quarta-feira, 13 de novembro de 2013

Reis e súditos de nós mesmos

Minha amiga se queixa:

-- Tempo é uma questão de prioridade.
Concordo com ela. A gente se lamenta, no corre-corre da vida, que não tem tempo pra nada, mas a verdade é que sempre encontramos tempo para encaixar, nos minutos preciosos da agenda apertada, aquelas coisas que realmente queremos fazer, as pessoas que realmente queremos ver e até as obrigações que achamos um saco, mas que de alguma forma valorizamos, por razões de custo-benefício.

E é aí que está o pulo do gato: impreterivelmente encontramos tempo para o que valorizamos realmente.
Mas é assim mesmo, através de uma escala de valores que nem sempre corresponde à nossa própria realidade interior, que corremos o risco de deixar passar grandes oportunidades na vida, inclusive a oportunidade de crescer.

O segredo pode estar aí: “crescer” tem vários sentidos; crescer cronologicamente, profissionalmente, pessoalmente, afetivamente... e mais o quê?
O lance é que as variantes não acontecem ao mesmo tempo, afinal nem todo mundo consegue deixar de ser aquela criança faminta que berra pedindo a mamadeira. Tem gente que chega aos 80 sem jamais entrar na vida adulta; outros ganham muita grana e nunca amadurecem para as parcerias na vida; há também aqueles que nascem quase prontos para a formatura da faculdade, mas não encontram o caminho da realização interna. Tem gente de todo tipo por aí. E qual o meu tipo? Qual o seu?
Taí uma pergunta que só a maturidade pode responder. Mas “maturidade” não se compra nem no consultório do psicanalista, é um bônus que a vida nos dá e somente com uma condição: a de tirarmos os olhos das nossas próprias necessidades, querências, desejos, planos e projetos mirabolantes. Simplesmente não há como uma pessoa “amadurecer” se não for despindo-se um pouco de si, tirando a roupa velha de “si mesmo” e provando outros modelos. Experimente tentar entrar em uma camisa dois números menor, aquela que não te cabe nem com a tal dieta Detox, mas que pode vir na forma de colocar-se no lugar daquele homem que você viu hoje, espremido dentro de um ônibus lotado no engarrafamento; ou daquela mulher que apareceu no Jornal Nacional, na fila do hospital público com o filho doente há dias e sem médico, sem remédio, sem diagnóstico e sem esperança. Imagine você que eles usam esta tal “camisa apertada” todos os dias. Já pensou?

Não se trata de comparar a sua vida com a de alguém em piores condições para sentir-se um sortudo não, mas de olhar ao redor para ter a real noção do quanto você é agraciado e talvez não se dê conta; do quanto tem gente feliz com uma vida que jamais lhe serviria... e muitas vezes você se sente sacaneado pelo destino.

Sabe, conheço "uma pá de gente" que não sabe pra que é que está no mundo:

-- Então a vida é isto? Nascer, crescer, ter um emprego, filhos, comprar casa, juntar dinheiro, aposentar e morrer?

Fico pensando... na tentativa de suprir este vazio, uns tentam encher a cofre, outros consomem e enchem o armário ou a garagem, outros se entopem de comida, bebida ou cigarros... há até os que colecionam parceiros amorosos ou missas na igreja. E o danado do vazio continua lá, vaziozinho da silva.

Tá bom, você vai dizer que estou sendo brega com este papo batido. Pode até ser que tenha razão, mas as coisas mais reais da vida em geral são bregas mesmo, ou você ainda não sacou?
Minha amiga continua:

-- O que mais vale para as pessoas não é o dinheiro não, porque dinheiro é fácil a gente dar e se livrar do problema. Todo mundo paga pra ficar sossegado, até quem não tem 1 centavo. O que as pessoas não dão é o tempo que elas têm.

Fico pensando no quanto ela tem razão, no quanto nos custa doar o tempo livre do domingo, o nosso fim de tarde, as noites de sono. E doar para quem necessita, que é o que mais há por aí, nem precisamos correr pra um asilo, um orfanato, um hospital... nas famílias perfeitas que gostamos de ostentar no Facebook, certamente tem gente precisando de atenção, mas estamos sem tempo pra ver. Entre os amigos mais chegados, idem.
Não, não é necessário ostentar o título de "voluntário"em algum trabalho assistencial. Sabe aquela sua amiga chata do trabalho, que vive reclamando de doença ou do marido autoritário? Pois é... cinco minutos de um papo com ela já podem fazer diferença, e seu braço não vai cair por causa disso.
Quanta coisa incrível a gente perde neste egoísmo, que tratamos com o mesmo luxo com que se trata um filho único e cheio de vontades, daqueles que botamos no mundo só pra estragar! Preocupados em satisfazer as próprias e infindas necessidades, em matar a nossa própria fome que não se sacia, vamos nos distanciando dos professores que poderiam nos ensinar sobre o valor real da vida. Os professores que estão por toda parte, na portaria do prédio, na esquina, no bar onde compramos cigarros, no trânsito, no dia a dia, na cozinha de casa e até na mesma cama.

