quinta-feira, 30 de agosto de 2012

Muitas possibilidades brotam de uma única perda

Nunca me esqueci da perplexidade da Paula Peres, minha amiga preferida na infância:

-- Mas como é que pode, ter tirado 2,5 na prova e estar assim, tão tranqüila?!

E eu, aos onze anos, dei de ombros enquanto mandava brasa no pão-doce de canela e côco que comíamos todos os dias, na saída da escola.

No fundo, estava enganada, a Paula Peres, que não percebeu minha angústia pela nota baixa. Uma angústia que eu mesma rejeitava, por entender que não me ajudaria a desvendar os mistérios da matemática. Eu estava diante de um problema difícil, mas sabia que chorar pelo leite derramado não me ajudaria em nada.

Justamente por eu não ser capaz de aprender aquelas equações sozinha, e por passar pelo dissabor de uma nota tão baixa e um castigo sentenciado por meu pai, minha mãe me arranjou uma professora particular, a Ângela, que me ensinou o quanto os números podem ser divertidos. Resultado: aprendi de verdade e, por isso, passei a tirar dez nas provas. O que pareceu terrível, num primeiro momento, revelou-se oportunidade.

Mas a lição mais importante eu ponho em prática até hoje: diante de qualquer experiência mal-sucedida, vasculho todos os cantos da situação em busca dos ganhos... que sempre existem, mesmo que eu não consiga vê-los de imediato. Os ganhos estão ali, e quanto mais abrimos os olhos para a vastidão que pode ser a vida, maiores são as novas possibilidades, que brotam, como flores, de um único pé de perda.

O segredo está no fato de que as aparências enganam, e nem sempre a vida é o que parece. Nem sempre, por exemplo, uma perda é uma perda. Aquela mulher que não te ama e vai embora não é uma perda. Aquele emprego que não te realiza e um dia vira um bilhete azul sobre a mesa não é uma perda. Aquele amigo que trai sua confiança... aquele dinheiro que virou fumaça no divórcio litigioso e que por tanto tempo te aprisionou em um casamento infeliz... aquela promoção que não saiu e que dobraria seu salário, mas faria de você um escravo...

Note que a vida é muito mais do que podemos perceber, em um primeiro momento. É preciso cuidado com as deduções que fazemos e com as decisões que tomamos, porque a realidade é muito maior do que nossos olhos alcançam e nossas emoções nos permitem ver.

A verdade tem sempre muitos lados, a realidade tem muitos ângulos, a vida tem muitas possibilidades... e nós temos só dois olhos para ver e um coração para decifrar tudo isso.



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terça-feira, 28 de agosto de 2012

O segredo do pajé

Hoje faz um ano que o velho Dannemann pegou aquele bonde com destino a outro mundo. Um ano também que recebi do André, amigo leitor deste blog, um trecho escrito pelo Érico Veríssimo, ao qual tantas vezes recorri durante este tempo.

Entendi o pajé: o velho Dannemann segue vivíssimo no gestual e no rosto expressivo que me deixou como herança; no meu jeito livre de ver o mundo e nesta vontade enorme de viver. Nas veias e na história de cada um dos seus descendentes. Eu o vejo frequentemente em mim mesma, e agora entendo melhor o quanto inquebráveis são os laços de sangue e também os do amor: laços que distância nenhuma (nem mesmo a distância aparente da morte) é capaz de desatar.

