Imagine se alguém aparecesse querendo se debruçar
sobre a sua vida e botar todos os pingos nos is publicamente. Você iria gostar?
Não se iluda: entre os entrevistados que servem de base para a história, o
risco de aparecer gente que distorce os fatos ou que te odeia é simplesmente
enorme! Aquele empregado que você demitiu, aquele colega de trabalho que morria
de inveja do seu talento, o ex-namorado que tomou um fora, a ex-namorada do seu
atual... sem falar nas pessoas que te adoram, mas que simplesmente não
entenderam bem os fatos ou não gozam de boa memória...
Por estas razões, e mais o fato de que estamos na
Era do Facebook, a probabilidade de a história sair meio torta é enorme. E
então aquela pessoa retratada não será exatamente você.
“Censura”!, gritam os mais indignados. Mas censura
de quê? Da história do Brasil? E desde quando a perna mecânica do Roberto
Carlos faz parte da história do Brasil? A história do Brasil são as músicas
dele, os shows, os filmes, os discos que ele vendeu. O que importa quem o Caetano
namorou? E se Fulano bebeu todas naquela noite no bar, e se Beltrana traiu o
marido ou fez aborto?
Não sejamos ingênuos... a era do Face adora detalhes
sórdidos.
E é aí neste ponto da situação que a porca torce o
rabo, como se diz em Minas. Lembro quando veio a público a notícia de que o ator Rock Hudson
era gay. Quer dizer que o símbolo de virilidade de Hollywood era homossexual?! OOOOhhhh... todo mundo levou um susto e muita gente fez piada do ator, que meses antes de morrer abriu para a imprensa que estava com aids.
Tá bom. E em quê esta notícia mudou o mundo? Mexeu
com a economia global? Mudou os rumos do cinema? Diminuiu o preconceito? Ajudou a fazer dos Estados
Unidos uma potência ou a minorar a fome em Gana?
Ler uma biografia é muito bom, mas civilidade é
melhor ainda. Não deveríamos precisar de uma lei para impedir a invasão à
privacidade, e se precisamos, é porque ainda não evoluímos como povo. Num país onde a justiça é tão lenta quanto falha, como é o caso do Brasil, ter que recorrer ao tribunal para manter seu direito a não ser difamado ou a não ter sua vida contada 99% direito e 1% errado é um risco, tanto quanto um aborrecimento. Então sai um livro sobre você e você mesmo não pode dar nenhum pitaco antes da publicação? Se não gostar do que disseram a seu respeito, que vá pagar um advogado e reclamar com o juiz? Mas aí biografia vira uma arma
com possíveis balas perdidas... e ninguém quer estar ameaçado por um tiro na imagem, independente do que tenha feito da
sua vida.
E no final de tudo seria assim: enquanto sua vida
estivesse escancarada nas vitrines das livrarias, e muita gente ganhasse
dinheiro por causa dela... enquanto outros que você nunca viu ficassem por
dentro da sua intimidade contada bem ou mal, e verdades e mentiras a seu respeito fossem o assunto nas mesas de bar... enquanto gente que te odeia (porque todo mundo tem seus desafetos) se valesse da oportunidade pra difamar seu nome... você seria o grande babaca da história toda.