Mas não há tempo nem prioridades outras neste mundo individual onde somos reis e súditos de nós mesmos, pagando tributos sem fim a estes milhões de vermes, que na forma de um ego faminto, nos devora sem que estejamos mortos.

 
Às vezes a simples presença de alguém pode fazer toda a diferença

7 comentários:

  1. As pessoas sao curiosas: nao tem paciencia para ouvir o que os outros tem a dizer mas passam horas diante de uma TV ouvindo baboseiras...

    ResponderExcluir
  2. Fernanda,

    Todas as vezes que vejo pessoas grudadas nos seus celulares, enviando e recebendo menssagens, conversando, dirigindo seus carros, andando pelas ruas ....eu lembro de uma frase que escutei num filme: tao ocupada, fazendo nada" seria a traducao ao pe da letra.......mundo doido em que vivemos, sem notar que estamos escravos de nos mesmos .......o que falta e "amor".

    Felicidades,

    Gilda Bose

    ResponderExcluir
  3. Mais um post excelente da sua fecunda lavra. Penso muito na confusão mental que se faz - com a influência da cantilena capitalista do trabalho acima de tudo - entre produzir e servir. O servir é até mais importante, pois está intrinsecamente ligado ao cuidado, ao altruísmo.Especialistas descobriram o que parece-me mais do que evidente: "a emoção mais saudável não é o amor (que cada um interpreta ou sente ou imagina de um jeito quase sempre "ROLIUDIANO", portanto,equivocado rs), mas sim...a generosidade (servir, ajudar, cuidar, ouvir, etc., enfim, doar o tempo possível, sem ganhar dinheiro) e, também, a gratidão".Bingo!

    Há estudos científicos comprovando que a generosidade é terapêutica, pois libera, consequentemente, a dopamina, que propicia o bem estar.Pelo menos comigo acontece e estou convicto intimamente a respeito destes estudos. O oposto... o egoísmo, comprovadamente pode levar à depressão.(Quase) lógico, né?

    O problema maior da "moral sanguessuga" do capitalismo predador é que ele exige a automação absoluta da personalidade do ser humano, para dedicar todas a suas forças vitais , quase que "full time", em prol do crescimento econômico do sistema.Aliás, etimologicamente, trabalho vem de tripalium...um instrumento de tortura da idade média. Com o perverso, explorador e cínico "TEMPO É DINHEIRO", o neoliberalismo elevou à pentelhésima potência a desvalorização da vida contemplativa (onde cabem a generosidade, o contato com a natureza, com as artes, com o prazer, com os amigos, etc.) em prol da atividade total.

    É impossível alcançar um estado de felicidade genuína (oposto à "vaziazinha da silva"do tipo: sorria, vc está sendo filmado rs) neste sistema que se sustenta pela exploração excessiva do trabalhador, subjugado aos ditames -quase sádicos- do detentor dos meios de produção que prospera através da espoliação da energia orgânica desta massa trabalhadora considerada descartável. Cruel em demasia, não?

    Na verdade,para os raros lúcidos...TEMPO É VIDA QUE NÃO VOLTA , NÃO PÁRA E DEVE SER USUFRUÍDA.

    Quanto ao fato de "crescer", suponho que é mais importante crescer emocionalmente, porque somos, antes de tudo, o que sentimos e não o que temos , parecemos, sabemos, ou o que imaginamos ser.

    O Dalai Lama mais uma vez e sempre, diagnostica os males da humanidade, luminosamente:

    "Os homens perdem a saúde para juntar dinheiro, depois perdem o dinheiro para recuperar a saúde.E por pensarem ansiosamente no futuro esquecem do presente de forma que acabam por não viver nem no presente nem no futuro. E vivem como se nunca fossem morrer... e morrem como se nunca tivessem vivido".
    Santé e axé!
    Marcos Lúcio

    ResponderExcluir
  4. Gostei do texto. Também vou ler os outros que me interessam.
    Sergio.

    ResponderExcluir

Dicas para facilitar:
- Escreva seu nome e seu comentário;
- Selecione seu perfil:----> "anônimo";
- Clique em "Postar comentário";
Obrigada!!!!!