O segredo do Pajé

“ Um dia o pajé me chamou à sua oca. Entrei. Fui recebido com esta pergunta:
— Tibicuera, qual é o maior bem da vida ?
— A coragem — respondi, sem esperar um segundo.
— Só a coragem ?
Embatuquei. O pajé ficou sorrindo por detrás da fumaça do cachimbo. Gaguejei :
— A... a...
O feiticeiro me interrompeu :
— O pajé é corajoso, mas de que vale isso ? Seu braço não pode levantar o tacape, seus pés não têm mais força para correr...
— Ah ! — exclamei. — Mas tu és poderoso, sabes de remédios para todas as dores, consegues tudo com as tuas mágicas.
O pajé continuou a sorrir. Sacudiu a cabeça:
— Ilusão — disse. — Pura ilusão.
Depois dum silêncio curto, tornou a falar :
— O maior bem da vida é a mocidade. Um dia Tibicuera ficará velho. Atirado na oca, tecendo redes. Não pode mais ir para a guerra. O jaguar urra no mato e Tibicuera não tem força para manejar o arco. Tibicuera é mais fraco que mulher.
Escancarou a boca desdentada. Eu escondi o rosto nas mãos para não enxergar o fantasma da minha velhice.
— Pajé... Tibicuera não quer ficar velho. Ensina-me um remédio para vencer o tempo, para enganar a morte. Tu que sabes tudo, que viste tudo, que falaste com o grande Sumé...
O pajé continuava a me olhar com os olhos entrefechados. Bateu na testa com o dedo indicador da mão direita.
— O remédio está aqui dentro, Tibicuera. Não há feitiçaria. O pajé gosta de ti. Ele te ensina. Escuta. O tempo passa, mas a gente finge que não vê. A velhice vem, mas a gente luta contra ela, como se ela fosse um guerreiro inimigo. Os homens envelhecem porque querem. Só muito tarde compreendi isso. Tibicuera pode vencer o tempo. Tibicuera pode iludir a morte. O remédio está aqui — tornou a bater na testa. — Está no espírito. Um espírito alegre e são vence o tempo, vence a morte. Tibicuera morre ? Os filhos de Tibicuera continuam. O espírito continua : a coragem de Tibicuera, o nome de Tibicuera, a alma de Tibicuera. O filho é continuação do pai. E teu filho terá outro filho e teu neto também terá descendentes e o teu bisneto será bisavô dum homem que continuará o espírito de Tibicuera e que portanto ainda será Tibicuera. O corpo pode ser outro, mas o espírito é o mesmo. E eu te digo, rapaz, que isso só será possível se entre pai e filho existir uma amizade, um amor tão grande, tão fundo, tão cheio de compreensão, que no fim Tibicuera não sabe se ele e o filho são duas pessoas ou uma só.
Eu olhava para o pajé, mal compreendendo o que ele me ensinava. Quando voltei para minha oca fiquei por longo tempo olhando para meu filho que dormia na rede.
E eu me enxerguei nele, como se a rede fosse um grande espelho ou a superfície de um lago calmo. ”

segunda-feira, 27 de agosto de 2012

As ovelhas negras mudam o mundo

Comecei com um documentário sobre Freud... e vi que ele nunca teve olhos de criança; acho que nasceu cheio de certezas e sabedor de seu papel no mundo. Chamado de “tarado”, “sujo” e “nojento”, me fez pensar em Nelson Rodrigues, maldito também por dizer, entre tantas outras coisas, que “tarado é qualquer pessoa pega em flagrante”...


Depois fui viajar no You Tube e encontrei outra ovelha negra, o Elvis, que também quebrou paradigmas e ajudou a mudar o mundo. Imagina o que deve ter sido, em plenos anos 50, o roqueiro romântico e malucão chegar rebolativo e sensual, com cara de “estou sofrendo, mas vou te pegar já, já!”...e a mulherada fica doida até hoje! (Ai, ai...).
Enquanto as vaquinhas de presépio se deixam levar pela correnteza, as ovelhas negras remam contra a maré... e mudam o curso das águas. Olha aqui de onde que o Michael Jackson tirou inspiração:



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sábado, 25 de agosto de 2012

O coração não corre se o cérebro não deixa

Lembro como se fosse ontem: passei o dia contando as horas para vestir o conjuntinho de calça e paletó de veludo cotelê azul turquesa e, finalmente, ir ao circo. Na hora marcada, às 7 da noite, a Tiana, que trabalhava lá em casa, apareceu na porta e riu ao me ver mais do que pronta.

Eu tinha cinco anos e, para mim, era um tremendo acontecimento estar na plateia daquele circo, montado num terreno baldio lá na cidadezinha do interior: o bom de ter cinco anos é que qualquer coisa é igual à Disneylândia, o que torna facílimo ser feliz.

Ainda vejo o exato instante em que, pela primeira vez na vida, senti um choque de emoção: minha garganta se fechou quando vi o Jair Rodrigues em pleno picadeiro, usando um terno azul piscina e cantando seus hits da época, enquanto chamava, efuzivamente, algumas crianças para cantar com ele lá na frente.

Eu era fãzérrima de Jair Rodrigues e lembro do meu coração acelerado, da respiração ofegante, do ímpeto de me levantar e correr ao picadeiro... e da ordem cerebral de continuar onde estava.

E a voz da Tiana, ansiosa:

-- Vaaaaaai, Fê!!!!!!!!!!!!!!!!


Pensei demais e faltou coragem. E a noite virou uma assombração que, vez por outra, torna à minha mente e pergunta:

-- Por quê?

Poucos anos depois, aos oito, empaquei na hora de entrar no palco do teatro quando o apresentador da gincana escolar pronunciou as palavras fatais.
-- Senhoras e senhores... agora, Fernanda Dannemann, do segundo ano, vai dublar "Oh, Carol!"...

