domingo, 4 de novembro de 2012

A herança do "zio" Alfredo

Antes de mais nada, é preciso apresentar o Zio Alfredo, italianão tio do meu marido que veio ao Brasil em 1979, pela primeira vez, para conhecer os sobrinhos já adolescentes e o verão do Rio de Janeiro. Em sua primeira manhã na cidade, chegou à cozinha e perguntou aos dois rapazes:

-- O que temos para beber?
-- Cerveja em lata.
Ele confundiu "lata" com "leite" e indignou-se:
-- Leite?! Quer me matar?!
Zio Alfredo era um tipão meio Marcello Mastroianni: bonito, charmoso, personalidade forte e bon vivant. Solteirão convicto e apreciador das boas coisas da vida, passou a vir regularmente ao Rio, hospedava-se em um hotel em Copacabana e gostava de namorar as mulatas. Não o conheci, mas ao saber de suas histórias, ele rapidamente entrou para a minha coleção de tios inesquecíveis, juntando-se aos outros – Mário, Sérgio, José, Nelo, Antônio, Luis, Paulo, Jack, Armando e Moura – cada um com sua peculiaridade e especial à sua maneira.

 
Zio Alfredo era também um homem sábio, e costumava dizer que o dia a dia de operário em Roma era compensado com grandes delícias:
-- Não posso frequentar o mesmo restaurante que o Mastroianni frequenta todos os dias, mas ao menos uma vez por ano estou lá: visto meu melhor terno e desfruto de um bom e luxuoso jantar. E depois digo a mim mesmo, satisfeito, que também estive ali, onde ele esteve, comi aquela mesma comida e tomei aquele mesmo vinho chateauneuf du pape, sentado naquele mesmo lugar.
E era assim que ele curtia a vida, dentro de suas possibilidades. Um homem que sabia viver.
Certamente zio Alfredo veio parar em minha coleção de tios porque me identifico com seu prazer em usufruir das alegrias e as coisas boas da vida, dentro dos limites do possível. E foi assim que eu, que adoro colares, anéis e pulseiras, e nunca dei importância a joias, fui vítima da paixão à primeira vista diante da vitrine (sem preços) de uma joalheria.  
Quando a vendedora contou que se tratava de ouro branco cravejado de brilhantes negros (eu nem sabia que existem brilhantes negros, pensei que fossem ônix!) e brilhantes brancos... comecei a cair na real. Sim, aquela pulseira foi feita para mim, tenho certeza, mas ainda preciso ficar rica para compra-la. É mais ou menos como o casamento impossível entre a moça rica e o rapaz pobre: amor regado a frustração. Não perdi a pose, é claro, quando ela disse o preço, com a mesma naturalidade de quem fala de um cacho de bananas:
-- 14 mil reais, mas dou desconto se pagar à vista!
Saí da loja meio tonta com o acontecido, misturando no liquidificador psíquico a paixão pela pulseira, logo eu que não ligo pra joias, e o preço, o preço!!! Quem é que paga 14 mil em uma pulseira, meu Deus?!
Foi aí que o Zio Alfredo entrou na história, saído de sua nuvem no céu para me dar a ideia:
-- Volta lá e bota a pulseira no pulso!
Foi o que fiz. Entrei na loja com minha pose de mulher rica e fui logo dizendo à vendedora:

-- Meu pai me disse pra escolher um presente de natal. Posso tirar uma foto com a pulseira pra mostrar pra ele?


Não só tirei a foto, como a moça já queria separar um exemplar pra mim. Como se vê, a pose eu já tenho, só preciso mesmo é tratar de ganhar na Mega-sena.

Namorei a bichinha, sentindo-a escorregar em meu braço pra cima e pra baixo, e tive a deliciosa sensação de ter uma joia tão linda e tão delicada assim, quase parte de mim. Olhei mil vezes ao espelho, me imaginei curtindo a vida com ela pelas ruas da cidade, pra sempre juntinhas e inseparáveis. O sonho durou pouco, apenas alguns minutos, como uma noite de amor impossível... e depois a deixei lá, é claro, antes que a separação se tornasse tão impossível quanto o casamento.

