segunda-feira, 2 de fevereiro de 2015

Birdman, Grandes olhos e o alter ego de cada um



No sábado fui ver "Birdman", do mexicano Alejandro Gonzáles Iñarritu, o mesmo do excelente “21 gramas”, e fiquei pensando que todos nós somos um pouco Birdman, e é por isso que este filme é tão bom! Iñarritu  acertou em cheio mais uma vez, agora ao tratar do conflito de um homem entre o que ele é excessivamente e o que ele é em menor parte. E estas duas naturezas, ambas verdadeiras e pulsantes neste homem, lutam para se impor e sobreviver.

Em suma, o personagem (vivido pelo impressionante Michael Keaton),  um ator de cinema decadente, que um dia incorporou o super-herói de sucesso chamado Birdman, deseja desligar-se desta imagem enlatada e tornar-se um respeitado ator de teatro.
Ele tem talento para tanto, mas... quando conquista seu desejo... seu alter-ego, o Birdman, o super-herói irritadinho, um homem-pássaro que detesta teatros da Broadway e adora cinemão com tiros e sangue no estilo catchup, vence a parada.

E não é assim com a gente, na vida real? Ninguém aqui é Hamlet, mas não estamos sempre decidindo entre "ser e não ser, eis a questão"?  Decidindo sobre como agir ou não agir? E a cada decisão que tomamos, a cada tom de voz, a cada estupidez ou gentileza, a cada atitude ética ou não, melhor ou pior para nós mesmos ou para os outros, a cada cigarro que decidimos fumar ou não fumar... a cada esquina que dobramos ou não dobramos... não escolhemos entre um ou outro "personagem"? Não optamos por um ou outro "roteiro" para a nossa existência, com uma diferente possibilidade de "fim"?
Realmente não entendi porque o filme foi classificado como “comédia”, porque ele não tem nada de engraçado! É um drama tratado de forma irônica e inteligente, bonito de se ver porque a luta interna deste homem, consigo mesmo, é dura de ser travada, e nos mostra que de nada adianta o esforço de anos a fio para tentarmos nadar contra nossa própria corrente: somos o que somos, e o melhor que fazemos é lapidar nossa própria natureza.

No domingo fui ver o tal “Grandes Olhos”, de Tim Burton, que traz às telas a história da pintora Margareth Ulbrich, que ao casar-se com Walter Keane, nos anos 50, tornou-se Margareth Keane e, ao assinar simplesmente “Keane” nas telas que pintava, e aceitar que seu marido as comercializasse fingindo ser ele o autor, acabou vivendo à sua sombra por dez anos: ela pintava, ele fazia um tremendo sucesso.
Também classificado como comédia, sem sê-lo, o filme causa incômodo ao mostrar a submissão feminina em um tempo que não vai tão longe assim. “Por que ela não reage?” a gente se pergunta. Mas é preciso contextualizar para entender.

E ao olhar de perto o sr. Walter Keane, aquele homem sedutor e inteligente, que era um agente imobiliário de sucesso e sonhava ser artista, embora não tivesse talento para tanto... e que mentia tão bem que acabava acreditando em suas próprias invenções... fica muito evidente, ali na tela, o quanto é perigoso deixar-se levar pela fantasia e acreditar naquilo que escolhemos acreditar: se é isso que Walter faz, ao crer que os quadros são realmente dele, é o que Margareth também faz, ao convencer-se de que seu marido era boa pessoa e que ela estava correta ao ceder a autoria de seu trabalho a ele.
Há casos em que o alter ego deve ser amordaçado. Um deles é quando a vaidade e a exploração entram em cena.

Um comentário:


  1. Excelente seu comentário sobre o Birdman.Destaco, pela obviedade e, justamente por isto, o mais difícil e ignorado pelo povo:
    "de nada adianta o esforço de anos a fio para tentarmos nadar contra nossa própria corrente: somos o que somos, e o melhor que fazemos é lapidar nossa própria natureza".
    Para ficar somente em dois exemplos definitivos e indiscutíveis, vale citar os seminais "Conheça-te a ti mesmo" do Sócrates e "Torna-te o que tu és" do Nietzsche.

    Ressalto, porém, esta proposta oportuna e realista do filme: analisar e criticar escancaradamente a indústria do cinema, acusada aqui por priorizar os remakes, sequências e filmes de heróis e de oferecer ao grande público desatento e sem criticidade, o que ele realmente deseja: mais caos e destruição e menos diálogos.

    Birdman trata , com brilhantismo camuflado(para os negligentes), de várias questões, dentre elas, o embate entre o que é e o que não é arte. Do ponto de vista do filme, expressado muito bem em uma frase dita pela crítica teatral Tabitha , a verdadeira arte é o teatro. O cinema, ainda mais o cinema atual, com seus vários filmes de super-heróis, é só ação e efeitos especiais mas não tem nada de conteúdo. Seus atores não são atores: são apenas celebridades, pessoas quaisquer que ficam famosas apenas por terem boa aparência ou por protagonizarem cenas de ação. Porém, é esse tipo de"arte" que atrai público, que as pessoas mais gostam de ver ( ovelha nigérrima que sou, estou fora desta massa ignara e rude, afinal, sou pior do que eles, graças ao Bom Pai rsrs) e que tornam seus protagonistas famosos e queridos. No mundo afora, atores de teatro raramente chegam ao mesmo nível de fama que atores de cinema e esse é o grande dilema que se passa na cabeça do Birdman. Adoro o teatro de arte, inteligentemente provocativo, "alternativo", não o comercial, evidentemente. O melhor de tudo é que o sagaz diretor fez uma obra permeada de ironia e sarcasmo (minha paria rsrs), criticando lucidamente, e por isto com fúria, a insipiente cultura pop atual(desprezo-a absolutamente).

    O maior acerto está em ser um filme de Hollywood sobre Hollywood, criticando os blockbusters (jamais os assisto) que só alimentam a inércia dos expectadores imaturos e idiotizados que preferem sangue e explosões a "papo filosófico", nas palavras desmascaradoras do protagonista.É um dedo sensato apontado para a alienada "geração digital", evidenciando a diferença abissal entre o que pensamos ser e o que , de fato, somos.

    No fútil universo das celebridades e até no mundico das "ninguendades feissibuquistas", a louca e patológica obsessão norte-americana copiada estupidamente "around the world" para se tornar um "winner" custe o que custar (quase ninguém consegue pagar o diabólico preço do sucesso, sem adoeçer, embora se morra tentando rsrs), a maioria absoluta e irrefletidamente compete numa corrida pela relevância .Quase sempre esta é uma atitude insana, irrefreável e patética/patológica.Lamentável, e mais não digo, para não ser acusado,injustamente, de corrosivo rsrs.
    Santé e axé!

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