Paralisada e com o coração pulando aos solavancos, vi quando minha irmã, lá da plateia, me incentivava com as mãos e fazia a mímica:

-- Vaaaaaai, Fê!!!!!!!

Eu fui, mas por um triz. Quase que fico ali mesmo, escondida atrás da cortina... e quando penso nisso a assombração da noite do circo volta e pergunta:
-- Por quê?
Então, mais de trinta anos depois da noite em que não cantei com o Jair Rodrigues, estava eu em plena praça Santelmo, em Buenos Aires, enfeitiçada diante do casal de mandava ver no tango, quando o dançarino (charmosíssimo) começou a convidar as mulheres da plateia para uns passinhos.

Gelei.

A situação era tão semelhante que cheguei a pensar que estava usando o tal conjuntinho azul turquesa.

A mesma respiração cortada, a mesma fervura do corpo, entre o ir e o ficar... entre o correr para o desejo e o esconder-me dele. A mesma disputa entre o cérebro e o coração, a mil.

-- Vaaaaaaai Fê!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

Era o meu marido quem dizia, desta vez, a frase que a Tiana deixou solta no ar.

Não preciso dizer que não fui.

Mas sabe, é por isso que gosto tanto do filme “Forrest Gump”, que tem aquela cena mágica em que ele é perseguido pelos colegas de escola e, mesmo com aparelhos nas pernas tortas, sai correndo quando ouve de sua melhor amiga a frase que mudou tudo.

- Cooooooorre, Fooooorrest!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

E é a esta cena que passei a recorrer diante daqueles desafios que às vezes surgem, vitórias grandes ou pequenas que me parecem quase impossíveis... seja porque avalio demais os riscos, evito a mais remota possibilidade do ridículo.... ou porque me falta coragem para ceder ao impulso, ou confiança para me lançar ao atrevimento.

Penso que sou o Forrest...
E coooooooorro!


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quinta-feira, 23 de agosto de 2012

E por falar na criança que a gente foi...

Estava passando pela rua quando, de repente, aconteceu de novo: precisei só de um segundo para ser teletransportada pelo tapete mágico da minha imaginação e voltar no tempo. No exato instante em que meus olhos caíram sobre ele, voltei a 1976, aos meus exatos oito anos:




Quando dei por mim, eu estava de pé, na pracinha em frente à escola, olhando as crianças que, entre um pique-esconde e outro, eram chamadas pela "tia" Inês: sentada num banco, sob um Ipê amarelo, ela costumava nos ensinar a ler em fichinhas de papel que continham frases pequenas e desenhos coloridos, feitos à mão.

Eu assistia a tudo como se fosse no cinema, e de repente vi a menina de oito anos que eu fui, correndo pela praça, em volta daquele Fusquinha cor de rosa, maravilhada com ele, louca por uma volta, louca por dez voltas, por mil voltas a dez quilômetros por hora, que era pra poder curtir ao máximo! E pude ver quando a menina, já sentada no lugar do carona, fechou os olhos para viajar de verdade, enquanto o carrinho corria pela praça... e ela respirava fundo de contentamento, viajando pelas estradas da sua imaginação. Aproveitei o momento para curtir aquela alegria com ela.

Não foi a primeira vez que estive diante da menina que eu fui. Às vezes faço este caminho de volta, principalmente quando, por alguma razão, sou levada, pelas lembranças, a momentos em que minha infância doeu.

Sempre que volto ao passado e encontro aquela menina que sofre por desamparo ou por medo, por tristeza ou pela solidão que nos causa sermos os “diferentes” que não se encaixam ou não se adaptam... ah... sempre que volto lá e a vejo... posso brincar e conversar com ela; beijar suas bochechas e as mãozinhas sempre geladas; dizer que espere com paciência, porque tudo vai ficar bem... e que ela um dia vai se tornar um adulto legal... e conto que eu sou a mulher adulta que a aguarda no futuro... e vejo que ela sorri confiante.

Ao fim de tudo, sempre sinto um curativo em meu coração, e acho que tenho mesmo um: a criança que fui torna-se forte mesmo estando tão longe, e o adulto que sou torna-se leve...

Dia desses, o Marcos Lucio Pinto citou aqui no blog umas palavras que gosto muito, do Jean Paul Sartre:

"Não importa o que fizeram com você. Importa o que fizeste com o que fizeram de você".

Faça de si mesmo a sua melhor obra. E se não for possível, tentar já vai valer bastante a pena.

domingo, 19 de agosto de 2012

Não se procure "lá"; você está aqui!

