Nunca me esqueci da perplexidade da Paula Peres, minha amiga preferida na infância:
-- Mas como é que pode, ter tirado 2,5 na prova e estar assim, tão tranqüila?!
E eu, aos onze anos, dei de ombros, enquanto mandava brasa no pão-doce de canela e côco que comíamos todos os dias, na saída da escola.
No fundo, estava enganada, a Paula Peres, que não percebeu minha angústia pela nota baixa. Uma angústia que eu mesma rejeitava, por entender que não me ajudaria a desvendar os mistérios da matemática. Eu estava diante de um problema difícil, mas sabia que chorar pelo leite derramado não me ajudaria em nada.
Justamente por não ser capaz de aprender aquelas equações sozinha, e por passar pelo dissabor de uma nota tão baixa e um castigo sentenciado por meu pai, minha mãe me arranjou uma professora particular, a Ângela, que me ensinou o quanto os números podem ser divertidos. Resultado: aprendi de verdade e, por isso, passei a tirar dez nas provas. O que pareceu terrível, num primeiro momento, revelou-se oportunidade.
Mas a lição mais importante eu ponho em prática até hoje: diante de qualquer experiência mal-sucedida, vasculho todos os cantos da situação em busca dos ganhos... que sempre existem, mesmo que eu não consiga vê-los de imediato. Os ganhos estão ali, e quanto mais abrimos os olhos para a vastidão que pode ser a vida, maiores são as novas possibilidades, que brotam, como flores, de um único pé de perda.
O segredo está no fato de que as aparências enganam, e nem sempre a vida é o que parece. Nem sempre, por exemplo, uma perda é uma perda. Aquela mulher que não te ama e vai embora, não é uma perda. Aquele emprego que não te realiza e um dia vira um bilhete azul sobre a mesa, não é uma perda. Aquele amigo que trai sua confiança... aquele dinheiro que virou fumaça no divórcio litigioso e que por tanto tempo te aprisionou em um casamento infeliz... aquela promoção que não saiu e que dobraria seu salário, mas faria de você um escravo...
Note que a vida é muito mais do que podemos perceber, em um primeiro momento. É preciso cuidado com as deduções que fazemos e com as decisões que tomamos, porque a realidade é muito maior do que nossos olhos alcançam e nossas emoções nos permitem ver.
A verdade tem sempre muitos lados, a realidade tem muitos ângulos, a vida tem muitas possibilidades... e nós temos só dois olhos para ver e um coração para decifrar tudo isso.
Três Mundos, de M.C. Escher
Nossa, lindo!
ResponderExcluirPasso sempre por aqui e acabo nunca comentando, mas adoro os seus posts!
Passo aqui todos os dias e gostaria de te dar parabèns sou8 fã das suas postagens.
ResponderExcluirObrigada à Flávia e ao Anônimo! Voltem sempre, os dois. Abraços
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