Duas horas na sala de embarque e nada! Depois de um dia exaustivo, o atraso do avião era só o que me faltava! Além do cansaço, da fome e do desânimo, a impaciência na cara dos meus companheiros de espera deixavam tudo ainda pior. Próximo a mim, um homem por volta dos 70 anos, inconformado, se queixava com a mulher, que, acostumada, não lhe dava ouvidos e se distraía com as palavras cruzadas.
De repente, levei um susto: do outro lado da parede de vidro, muito, muito longe, a lua reinava com toda a sua força naquela noite azul royal. Era uma imensa bola cor de laranja, quase na linha do horizonte, iluminando o céu ao redor. Eu, que gosto da lua e sempre tenho os olhos nela, nunca a tinha visto com aquele esplendor.
Foi como um passe de mágica: tudo sumiu. As vozes, as pessoas, meu cansaço. E meu primeiro pensamento foi que, se não fosse o atraso do voo, eu não teria ganho aquele presente dos céus.
Não me contive. Sem desviar os olhos dela, toquei de leve o braço do meu colega de espera __o tal senhor por volta dos 70__ e lhe disse, enquanto apontava para o horizonte:
- Preciso mostrar isso a alguém.
Não fosse a vida uma caixinha de surpresas, ele não teria me dado esta resposta:
- É, está horrível!
Outro susto: como é que alguém poderia achar horrível aquele quadro perfeito que nem Van Gogh, em seus melhores dias, seria capaz de reproduzir? E no minuto seguinte entendi que o pobre homem não tinha olhos para o extraordinário logo ali à nossa frente; era incapaz de ver a beleza em meio ao caos... ele, precisamente, só exergava o caos.
Deixei-me levar pela sensação mágica de estar só naquela sala de embarque e acabei voltando no tempo... ao dia em que, em plena Cinelândia às três da tarde, num calor de rachar, enquanto eu esperava uma carona na escadaria do Teatro Municipal, olhei para os lados do Museu de Belas Artes e dei de cara com a figura imensa de uma índia que, imediatamente, me transportou ao Brasil selvagem dos idos de 1500, talvez.
A Cinelândia sumiu. Virou floresta tropical... e eu ali, diante de uma índia.
Naquela tarde de verão carioca, a ampliação do quadro, pendurada na parede do Museu, anunciando a reforma do prédio, parecia invisível ao resto do povo, que passava apressado sem ver a índia ou a floresta, enquanto eu sentia a umidade tropical daquela vegetação e quase ouvia as aves livres no céu... em plena Avenida Rio Branco parecia que, a qualquer momento, aquela moça estática desapareceria entre as árvores!
Lá se vão alguns anos, e não esqueço este momento mágico.
Quem me ensinou a olhar o mundo foi a minha prima, Maria Alice. Eu tinha nove anos e descia a ladeira da cidadezinha de Minas, onde morávamos, quando vi a Maria Alice, lata de leite na mão, parada embaixo de uma árvore, olhando pra cima.
Parei ao lado dela e olhei também: nem sinal de avião ou de disco voador. De repente, ela disse a frase que mudou tudo.
- Olha como são lindas as folhas desta árvore, e o céu lá atrás, fazendo fundo pra elas.
Uma janela se abriu nos meus olhos, e a vida ficou muito mais bonita a partir dali.
Fernanda: Você me tocou fundo. Quando eu era menino ainda, na casa do meu avô, meu pai dormia numa cama do quarto do segundo andar da casa e eu na outra cama e isto aconteceu apenas uma vez na minha vida, do meu pai e eu assim... em comunhão, pois meus pais moravam no Rio e eu ficava com meus avós. Nesta noite, acordei com um clarão indescritível e assustado fui atá a janela. Era a lua, que parecia estar querendo pousar no quintal, exuberante, assustadora até... Nunca me esqueci daquela noite diferente de mais de uma emoção e aprendi também, como você, a admirar tudo de um modo diferente, tanto que no Museu de Belas Artes, fui uma vez lembrado com muita educação, de que o horário de visitação havia terminado. Quadros me transportam a ponto de entender perfeitamente o que será a máquina do tempo. O bom, é poder lembrar disto, escrevendo muito diretamente a quem de um modo... mineiro, como eu, possa dançar as letras como você as dança. Um muito fraterno abraço.
ResponderExcluirAlfredo, eu é que te agradeço pela presença constante e pelos comentários sempre tão profundos. Abraço fraterno pra você também!
ResponderExcluirComo já dizia o livro mais antigo do mundo “A candeia do corpo são os olhos; de sorte que, se os teus olhos forem bons, todo o teu corpo terá luz; se, porém, os teus olhos forem maus, o teu corpo será tenebroso. Se, portanto, a luz que em ti há são trevas, quão grandes serão tais trevas!”. Mateus 6:22-23 Boa...
ResponderExcluirFernanda,sempre leio seus textos,desde "Quem sabe apertar seus melhores botões ",nunca esqueci,achei o máximo e sempre comento com alguém .Hoje ,depois de um dia exaustivo de trabalho,estava desligando meu computador,mas pensei,vou ver o que a Fernanda escreveu.Olha viajei no texto imaginando a cena (da lua) e também observando as arvores da foto.Estou indo pra casa mais leve e com a alma lavada !
ResponderExcluirTambém sou de família mineira e como você,adoro café com bolo !
Um abraço e fique com Deus.
Teresa, muito obrigada pela visita e pelo comentário. É muito bom saber que o blog tem leitores fiéis: isso me estimula, e confesso que tenho andado sem estímulo. Um abraço pra você também! Volte sempre.
ResponderExcluirA lua! Adoro!
ResponderExcluirLembro de acordar assustada com um clarão imenso na sala do meu apartamento. Pensei: esqueci alguma lâmpada acesa.
Nada disso. Era a luz a lua que entrava pela janela e iluminava a sala de uma forma extasiante. Olhei pela janela, voltei ao meu quarto, abri a cortina e a lua cheia parecia querer explodir! Lindo! Fiquei mais de duas horas olhando para esse quadro, observei o detalhe das núvens e tamanha minha surpresa, quando a lua desaparecia atrás das núvens que ficavam com uma borda alaranjada. Dormir??? Para quê? Quem garante que eu teria outra oportunidade como essa? Sempre amei a lua cheia, mas naquela madrugada ela me acordou e se mostrou mais bela do que já é. Acordei tranquila e descansada, apesar de poucas horas de sono. A todo instante a natureza está a nos oferecer momentos inesquecíveis, mas só observamos de pudermos ver com o coração também, não somente com os olhos! Abraços Fernanda.
Oi Sonia, bem-vinda ao blog! Adorei a sua história. É que eu também sou gamada na lua, e sempre paro pra olhar pra ela. Espero te ver de novo aqui, nos comentários. Abraços!
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