sexta-feira, 2 de novembro de 2012

"Gonzaga", de Breno Silveira, fala de todos nós

O filme "Gonzaga, de pai para filho", de Breno Silveira, vai muito além de contar a história do "Rei do Baião", que popularizou a música nordestina Brasil afora.

Note bem que Breno sofreu a viuvez enquanto estava no meio deste trabalho... fico pensando se talvez sua dor tenha se somado ao talento para redundar em um filme que fala tão lindamente do amor, em suas variadas formas: o amor puro e desesperado entre um rapaz e uma moça; aquele outro sem limites, entre mãe e filho; um terceiro, entre artista e público; e um quarto, o tema central da história, entre pai e filho.

As mães, ainda que doidas, egoístas, infelizes ou ausentes, são unanimidade. "Mãe é mãe", prega o dito popular, e tudo de mal que possa vir delas tem perdão... e ponto final. A mãe é uma entidade, uma deusa mitológica, uma razão primeira da existência, e isto ninguém discute.

Já o pai... com frequência não usufrui do direito de ser simplesmente um ser humano, e dele espera-se os tais cem por cento, sabe como? Não adianta fazer o máximo possível, não resolve ter dado o seu melhor. Do pai espera-se jus à fantasia de herói, caso contrário há de se transformar em monstro. Para ele nem sempre há perdão porque, não raro, diante dele os filhos recusam-se a crescer, teimando com suas faturas em punho, cobrando carências sem solução.

Não estou defendendo a ausência de Gonzagão na vida o filho, Gonzaguinha, menino que sofreu de solidão a sua vida inteira, segundo mostra o filme. Sua revolta se justificava e tinha raízes na mais profunda tristeza de quem viu-se, tão cedo, órfão de mãe... e de um pai vivo também. Triste. O desencontro é sempre uma tristeza, principalmente quando não acontece por falta de amor, mas simplemente porque somos humanos e erramos mesmo quando tentamos o acerto.

Mas então o filme fala de vida, de música e de uma busca desesperada pelo amor: pai e filho nesta estrada, cada um sofrendo a própria história de modo bem peculiar, ambos talhados para o papel de sobreviventes... e ao fim de tudo eles nos mostram que só o amor, além da verdade, é capaz de nos libertar.

A cena em que Gonzagão, viúvo e completamente perdido, retorna à casa paterna depois de mais ou menos vinte anos, trata de um tema universal. Ali, em plena seca do nordeste, numa miséria tremenda, a paz e a alegria brotam da terra milagrosamente, fazendo o expectador pensar em si e em sua  própria vida: quem nunca sofreu neste mundo imenso e correu de volta ao regaço original, à casa feita de sangue, de veias, de história e sentimentos, que é a casa dos pais, lá na infância?

-- E isso é  hora de chegar em casa?! -- pergunta o pai de Gonzagão ao reconhecê-lo, emocionado e esquecido dos vinte anos de saudade que se passaram.

O pai, a mãe, os irmãos, aquela casa antiga... é lá que a gente se reconstrói. Meus olhos se encheram de lágrimas e pensei que, lá no céu, um dia eu também estarei voltando pra casa.



3 comentários:

  1. Corretíssimo e muito bem urdido seu comentário, como se fora uma bela renda nordestina, queriDannemann. Este maravilhoso e emocionante filme_ que não precisou fazer concessões e nem mirabolâncias_ satisfaz pletoramente. Tirei meu chapéu _por acaso não é de cangaceiro_ para esta bela e comovente história, que já teria méritos, a priori, pois se trata de música brasileira de excelência, a melhor do mundo para meu modesto e exigente gosto.

    Saí do cinema com saudade do tempo em que música popular não era popularesca, apelativa, tosca e sem qualidade. O popular de um Gonzagão ou de um Dorival Caymmi, p.ex., é simples, talentoso, sofisticado e POÉTICO. Só o verdadeiro e deslumbrante hino do nordeste: ASA BRANCA,como também ASSUM PRETO, já seriam suficientes pra glorificar o REI DO BAIÃO.


    Porém , o que fica claro , e não poderia ser diferente, é que devemos aceitar o que somos e como somos, ou seja, não se nega o que se traz por dentro. Tanto é fato, que enquanto ele vagava pelos bares do Rio tocando tango, nada acontecia. Foi a partir de uma sugestão sobre a aceitação radical das suas raízes brasileiríssimas _o forró que ensaiava na adolescência com o pai_ é que sua sanfona forrozeira e arretada operou o milagre e transformou-o no grande e merecido ídolo.

    Já o filho teve forte influência do samba, que aprendeu no morro de São Carlos, berço de bambas (hoje, infelizmente, predomina o obominável e tosco e anti-musical funk), onde morou com o pai de criação. O melhor resultado disto foi ter composto o que é provavelmente o melhor samba nosso:VIVER, E NÃO TER A VERGONHA DE SER FELIZ, CANTAR A BELEZA DE SER UM ETERNO APRENDIZ...

    Tanto o "Gão", quanto o "Guinha", são dois ícones, ou gigantes ou gênios da real cultura do nosso país, porém com perspectivas de vida, criações e objetivos culturais diferenciados, ao ponto de um ser de direita e outro de esquerda, DESAFIANDO ATÉ A DITADURA.

    Mais do que uma história do amor que venceu o medo ou o preconceito... é uma história de amor (res)sentido entre pai e filho que se amaram pelo avesso. Vixe!!!

    A partir do retorno às origens, para acerto de contas, provocado pelo filho que se sentia "rejeitado", este passado de amor e dor ganha contornos e pontos de vista que nos levam a constatar, pele "pentelhésima" vez, que a comunicação é o mal da civilização, levando quase sempre a mal entendidos causados pela falta de diálogos. Neste caso, um pai que acreditava piamente estar fazendo sempre o melhor para o filho , e este que só via aquele como um provedor à distância, ou seja: o pai dinheiro e não o pai hérói.

    Para que a difícil reconciliação/perdão fosse plausível, seria necessária a existência de algo relevante em comum. Como amar é apesar de...além das mágoas, havia a admiração ou o orgulho_os elementos galvanizantes do amor_ que um nutria (in)conscientemente pelo outro.

    Poderia até ter saído do filme (ele jamais sairá de mim) com a alma SANGRANDO(magnífica composição do filho). Mas,ao contrário: saí de ALMA LAVADÍSSIMA, ENXUTA , EMOCIONADA E FELIZ.
    Santé e axé!!!
    Marcos Lúcio


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    1. È uma pena, EstiMarcos, que você não seja o repórter de cinema da revista Veja, que parece não ter entendido o filme e falou mal dele. (Na página anterior, elogiou este novo 007, que virou lutador de boxe). Espero que a dita crítica da revista não afaste dos cinemas os expectadores que venham a acreditar na opinião da jornalista, e deixem de ver um filme tão bonito, que conta uma história mais bonita ainda. Beijos!

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