Atendo o celular no viva-voz e meu melhor amigo diz
do outro lado da linha:
-- Vamos brincar amanhã?
Terminada a conversa, quando desligo o telefone, a
outra amiga, ao meu lado, pessoa daquelas que levam a vida a seriíssimo,
pergunta:
-- “Vamos brincar amanhã”?! Isso é uma senha?
Fiquei com preguiça até de explicar... mas expliquei:
-- É um convite pra almoçar.
-- E isso é brincar?
Fiquei quieta. Não ia adiantar explicar que sim, que
para o meu amigo e eu, um almoço com papo e risadas (e às vezes até uma
discussão pra apimentar) é uma tremenda brincadeira.
Quando a gente cresce, a brincadeira se torna uma lente, um modo de enxergar o mundo... e a maioria não sabe mesmo brincar. A maioria não sabe nem rir. Não tem tempo nem vontade pra isso, porque a vida urge lá fora, e ganhar dinheiro é mais importante. Quem quer ganhar dinheiro, estudar, alcançar sucesso, ter um milhão de amigos, viajar de férias para um destino exótico e postar a vida toda no Face... não tem tempo para brincar!
E aí fiquei
pensando no quanto a vida adulta se torna chata, neurótica e monocromática para tanta gente ,justamente porque
a brincadeira fica para trás. As pessoas se esquecem que brincar é bom, essencial para a saúde psíquica e para a alma... além de fazer bem à
convivência em geral, porque quem brinca tem mais bom humor.
Mas não: uma vez na vida cheia de compromissos, que
chega cada vez mais cedo, porque nem as crianças têm mais tempo para brincar, tamanha a lista de afazeres em suas agendas... nesta vida tão cheia o brincar perde seu valor e torna-se pejorativo, descartável, símbolo de perda de tempo e de perdedores, porque
os vencedores não têm tempo para brincar, estão sempre em busca de conquistar
algo, de bater recordes, de subir cada vez mais alto. E olham de cima para os brincalhões, geralmente vistos como infantilizados, idiotas, imaturos, pouco confiáveis.
Tá bom, Ô Cara-pálida, mas a Internet, uma série na TV, um livro, um cinema, um
jantar com amigos, uma caminhada pela cidade, uma corrida na praça ao lado do
seu cachorro... tudo isso é brincadeira de adulto, ok?
Inclusive brincar com
criança, o que é extremamente lúdico e faz a gente se esquecer do quanto nos
tornamos adultos, e "malas", e "sérios"... do quanto perdemos a inocência e a simplicidade das coisas, a
aceitação pura e simples do outro! Experimente brincar de “jogo da memória” com
uma criança de quatro anos, depois de um dia estressante, e se sentirá
revigorado! (Desde que esta criança, é claro, tenha tempo livre para o "jogo da memória...).
No amor, a brincadeira deveria ter seu lugar
especial e garantido, porque é ela quem assegura a leveza necessária para
atravessar os momentos de crise; mas o amor também virou coisa séria... pois vou te contar: rir
inesperadamente durante uma discussão é um santo remédio para mudar o rumo das
coisas, sabia? Manter o bom humor quando o outro está um pilha também ajuda a
acalmar os ânimos... assim como fazer do parceiro o seu verdadeiro melhor amigo
e, com ele, voltar a ser criança.
Inclusive o sexo é um bom exercício para isso,
porque até nesta área a seriedade entrou em cena para estragar a festa, seja
com a ditadura do prazer, do corpo ideal, do comportamento que se deve ter,
enfim, da “etiqueta sexual” apregoada pelas revistas femininas... e a
delícia da brincadeira, proveniente do afeto e da naturalidade, muitas
vezes se perde, levando junto a cumplicidade do casal e o melhor do encontro.
O brincar está em tudo, mesmo em cozinhar ou
em lavar um banheiro. Basta que a gente queira, que a gente se abra para o
lúdico, para a diversão que existe nas pequenas coisas do existir. Não fazer nada, olhar para o céu cheio de nuvens, ali na praça... e observar a paisagem, sentado em um banco, pode ser uma
tremenda brincadeira. Só depende mesmo é de como você olha para o mundo. Aí é que está a grande diversão da vida: ela nasce no seu olhar.
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