sábado, 12 de outubro de 2013

Livro, o herói da resistência

Sempre que alguém me diz que os livros vão acabar, discordo solenemente. Muitos creem que a Internet, a televisão e o cinema vão conseguir dar cabo do livro de papel, e quem sabe, até da literatura... argumentam, entre outras coisas, que as pessoas lêem cada vez menos e que as novas gerações não têm paciência para encarar uma obra literária.

A literatura de qualidade tem os mais variados méritos, entre eles um curioso: o de transformar atores medianos em personagens inesquecíveis. Foi o caso, por exemplo, de Bruna Lombardi na minissérie global de anos atrás chamada “Grande Sertão Veredas”, inspirada na obra de Guimarães Rosa, em que ela simplesmente arrebentou na pele de Diadorim.
Na mesma emissora, o mesmo ocorreu com Marcos Paulo em “O primo Basílio", minissérie saída do maravilhoso trabalho de Eça de Queiroz; e depois com Tarcísio Meira em “O tempo e o vento", a partir da saga escrita por Erico Verissimo. E por falar em “O tempo e o vento”, acabei indo hoje ao cinema, meio a contragosto, para ver Tiago Lacerda e Fernanda Montenegro como a dupla Capitão Rodrigo e Bibiana. Topei a parada por pura falta de opção, porque a safra de filmes anda devagar pelas salas do Rio de Janeiro. Sabe, o problema de ver um filme com atores globais é que a gente pensa que está assistindo uma novela! Ou será que o elenco é que pensa que está no Projac?
A produção massificada de novelas acaba por eliminar a arte da representação; tira do bom ator o tempo e a liberdade necessários para construir um personagem. Sem falar que a proposta de diversão é bem diferente do realismo do bom cinema ou da boa literatura... novela é diversão barata, e ser inverossímil faz parte do negócio.
Esta versão de “O tempo e o vento”, a cargo de Jayme Monjardim (diretor de novelas da Globo, inclusive) é um filme caprichado e tem fotografia encantadora. Mas tirante as unhas sujas de Cleo Pires (como Ana Terra) após uma cena de pilhagem e estupro, é tudo quase asséptico. Eu já esperava que Fernanda Montenegro estivesse igualzinha nas novelas. Cadê a Fernanda Montenegro de “Central do Brasil”, meu Deus do céu?
No entanto, tive uma boa surpresa, que foi Tiago Lacerda. Ele não vestiu só o figurino (lindo) do personagem, mas o temperamento também. E convenceu, por mais que a minha preferência pelo Rodrigão imaginário, saído diretamente das páginas de Erico Verissimo gritasse na poltrona ao lado. Nem senti saudades do Tarcísio Meira, que teve, neste, talvez o seu melhor papel.
De qualquer forma, não costumo me arriscar a ver adaptações de livros que gostei muito porque, em geral, a gente se decepciona; inclusive porque os roteiros nem sempre respeitam a história original, e isso é irritante demais para o leitor apaixonado. Lembro que estava encantada com “Memorial de Maria Moura” quando vi a minissérie que a Globo fez e alterou a história toda, chegando ao ponto de matar a heroína no final. Fiquei tão revoltada que entrevistei a escritora Rachel de Queiroz só pra perguntar se ela não tinha se incomodado com tantas mudanças. Ela gentilmente me disse que não, imagina! E eu imaginei que a compra dos direitos de gravação e exibição deve ter incluído este ônus.
Se a adaptação é difícil para a TV, que dirá para o cinema! Veja “Estação Carandiru”, por exemplo, livro belissimamente escrito por Drauzio Varela,e que não conseguiu reproduzir quase nada desta beleza, nem mesmo com o desempenho de atores como Rodrigo Santoro. Tempos atrás me recusei a ver um filme cuja história se desenvolve a partir de “Dom Casmurro”, obra-prima de Machado: por mais que a Maria Fernanda Candido seja capaz, não creio que conseguisse o efeito de “olhos de ressaca” da nossa Capitu, ainda que não interpretasse a mesma.
De qualquer forma, repito aqui o que disse em outra matéria escrita para a Folha de S. Paulo, há anos: estas adaptações televisivas e cinematográficas têm ao menos o mérito de levar adiante o nome de grandes escritores e a mágica de histórias maravilhosas. Afinal, nem todo mundo se contenta com o que vê e acaba recorrendo à fonte original, que é o livro, este sim um herói da resistência e que não há de morrer, como o nosso Capitão Rodrigo, com um tiro covarde pelas costas.

