sexta-feira, 3 de maio de 2013

Entrevista: André Perin Shecaira


No mundo da rua tem muito a ver com Estação Carandiru: os dois livros foram escritos por médicos e metem o dedo na ferida social que a gente prefere não ver. Enquanto o oncologista Drauzio Varela abriu as portas de um presídio gigantesco para dar voz aos detentos esquecidos pelo sistema carcerário e odiados por todo o resto, o ortopedista André Perin Shecaira fez o caminho inverso e foi para as ruas, onde descobriu aqueles que não têm casa, carteira de identidade ou expectativas. Foi a partir do trabalho voluntário junto a estas pessoas, "marginais" no sentido exato da palavra, que nasceu o livro, por enquanto vendido apenas na livraria do Cema, na Barra da Tijuca. A leitura abre nossos olhos para o que André chama de "maravilhoso mundo novo": a realidade invisível, mas tão próxima, daquela gente que preferimos fingir não ver, mas que também sente vontade de comer um bolo de aniversário; que sofre saudades; que padece culpas; se apaixona; chora de dor de dente e tem medo da Avenida Rio Branco à noite... tanto quanto você e eu.

 

Como você teve a idéia deste livro?

Na época já trabalhava com moradores de rua havia dois anos, e para mim tudo aquilo era um maravilhoso mundo novo! Tinha apreendido muito e vivenciado situações que me retiravam da minha zona de conforto, então me senti na obrigação de passar adiante o que sentia. Seria uma forma legal de promover o trabalho voluntário, mostrar uma outra face dos moradores de rua e levantar um dinheirinho para a nossa obra social.

Foi fácil escrevê-lo? Ele foi escrito em quanto tempo?

Foi muito difícil porque nunca tinha escrito nada... até fui reprovado no primeiro vestibular por causa da redação! Então foi um processo gradual e lento que demorou uns dois anos. Cresceu em doses homeopáticas.

Como você fez para escolher os casos contados e os personagens?

Cada personagem representava uma característica específica de algum aspecto peculiar sobre os moradores de rua. Os que entraram no livro foram as pessoas com quem interagi mais de perto, que me fizeram rir ou chorar, mas que também representavam a sua classe de alguma forma.

Qual era a sua expectativa antes de lançá-lo?

Difícil dizer... tinha sonhos de jovem... achei que mais gente iria conhecer este universo, que seria fácil encontrar uma editora e que quem sabe ajudaria a transformar a situação que estas pessoas enfrentam diariamente. Não foi tudo como imaginei, mas foi muito legal também. Mesmo sendo uma edição independente e só disponibilizada em uma única loja, conseguimos vender mais de quinhentos livros. Hoje, chego a sonhar que ao menos algumas destas pessoas já notem a existência destes seres, quase inexistentes para o resto do mundo.

Algum dos personagens leu? O que achou? Como reagiu?

Acredito que ninguém leu... sabem que foi escrito, mas não leram...

Você pretende escrever outros livros? Já está escrevendo algum?

É difícil, sou médico e não escritor. Antes de pensar em escrever qualquer outra coisa, tenho que promover o que já está escrito. Mas sou enrolado demais! Até hoje não sei como correr atrás de uma editora. Acho que o trabalho com o No Mundo da Rua ainda tem que ser mais explorado antes de pensar em qualquer outra coisa.

Há quanto tempo você faz trabalhos voluntários com moradores de rua e o que o motiva (ou motivou) a isso?

Há quase uma década, e tudo começou por acaso. Queria ajudar de alguma forma e tudo calhou para começar com o voluntariado junto a estas pessoas. Também acho que o fascínio e o mistério por trás deste universo me atraiu sempre. Quem nunca se assustou ou ficou curioso com o "homem do saco" que vivia no banco da praça?

Aproximar-se deles fez com que você os visse de maneira diferente?

Muita coisa mudou! Estas pessoas passaram a existir de fato para mim, antes de tudo simplesmente não os percebia... Mas é difícil dizer como eu mudei... simplesmente me sinto mais sintonizado com o todo.

O que os moradores de rua ensinaram a você?

Basicamente duas coisas: que todo ser humano tem um enorme poder de adaptação e que o homem não é diferenciado pelo seu dinheiro. Mesmo em situações sociais completamente díspares, somo todos iguais. Temos os mesmos medos, ansiedades e sonhos, apenas com valores monetários diferentes. Podemos cair nas ruas e nos tornarmos pedintes, mas continuaremos seres humanos.

Qual foi a experiência mais forte que você teve com moradores de rua?

Difícil dizer... mas uma vez levei um morador de rua em meu carro até um encontro sobre o assunto no Centro da cidade. Por algumas horas, a distância entre nós sumiu. Almoçamos, conversamos e interagimos ao longo do dia de forma bem casual. Porém ao final da tarde, eu não tinha um endereço onde lhe deixar. Senti dor nesta hora... ele realmente não tinha uma casa para aonde retornar! Só aí percebi como de fato tudo era.

Na sua opinião, o que o governo e a sociedade civil podem (ou deveriam) fazer para lidar melhor com esta questão dos sem-teto?

Não tenho uma resposta mágica. Acho que tudo começa por notar que estas pessoas existem, que não são apenas sujeira urbana. Temos que dar ouvidos para os seus problemas... As políticas públicas envolvem apenas a remoção das ruas. Lixo nós removemos, pessoas nós cuidamos...

3 comentários:

  1. Reitero o comentário que postei, quando você publicou, anteriormente, essa entrevista, ou seja, tornar os diferentes seres invisíveis, é defesa que utilsamos, amiúde, para cegarmo-nos da semelhança assustadora existente entre todos os SERES HUMANOS. Somos, tragicamente, tão iguais, potencialmente, em nossas diferenças.
    ANTONIO CARLOS

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  2. Esse homem e uma pessoa linda que passou pela minha vida pelas mãos dele fui operada com sucesso e hoje me sinto muito grata a ele e a Deus por ter colocado ele no hospital Lorenço Jorge naquelevmomento tão dificiel da minha vida.

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  3. Realmente não tenho palavras....
    Lindo demais ver que existem seres humanos assim..... sensíveis!!!!

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