Fui ver um filme de ação bem idiota, daqueles cujas imagens engolem a gente sem nos dar tempo pra pensar.  Eis que, entre uma pipoca e outra, apareceu um personagem pra dizer a frase que não saiu mais da minha cabeça. Foi mais ou menos assim:

-- Você quer saber quem é e busca as respostas no passado. Mas ela está no presente.
Passei o resto do filme ouvindo o eco destas palavras.
Pensei em todos os anos que vivi escarafunchando o passado à procura de respostas sobre quem eu sou, sobre o porquê de ser assim ou assado, sobre a semente que germinou e deu no que deu.
Então, um dia fiquei cansada de bancar a detetive de mim mesma. Simplesmente cansei, e meu guia psicanalítico levou um susto “daqueles”.
-- Assim? De um dia para o outro você resolve parar com tudo?
Foi isso mesmo. E justamente porque, antes de ver o tal filme, tive o insight do personagem lá de cima... entendi, de uma hora pra outra, e justamente por causa do autoconhecimento que conquistei, que aquela criatura lá atrás não é mais eu; é uma outra Fernanda, e que só vive mesmo nas lembranças: no final das contas, está tão morta quanto qualquer um que já tenha cruzado a linha para o Outro Lado. Ela só revive quando a convoco com meus pensamentos, e para mostrar-se tão diferente de tudo o que eu sou agora: ajuda-me a entender o "antes", que é história, para viver melhor a realidade.
Eu, em carne e osso, em emoções e sentimentos, estou aqui no hoje que pede para ser vivido, mesmo sem que o psicanalista tenha me dado alta.
A gente nunca está pronto para as novidades que a vida traz; aprende no tranco a ser adulto e depois velho, a ser filho, irmão, marido ou mulher, pai ou mãe, profissional, pessoa de bem ou do mal. Aprende na luta a aceitar o que não tem remédio, a não sofrer por causa de um dinheiro perdido ou de uma vaidade ferida, a entender as diferenças e a deixar para trás. E nada disso está lá no passado, como um código a ser eternamente decifrado.
A busca incessante de respostas no passado diminui o valor da vida porque tira os nossos olhos do que efetivamente temos: as oportunidades e as consequências do hoje. O hábito de justificar problemas de agora usando o pretérito desvaloriza a vida.
Melhor pensar que esta conduta pode vir a fazer-nos pagar a mais cara de todas as faturas, quando, já no fim, nos dermos conta do desperdício em que estivemos vivendo.

Esta moça já não existe mais...

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quinta-feira, 16 de agosto de 2012

Papo popular

Entrei no ônibus e peguei a conversa pelo meio: não faltava assunto ao motorista, um negão cariocão fortão, e a trocadora, loura artificial que pintava as unhas de azul ali mesmo na roleta.

Era ela quem tinha a palavra:

-- ... ele morreu no dia 4 e quando a viúva foi receber o salário dele, o dinheiro já tinha sumido...

-- vão ter que devolver...

-- O salário do mês virou pensão.

-- Mas isso não tá certo. Ela trabalhou? Quem tem direito a pensão é o trabalhador! Viúva ficar com pensão? Só no Brasil que isso acontece!

-- Ah, então dona de casa não aposenta?!

-- Dona de casa que não trabalha não tinha que ficar com o salário do morto! Quer aposentar? Então paga hoje pra receber amanhã, como lá nos Estados Unidos, né? Por isso é que a Previdência tá falida!

-- E filha de militar?

-- Ah, essas levam o que sobra. E o trabalhador ó...

Silêncio por alguns segundos, e ele volta à carga:

-- Vê se esse negócio de mensalão acontece lá nos Estados Unidos, ainda mais em pleno ano eleitoral... vai ferrar um monte de oportunista!

A trocadora acompanha a mudança de assunto e responde, cheia de razão:

-- Vai nada! Já viu político levar a pior?

-- O Jader Barbalho se ferrou! E o Cachoeira vai se ferrar também, cê vai ver!

-- Vai não, o Cachoeira tem muito mais dinheiro que Jader Barbalho...

-- Mas o Maluf não se elege mais!

Eu já me preparava para descer no próximo ponto quando a conversa tomou um rumo inesperado:

-- Vai lá no churrasco?

-- Tô dobrando hoje.

-- Tá vendo como o trabalhador leva sempre a pior?

-- O problema do Brasil é esse...

-- É o que eu tô dizendo...

quarta-feira, 15 de agosto de 2012

Um pratinho de experiência de vida

À beira de completar os 87 anos, minha amiga bate o martelo:

-- Cortei o doce!