12 comentários:

  1. Escrevi um monte de coisas e acabei deletando. Importante mesmo é saber que você está sempre aqui bem perto do coração de todos nós, seus seguidores. Livros dão potência ao intelecto

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    1. Alfredo... vcê deveria ter mandado tudo o que escreveu, em vez de deletar! E sabe de uma coisa? Eu é que preciso saber que vocês estão aí do outro lado da tela, porque senão fico achando que estou falando com as paredes!!!

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  2. Querida Fernanda
    Por misteriosas razões , meu " browse" do PC se recusa a enviar comentários ao seu blog.Recorro ao notebook ,com quem não tenho afinidades e , na verdade, sendo sincero, detesto.
    Em minha infância, que já vai longe, vivi um mundo de sonhos com duas obras do hoje um pouco esquecido Charles Dickens : David Copperfield e Grandes Esperanças. Eu os li mais de uma vez.
    Sua perspicaz e inteligente observação sobre a prevalência do livro sobre a obra filmada é muito real. Os filmes que vi de ambas obras do Dickens, embora repletas de charme e beleza estética, nem de longe superaram a fantasia que os livros me inspiraram.Vc, como sempre, acertou na mosca.
    Um grande abraço
    Paulo- Friburgo

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    1. Querido Paulo... obrigada pelo esforço em comentar o post! E já que descobriu como dar a volta no browser, peço que recorra mais vezes ao notebook, porque, como falei para o Alfredo, tenho me sentido só aqui nesta sala virtual. Monólogo não é comigo: gosto de conversar. Abraçao!

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  3. Uma vez eu ganhei um livro mas ele era de bolso... piqueno.

    Zezinho

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    1. Zezinho, melhor um livro pequeno do que livro nenhum!

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    2. Assino embaixo seu post, uma vez que fui "salvo" (suponho e sinto) por alguns livros seminais.

      Como continuo em estado de amor , este sim, eterno -literariamente - com o fiel parceiro Rubem Alves ...reproduzo uma das suas justificativas para o seu dom inato de bem escrever:

      "O que faço é tentar pintar com palavras as minhas fantasias diante do assombro que é a vida.
      A literatura e a poesia são palavras que colocamos diante do vazio. Literatura é sempre sobre o que não é.É um bruxedo para o retorno do que já foi.A literatura chegou-me sem que eu esperasse, sem que eu preparasse seu caminho.Chegou-me através de experiências de solidão e sofrimento.Se alguém, lendo o que escrevo, sente um movimento na alma, é porque somos iguais.A poesia revela a comunhão".

      Por isto, os maravilhosos ou fecundos livros que li,dele, me lêem.


      O magnífico Jorge Luis Borges afirmava que sua glória estava nos livros que havia lido e não nos que tinha escrito.

      Quando o Monteiro Lobato afirmou que"Um país se faz com homens e livros"... é porque neles está fixada toda a experiência humana. É por meio deles que os avanços do espírito se perpetuam. Eles desvendam horizontes inimagináveis; proporcionam quebrar barreiras e/ou preconceitos, abrir portas, (re)aprender, (re)criar, deslumbrar, vibrar.

      Realmente não sei o que seria de mim sem os clássicos da literatura, a filosofia, etc.Mas sempre que penso nos meus salvadores livros, ocorre-me esta frase:

      "Às vezes sentava-me na rede, balançando-me com o livro aberto no colo, sem tocá-lo, em êxtase puríssimo. Não era mais uma menina com um livro: era uma mulher com o seu amante.” ( Clarice Lispector -conto “Felicidade Clandestina”).

      Santé e axé!
      Marcos Lúcio

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  4. Fernanda,

    Tambem concordo com voce, quando diz que o livro nunca ira acabar e que ,mini series, filmes nao conseguem reproduzi-lo......o livro e magico, a sua imaginacao voa .....ele te transporta a lugares e situacoes que por mais que o homem tente reproduzir em telas ele nunca ira conseguir .....sempre estara faltando alguma coisa.

    Felicidades,

    Gilda Bose

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    1. No doubt about, mui estimadas. O meu atual amor/amante/parceiro literário:RUBEM ALVES, afirma que literatura "é um bruxedo".
      M.L.

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    2. Uma pessoa, um dia, me disse: "A vida anda em ondas". É verdade. A vida anda em ondas e a gente vai e volta, portanto não pare de compor sua obra. A minha, no momento ainda é obra de cimento mesmo e aos poucos vou voltando. A vida anda em ondas. Não se esqueça.

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