quarta-feira, 25 de julho de 2012

O limite entre a cerimônia e a sabedoria

-- Não quer um pedaço de bolo, minha filha?

-- Nããããão, obrigaaaaaaaaada...

Ao bom entendedor, meia palavra basta. E pela entonação da recusa, a dona Fulana, amiga da minha mãe, viu que eu, com meu apetite de infância, queria o pedaço de bolo, era lógico, e de preferência bem grande. Para minha total falta de sorte, ela entendeu a mensagem e me serviu um pedação, que tive que dar um jeito de jogar pela janela, lá no meio do mato da horta vizinha, já que a cozinheira era péssima e o bolo estava tão ruim quanto bonito, em cima da mesa.

Tudo isso para dizer que sempre fiz tudo direitinho, conforme minha mãe me ensinou... e quando alguém me oferece alguma coisa, eu tenho que recusar três vezes, que é o que manda a cerimônia. Se tiver a sorte de uma quarta oferta, aí sim posso aceitar.

Bem... confesso que nem sempre fiz tudo direitinho... e ontem mesmo, no restaurante, foi uma das vezes em que minha mãe teria secretamente pisado no meu pé, debaixo da mesa.

-- Com licença...

O casal da mesa ao lado me olhou surpreso, enquanto eu me dirigia à moça.

-- Mas eu preciso saber onde você comprou esta medalha de Nossa Senhora das Graças...

Trocamos meia-dúzia de informações sobre medalhas, lojas e milagres, e eis que ela, de repente, abriu o fecho da corrente e me ofereceu a medalha, com um sorriso benevolente que só não me fez engasgar com o lanche porque eu ainda não havia começado a comer.

Num átimo, minha cabeça virou um liquidificador e misturou tudo: a cerimônia que eu tinha que fazer, o olhar de repreensão do meu marido (que me conhece tão bem...), o susto diante do gesto da moça, a medalha...

Tentei, juro que tentei:

-- Nããããão... eu não posso aceitaaaaaar...

Mas ela era tão boa entendedora das palavras quanto a dona Fulana, lá do começo da história, e insistiu sorrindo.

-- Pode ficar. É de coração.

Eu estava à beira de morrer de vergonha, mas... aceitei. E lá do céu, acho que minha mãe, vendo a situação, pensou no quanto sempre fui um pouco rebelde, como ela costumava dizer. E acho também que Nossa Senhora saiu logo em minha defesa e limpou a minha barra... porque Ela entende, eu sei, que obediência tem limite, e que também é divino aceitar os presentes que a vida nos traz, principalmente quando eles vêm embrulhados num gesto de autêntica doação.


8 comentários:

  1. Veja como são as coisas. Por aqui, eu como marido ficaria também na retranca pelo impulso da minha mulher, mas a verdade é que a medalha ficou definitivamente divina em você. Tem coisas Fernanda "tenho absoluta certeza do que vou dizer" Tem coisas que a pessoa que te deu foi apenas o transporte para que, no caso a medalha de Nossa Senhora das Graças chegasse até você e, naquela hora. Nem antes nem depois. É possível que você tenha sido livrada de algum acidente ou coisa semelhante e neste caso, você está sendo cuidada por ninguém menos do que NS das Graças. É pouco? Vamos retornar ao momento: Você viu a medalha e 'resolveu' perguntar. O resolveu + a insistência da pessoa em te presentear a medalha, se visto por outro ângulo (o dos maridos) não teria lógica nenhuma. Mesmo assim, descontada toda melindre da situação do oferecer e aceitar, a medalha foi parar no seu pescoço.

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    1. Alfredo, eu também acho que não foi por acaso: acho que Nossa Senhora me mandou um recado sim...

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  2. Sem duvida o mais interessante desse "causo" todo foi a espontaneidade da pessoa que, sem te conhecer; sem saber as suas reais intencoes, retirou do pescoco e te deu a medalha.
    Uma acao sem interesse. Apenas pura.
    E eh assim, de surpresa e surpresa, que vamos descobrindo certos valores, certos tipos de pessoas que pensavamos que nao mais existiam.
    Parece que voce teve a sorte de encontrar uma dessas. Sorte sim, pois pessoas como a que voce encontrou sao catalogadas como "raca em extincao" na nossa selva urbana.

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    1. Ariel, pensei e mesma coisa: e não é que ainda existem pessoas assim no mundo?

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    2. Como duvido de quase tudo, mas acredito em afinidades positivas
      nas trocas existenciais e, também, nos estranhamentos "negativos" dos atritos com "unziotros" (fazem parte do necessário aprendizado e/ou evolução)...vejo a causa da doação desapegada da medalha, como um efeito da sua espontânea e bem intencionada pergunta.

      Colhemos, quase sempre, ainda que inconscientemente, o que semeamos. Você mereceu a medalhe e ficou linda no seu belo colo.

      P.S.:Sou a favor do oportuno comentáriio do Sou Contra(Ariel). Suponho que, além de você, queriDannemann, muitos _ "et moi aussi", levando em consideração o que os mais próximos dizem_ ainda sejamos boas pessoas...tanto que o mundo ainda está de pé...oxalá!!!

      Abraço forte!
      Marcos Lúcio

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  3. Fernanda,uma medalha nesse estilo,ou uma miniatura de imagem (seja de qq santo) trás muita sorte para a pessoa que ganhou,sabia? Mas só funciona se for presente,a gente comprar não vale. Bjs.

    Monica.

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    1. Monica, eu realmente acho que este presente veio mesmo foi de Nossa Senhora!

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