Antes que o leitor imagine que ela cortou, mesmo, do verbo “cortar”, uma bela fatia de doce de leite ou de bananada (duas de suas especialidades culinárias, aliás), eu digo que não: ela cortou do verbo “abolir”, “parar de”, “extinguir” e eticétera.

Levo um susto com uma decisão assim tão... “decidida”:

-- Por quê?

E ela responde cheia de razão,  já que afinal falava o óbvio:

-- Faz mal!

Mas péraí... resolveu assim, de repente, aos quase 87, parar de comer doce? Não parece um despropósito? Lembrei de uma senhora conhecida, fumante de quase toda uma vida e que foi obrigada a abandonar o cigarro aos 90 porque estava com câncer no seio. A coitadinha parou e padeceu seus últimos dias sem a fumaça costumeira para aliviar o estresse. Adiantou alguma coisa?

Minha amiga hoje está conversadeira e me tira do devaneio ao dizer, meio revoltada:

-- As pessoas me encontram e dizem “nossa, você está tão bem...”. Estou “bem” é uma ova! Posso até estar arrumadinha, mas eu é que sei da dor que bate aqui e que bate ali... ai, credo!

Tento ser solidária.
-- Velhice é muito ruim, né?
Ela escorrega no mineirez e exclama:
-- Ô! Sem dinheiro, então, é um desastre! E o povo pensa que velho já morreu e se esqueceu de deitar. Dia desses a empregada me perguntou por que é que eu não dou as minhas roupas. Perguntei por que é que ela não dá as dela... e tem mais: ninguém conversa com velho, ninguém pede opinião ou entende que a gente  é adulto. Mas se você quer saber é até melhor, sabe, porque  conversar dá um trabalho danado! Demora, custa, a voz não sai direito... discordar, então... ai que preguiiiiiiça... dá um trabaaaaaaalho... então eu concordo com tudo. Por isso mesmo vou te dizer que mudei de ideia porque você tem razão: desisti de cortar o doce. Passa a faca aí que eu vou cortar de verdade um pedaço desse queijo pra acompanhar.

Experiência de vida? Eita coisa boa, sô...

domingo, 12 de agosto de 2012

A anestesia é a maior de todas as fofoqueiras

-- Me dá um beijo na boca?

Imagina a cara da minha amiga ao ser informada, pelo marido, que foi esta a primeira pergunta que ela fez ao médico, quando acordou da anestesia, em pleno centro cirúrgico... o doutor, bem bonitão, inlcusive, era amigo da família e contou o ocorrido como se fosse piada. Todo mundo achou graça, menos o casal em questão: ela ficou para sempre roxa de vergonha, e ele ficou com a pulga atrás da orelha. Por que, afinal de contas, a mulher foi pedir beijo na boca para o médico?

Esse lance de anestesia é um periiiigo: naquele estado ainda meio inconsciente, quando estamos fora do nosso juízo, acontecem as maiores barbaridades... nem a Ciência explica o que é que rola no nosso cérebro, mas o fato é que a equipe médica acaba sabendo os "segredos mortais" de muita gente. Fico até pensando que, em outros casos, uma dose de anestesia é capaz de valer mais que várias sessões de análise, porque a verdade que não enxergamos a olho nu pode, repentinamente, pular garganta afora. Foi o que aconteceu comigo, por exemplo, que sou pessoa "esquentada", quando, aos prantos e ultra grogue, pedi perdão ao meu marido:
-- Deeeescuuullllpaaaaa...
E ele:
-- Por quê?
-- Porque eu sou uma estttúúúúúpppppiiiiiiddddddaaaaa...
Por falar nisso, tenho um amigo que andava sofrendo as agruras de um  casamento falido e não perdeu tempo... tentou bancar o Dom Juan com a anestesista e, mais tarde, enquanto era conduzido ao quarto, gritava a plenos pulmões pelos corredores do hospital:
-- Casamento é uma booooooosta!!!!!!!!!!!!!!!!!
E meu ex-sogro, que tocou um rebu danado na sala de cirurgia quando entrou numas de passar a mão na bunda das enfermeiras? Elas levaram na brincadeira, é claro, e até deram risada. Mas imagina só a situação!
Mas a pior de todas as “saias-justas anestésicas” que conheço é a da minha amiga Norma, que ao ser levada ao quarto, depois da cirurgia, deu de cara com a sogra e acabou verbalizando tudo o que, durante anos, só dizia em pensamento:

-- Vai à merda!

