis homens de família, de negócios, presidentes do Rotary...
Tempos depois, vi o trecho de outro filme, cujo título também não me recordo: este era estrelado pela famosa Cher, que entrava em um auditório cheio de mulheres e, quando as portas se fechavam... cham!

Todas se transformavam em mostrengas.
Olha, eu não sei o final de nenhum dos dois filmes, mas isso nunca me importou. Estas poucas cenas já foram o suficiente para que minha cabeça voadora arrumasse o resto da história, que é o seguinte: o que será que a gente é de verdade? Tenho até medo de pensar!

Alguém aí já ouviu falar de São Tomé das Letras? Aquela cidade lá no sul de Minas onde, segundo dizem, os discos voadores costumam aparecer? Pois é. Coisas estranhas também acontecem naquelas bandas, de acordo com a “boca do povo”. Uma vez um amigo meu foi lá com a namorada pra passar um fim de semana e, quem sabe, ver um OVNI. No meio da noite, quando um olhou pra cara do outro, o que viram foi uma bruxa e um vampirão. Imagine você uma coisa dessas...
Mas o caso é que, no dia a dia da vida real, a gente não precisa estar num filme com a Cher ou dar um pulo a São Tomé das Letras pra enxergar além da máscara alheia... e nem mesmo pra deixar cair a nossa. A verdade, aquela que liberta, também tem o dom de estar por toda parte, o que significa que os monstrengos que temos dentro de nós sempre acabam saltando pela nossa garganta e pulando na goela de alguém, causando decepções e vexames. Pra que isso não aconteça, todo cuidado é pouco. Como dizia já o meu velho amigo e monge tibetano: "Vigiai!".

Mas, pensando cá com os meus botões, acho que temos que ser generosos com os outros e com nós mesmos: ninguém se reduz a um monstrengo, afinal, não é mesmo? Há que se separar o profissional do pessoal, pelo menos...  e não perder o respeito por aquele grande poeta, que escreve tão bem, mas é um grosso! Ou você não vai mais ler os poemas lindos dele?
Ou deixar de ver o filme estrelado por aquele ótimo ator, apenas porque ele é um traste como pessoa...
Ou deixar de ouvir aquele excelente orador, que te desperta a consciência para a reflexão, "só" por ter tido o desgosto de ver nele, fora do palco, as garras violentas da insensatez...
Ninguém é perfeito, inclusive nós mesmos. Vistos mais de pertinho, somos todos monstrengos em constante mutação. Se é pra melhor, ou pra pior... aí sim, depende de cada um.

 

segunda-feira, 6 de outubro de 2014

A morte do amigo imaginário

Acontece com todo mundo. Quem nunca tropeçou numa amizade de mentirinha uma vez na vida? Aquela pessoa que a gente sabe, lá no fundo, que não vale o nosso afeto mais verdadeiro... e no entanto, apesar desta certeza íntima e pulsante, nos deixamos conduzir, como inocentes, pela sedução daquele amigo que nos cativa de modo tão singular...

Mas não há inocência quando se trata de relações humanas, pois aquele que encena um personagem só o faz porque o outro topa acreditar na encenação.
O negócio é o seguinte: a gente sabe que é mentirinha simplesmente porque está pra nascer o ser humano capaz de fingir consideração por alguém. Consideração é coisa impossível de encenar. Nem Fernanda Montenegro ou Meryl Streep, em seus melhores dias, dão conta de uma tarefa como esta.

E o amigo de mentirinha também pode ser um “ás” na sedução, pode arrancar da gente aquelas confidências que nos fazem acreditar que sim, “ali existe uma amizade”, pode mostrar-se ímpar e compartilhar conosco a intimidade do que somos, sentimos, doemos ou já ultrapassamos...

Até que um dia cai o pano e tudo o que a gente vê, sem as cores da sedução, é um ator que já não consegue disfarçar sua natureza.
É que o início de uma amizade é exatamente igual ao começo dos amores que a gente vive, sabia? E o desenrolar também! Amizade e amor são parentes muito próximos, a genética é bem parecida, veja só:

Na maioria das vezes, em que conhecemos novas pessoas, não acontece nada demais. Até que aparece alguém diferente de todo mundo, que tem tudo a ver com a gente, aquela pessoa com quem o tempo é uma delícia de ser vivido. Taí:  é a força da afinidade, da identificação! É como uma luz sobre o outro, que o diferencia de todos os demais na multidão e que o torna especial aos nossos olhos; nada mais que um narcísico reflexo de nós mesmos...  
O mal de tudo isso é que a gente se apaixona por amizades equivocadas tanto quanto por amores equivocados... quando é um amor, a gente sofre, bota um fim no relacionamento e parte pra outra. Mas quando se trata de uma amizade a dor é diferente, porque realmente acreditávamos que "seríamos felizes para sempre".

Hoje em dia, a palavra “amigo” está prostituída e vilipendiada, é uma palavra que tornou-se símbolo de aparências: todo mundo é “amigo” de todo mundo, mas na verdade ninguém é amigo de ninguém. Numa realidade como esta, na qual as pessoas realmente se iludem que ter “um milhão de amigos” no Face lhes dá algum valor, é muito difícil tentar estabelecer verdadeiras “relações”.
A grande questão deste enamoramento pela amizade, desta paixão que faz daquele amigo um amigo tão especial, é que talvez esta identificação seja um engano nosso. Um erro de avaliação, que nos permitimos cometer porque quisemos. E é aí que as decepções explodem e nos ferem tanto: é como a morte, uma ruptura sem volta e inesperada, mas que a gente sempre soube que um dia iria acontecer. 

A gente tem que fazer o luto mesmo, realizar a morte subjetiva deste amigo idealizado que só existia na imaginação e no coração da gente. E isso fere tanto quanto uma morte real, porque se a amizade era de mentirinha para ele, ela era real para nós, o que faz desta perda uma perda verdadeira: o que significa que, se o amigo era de mentira, sua morte é de verdade. E isso dói demais.