E então aconteceu o milagre da vida: foi só chegar em casa que ganhei de presente, da minha sogra, um conjunto de marfim que lhe foi dado muitos anos atrás... por quem? Por ninguém menos que o zio Alfredo, que foi logo avisando:

-- Cuidado com elas: são joias de verdade e valem tanto quanto ouro. E ficam lindas enfeitando uma mulher.
Não tive dúvidas: zio Alfredo não só aceitou entrar para o clube dos meus tios inesquecíveis, como também me elegeu a sobrinha brasileira que não teve, quando por aqui passou.


 

13 comentários:

  1. Pra mim o conjunto de marfim dah de dez na pulseirinha sem graca.
    Duilio

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  2. Fernanda,

    Gostei mais do colar e da pulseira de marfim .... pois alem de tudo tem uma historia ...... e quanto ao zio Alfredo, o espirito dele era rico ...... no meu modo de ver a vida, e isso que importa.....quantas pessoas nao conhecemos que tem dinheiro (e nao e pouco) mas sao miseraveis ate com elas mesmas .....
    E continue visualizando as coisas, e nunca pense em como obter ......quando voce menos esperar, elas acontecem ........

    Felicidades,

    Gilda Bose

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    1. Não é lindo o conjunto, Gilda? Estou apaixonada pelo colar! Sim, zio Alfredo tinha a alma rica... e ainda tem, lá no céu!

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  3. Esse negócio de alma rica em Alfredo'os pra mim não é novidade. Conheço um que... Era o meu pai. Era não, ainda é também lá no céu!

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  4. As duas jóias ficaram lindas em você Fernanda. Nada tira sua beleza que não é só uma. É também de alma.

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    1. Obrigada, Alfredo querido! Então agora com o seu pai, são três os Alfredos gente fina de alma rica que eu conheço... bjos!

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    2. Realmente o segredo é saber aproveitar nos limites do possível ou nos possíveis dos limites. De nada adianta ter muito dinheiro se não sabemos como utilizá-lo ou se lamentamos, sovinamente, gastá-lo (meu Deus, pode haver outra utilidade par ele???). E mais: não o comemos e não o levamos no esquife (pra ficar chique , afinal, o assunto, também é jóia).

      Um pouco como o tio do post...tenho o bolso quase plebeu ...mas a alma nobilíssima rs e sempre que posso, escolho qualidades e relevâncias, mas contente com o que consegui até aqui. Talvez a maior razão da infelicidade seja o desconhecimento dos limites que há em tudo e todos, principalmente em nós e, claro, a ceitação radical desta verdade.

      Tendo a supor que o que faz a jóia é o colo ou os braços e mãos da mulher _esta foto linda , com o conjunto de marfim, não me deixa mentir_assim como quem faz o biquini é o belo corpo feminino.

      Santé e axé!!!
      Marcos Lúcio

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    3. O zio Alfredo era do nosso clube, Estimarcos! Por isso é que você se identificou com ele... bjos e obrigada pelo elogio, ganhei meu dia!

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  5. Em primeiríssimo lugar,parabéns pela sogra que vc tem,e segundo a "pose de rica" eu também sei dominá-la muito bem,(e como sei.)
    Brincadeiras a parte Fernanda,o conjunto é mesmo muito bonito e delicado. Bjs.

    Monica.

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    1. Obrigada, Monica, minha sogrinha realmente é fofa. Quanto à pose de rica, aprendi que ela às vezes vale mais do que ser rica de fato... você há de concordar comigo, imagino... beijos!

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  6. Perceber que vivemos na abundância do tempo presente...é tudo de bom!
    Bjsssss e parabéns pelo Blog!
    Lu

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    1. Como a vendedora deixou você experimentar e ainda fotografar a pulseira? Uma vez, passando por uma loja, minha senhora quis experimentar uma peruca da vitrine. A mulher disse que ela tinha que ligar pra marcar hora! Veja só!

      E esse papo de brilhante negro é pra pegar trouxa...

      Sergio Natureza - BA

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