Moral da história: se for tomar anestesia geral, visita de família é só no dia seguinte!


sexta-feira, 10 de agosto de 2012

República Federativa das Minas Gerais


"Belzonte" pode ser a capital do estado... mas Ouro Preto é a capital das republiquetas estudantis mineiras... cujos nomes de batismo, por si só,  dão uma boa ideia a respeito do  clima dentro de casa... e dos moradores também.

Lá, tem república para todas as tribos, correntes políticas ou filosóficas e preferências pessoais.

Aqui, por exemplo, o povo gosta de tomar umas e outras...


Aqui menino não entra! (Será messsss?)


E por aí vai...


Muitas delas colocam um aviso pregado na porta, avisando que há vagas; mas isso é o retrato dos tempos: conversando um com ex-estudante, chegado do nordeste para o curso de Letras, e que nunca mais conseguiu sair de Minas, fiquei sabendo que nopassado as vagas eram disputadas a tapa.

O candidato, chamado de “bicho”, tinha que passar todo o primeiro período sendo achincalhado pelos colegas de moradia, e só seria definitivamente aceito se, ao final deste período, tivesse suportado as mais cruéis ou ridículas situações. Você aguentaria usar uma tampa de vaso sanitário pendurada no pescoço durante seis meses? Aguentaria ter que percorrer todas as repúblicas da cidadela para saber onde é que a sua mala estaria escondida? Suportaria passar por serviçal do “presidente” da dita república e ter que atender todas as solicitações feitas por ele? Ou ter que tomar um tremendo porre para depois bancar a Gisele Bundchen numa passarela em praça pública, enquanto todos se divertiriam à custa da sua bebedeira?

Não foram poucos os “bichos”  que desistiram da vaga e foram embora aos prantos, traumatizados. Minha fonte mesmo foi um deles, inclusive porque, segundo conta,  as repúblicas puxavam a sardinha para os estudantes de engenharia, em detrimento de todos os que fossem de Humanas. Meu co-piloto matou a charada na hora:

-- É que a turma da engenharia topa estas paradas todas... e ainda dá risada.

Como nem todos os estudantes do mundo são chegados a geometria, a era hard parece estar chegando ao fim: como conta meu “entrevistado”,  os estudantes mais abastados passaram a rejeitar a prova de fogo dos trotes e começaram a alugar apartamentos na cidade,  o que refletiu diretamente na economia das republiquetas. Agora a coisa está mais leve, parece, e a turma de Humanas finalmente vem conquistando seu lugar ao sol.

Espero que os novos tempos não acabem com esta parte tão tradicional quanto pitoresca de Ouro Preto, cujo charme definitivamente não se limita ao circuito das igrejas. Andar pela cidade e descobrir uma nova república a cada esquina é uma aventura que fica melhor ainda quando a gente olha para elas com os olhos do estudante que fomos... em busca daquela em que gostaríamos de viver.

terça-feira, 7 de agosto de 2012

Qual é seu "ratatouille"?

Até quem não gosta de comida, porque estes tipos existem, e quem, em nome da dieta,  foge de um prato de arroz com feijão igualzinho o diabo foge da cruz... sim, até este povo tem o seu “ratatouille”.

O meu é este aqui, ó:


A quem não viu o filme do rato expert em comida, e do crítico de gastronomia que viajou  no tempo ao provar uma receita que a mãe fazia quando ele era pequeno, vou explicar: eu não preciso nem botar a costelinha de porco na boca... ou aquela mistura dos deuses, chamada “angu com feijão”... só preciso olhar a comida em cima da mesa, ou sentir o cheiro dela, para ser imediatamente teletransportada à casa da minha mãe, onde o almoço era quase todos os dias assim. Era uma casa mineira, uai!

-- Você tem que ver a sua cara quando come isso...
Meu marido gosta de me levar aos legítimos restaurantes mineiros só para ver minha satisfação. Mas tem que ser legítimo: restaurante mineiro fora de Minas é como restaurante brasileiro fora do Brasil. A pior feijoada que já comi na vida foi em Buenos Aires, num estabelecimento “brasileiro”  bem famoso lá.

Este negócio de “ratatouille” existe mesmo. Lembro de um amigo que adorava comer arroz papa porque era assim que comia em sua infância, na casa da mãe. A tal senhora não sabia muito bem pilotar o fogão, mas o rapaz não queria nem saber: cresceu comendo arroz papa e era de arroz papa que ele gostava. O soltinho, em sua opinião, era  coisa de quem não sabia cozinhar.

Tive um namorado que adorava cantar glórias ao talento culinário de sua mãe. Falava dos sanduíches que levava de merenda para a escola, dos almoços de domingo e de uns pratos que eu achava bem esquisitos, como uma mistura que ela fazia com tomate e feijão.  Quando a conheci, fui logo dizendo que estava curiosa para experimentar seus quitutes, porque o filho havia dito que ela era fera na cozinha.

-- Eeeeeeeuu?!

Ela não precisou dizer mais nada: entendi imediatamente que se tratava de um caso típico de “ratatouille”.

Dia desses descobri que o “rata” tem suas variações. Um amigo mais novo, pertencente à geração cujas mães trabalhavam fora (e demais), e que foram mais criados por empregadas do que por suas genitoras, não titubeou ao revelar seu “ratatouille”... que, longe de sair do livro de receitas materno, saiu mesmo foi do comercial de televisão:

-- Cheetos.

Como se vê, o paladar tem seus segredos insondáveis, tanto quanto a memória afetiva de cada um. Por falar nisso... ai que vontade de comer um pão de queijo!


sábado, 4 de agosto de 2012

O ouro de Minas é preto

A sugestão é a seguinte: depois de uma ou duas noites dormidas em Tirandentes, acorde cedinho e toque para Ouro Preto, a cidadezinha que é verdadeira jóia encrustrada nas montanhas de Minas. Não virou patrimônio histórico e cultural da humanidade à toa: é uma beleza tão grande de se ver, de longe e de perto, que chega a emocionar a gente.


Caminhei pelas ruazinhas falando assim com meu co-piloto: 
(Entra agora o sotaque lusitano).

-- Aaaaai que vontade de conhecer Portugaaaal, ô gajo! Quero passear por Lisboa, pelo Porto, por Algaaaaarve, ô pá!!!!!!!

Voltemos a Minas.

A beleza estonteante da viagem começa já na estrada secundária que liga Tirandentes ao destino final. É perigosa, vou logo avisando: nunca vi uma estradinha tão cheia de cruzes ao longo de suas curvas. Mas nos reserva imagens maravilhosas:


É uma delícia dirigir por aqueles caminhos! Eu me fiz de desentendida e fui a 60 por hora, nem aí para os motoristas estressadinhos que me pressionavam com seus faróis de milha, sobretudo os 4X4 que eu, sinceramente, não sei como se viram pelas ruelas ouropretenses, que vão aos poucos se afunilando até virarem bequinhos, e que muitas vezes revelam-se mesmo becos sem saída!
Infelizmente, na estrada de mão dupla, a gente de repente fica preso atrás de um caminhão que há muito se esqueceu o que é “revisão anual”:

-- Fecha o vidro que lá vem fumaaaaaça!


Ouro Preto é uma cidade mesmo "do mundo", porque o mundo inteiro está lá: chinês, japonês, europeu, americano, brasileiro... e ali também temos que pagar para entrar nas igrejas, que reinam absolutas na montanha ou se misturam, inesperadamente, ao casario. Olha esta, que beleza!


 Mas a cobrança de ingressos realmente torna o passeio muitas vezes impossível... de 5 a 8 reais por pessoa para cada igreja... não dá! Sabe lá quantas igrejas há para se ver em Ouro Preto?! Eu, que já falei que não pago para entrar na casa de Deus, só entrei naquelas em que tive a sorte de chegar na hora da missa. Como me avisou o bilheteiro de uma delas:
-- Na hora da missa não precisa pagar não.

E eu não aguentei:

-- Pudera... Jesus desceria em pessoa para dar um chilique igualzinho àquele que Ele deu lá no templo de Jerusalém, transformado em shopping center.

As lojas de pedras vendem bijouterias lindas a preços para todos os bolsos, os restaurantes e pousadas também estão ali para todo tipo de cliente, mas as ladeiras... estas são apenas para quem tem joelhos bons ou sabe dominar muito perfeitamente um carro. Todo cuidado é pouco na hora de desbravar a cidade.


A gente vai andando e se maravilhando com coisas muito simples de se ver...




Ouro Preto tem outra coisa especial: o clima de alegria e esperança, tão típico da juventude estudantil. Ali estão estudantes chegados de todo o Brasil e até do exterior, que à noite enchem as ruas e os barezinhos, enfeitando tudo com seu alto astral. Muita música, muito bate-papo, muita alegria e clima de romance no ar. E a cidade dorme tarde em meio a tudo isso, para acordar de um sono feliz às seis da manhã, quando os sinos das sei lá quantas igrejas centenárias começam a badalar: que bom! Nasceu o dia! É hora de passear!

quarta-feira, 1 de agosto de 2012

Em Minas, todos os caminhos levam ao motel

Depois de um bom tempo sem visitar a minha Minas Gerais natal, fiquei surpresa com a proliferação de motéis na região.

Lembro quando, numa viagem de férias, eu, que estava aprendendo a ler, achei que alguém havia cometido um erro de grafia. Apontei a placa e perguntei:
-- Mãe, o que é motel?

E ela, bicha expert em responder a crianças curiosas, mandou esta:
-- É hotel em inglês.

Muitos anos depois, fiquei sabendo que motel não tinha nada a ver com inglês, e tudo a ver com outras coisas...
Eis que um dia a notícia correu solta na cidade em polvorosa! Não é que bem ali pertinho, numa das muitas curvas da estrada, foi inaugurado o “Gold Star Motel”???
Àquela época seria impensável para mim, dar um pulo até lá pra conhecer: imagine se eu fosse vista por algum mineiro fofoqueiro! Cairia na boca do povo e de lá jamais sairia. Além do mais, meu pai era uma fera cheia de dentes e acho que seria capaz de “acabar com a minha raça”, como dizia minha mãe, quando queria impressionar e botar medo na gente.
Assim sendo, eu morria de curiosidade  mas nunca tive o prazer de conhecer o “Golde”, como acabou apelidado pela turma. Também não tive notícias de alguém que lá tivesse ido... porque quem ia não contava pra ninguém.
E quando algum maledicente queria sujar a imagem de certa pessoa, lançava logo as palavras malignas:
-- Disseram que Fulana foi vista entrando no Golde...
Prooooonto! A reputação da Fulana caía em descrédito, e ela passava a ser olhada com desconfiança:
-- Bem que eu sempre achei que ela tinha cara de biscatinha!
Quando vim morar no Rio de Janeiro, soube que a famosa “Rua dos Motéis”, na Barra, pertinho do “Bar do Oswaldo”, que vendia as também famosas batidinhas de cachaça para o aquecimento pré-motel, era quase uma lenda. Lembro que a gente passava de carro por ali pra ver o movimento e os letreiros iluminados. Uma vez a turma parou o carro lotado e  todos descemos para provar as batidas. Alguém avisou que a de côco era a melhor, mas eu detestei todas e ainda cheguei em casa meio de porre, o que me fez tomar um pito da minha mãe, que só dormia quando todos os filhotes estivessem em suas caminhas.
Mas foi por ali, nas cercanias do Oswaldo, que minha amiga Elaine recebeu uma Pomba-gira, em sua primeira noite de amor com o André: tudo porque desobedeceu o Pai-de Santo e foi toda vestida de vermelho. Ele bem que tinha avisado:
-- Elaine, nunca use tudo vermelho, porque a Gira tá doida pra descer!
E ela foi de vestido vermelho, com calcinha e sutiã da mesma cor, pra combinar... foi só passar no Oswaldo e tomar uma caipirinha que a Gira desceu mesmo, e o André achou o máximo...
Também foi por ali que minha outra amiga, a Sandra, viu a mãe entrando no motel com um digníssimo sr., mas que não era o seu pai. Não pôde dizer nada, já que ela estava saindo do estabelecimento com o namorado... e a mãe pensava que ela fosse virgem! Elas se entreolharam, enquanto os carros passavam um pelo outro, e nunca tocaram no assunto... a mãe perdeu o respeito e a Sandra caiu na farra de vez, e acho que deve estar farreando até hoje.
Lembro também de um caso famoso nos anos 80: a madame que foi comemorar o aniversário de casamento num motel badalado do Rio e, na hora do strip-tease, jogou o sapato pro alto e quebrou o espelho que havia em frente à cama... do lado de lá, o câmera filmava tudo pra botar no circuito interno de TV. Foi quando surgiu o terror carioca que acabou virando piada: a mulherada tinha medo de ser filmada e virar atriz de filme pornô, sem saber.
Tive que recorrer aos motéis numa época em que estava com obras em casa. Toda noite me mudava para algum aqui das redondezas, e levava tudo: toalha de banho, lençol, cobertor, travesseiro e sabonete. Acabei virando chapa de alguns funcionários, que me contavam histórias hilárias, como a do turista que, ao pagar a conta na manhã seguinte, estava radiante de alegria, porque a noite havia sido divertidíssima: ele nadou na piscina térmica, fez sauna a seco e a vapor, curtiu a hidromassagem, adorou os filmes de sacanagem, achou o espelho no teto o máximo... e disse que em breve estaria de volta! Ao que o funcionário não aguentou e respondeu:
-- Venha acompanhado que o senhor vai curtir muito mais...