sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

Só as ovelhas negras são livres

Fui ver “O homem que não amava as mulheres” e adorei a atuação da Rooney Mara, que interpreta uma jovem cheia de atitude e bem fora dos padrões. Causar incômodo pode ser mesmo muito bom, tanto quanto sentir-se incomodado. È que isso significa que, dependendo do contexto, a gente é um bicho estranho e bem diferente do que estiver à volta. Se você parar pra pensar, vai ver quanta liberdade existe nisso!

Saca a ovelha negra? Ela tem muito mais a ver com o mundo do que com a família. Na tribo familiar, cujo cacique é o DNA, as ovelhas são, na verdade, bem mais iguais do que parecem (ou admitem). Por mais “rebelde” que a gente seja dentro de casa, os grandes e reais incômodos começam a aparecer é quando cruzamos a porta da rua.

É na vastidão do mundo que a gente se liberta ou se aprisiona, e nesta hora, nossa cabeça é mesmo nosso guia... TODAS as ovelhas estão "perdidas e procurando se encontrar", inclusive as brancas. E quase todas, em algum momento da vida, acabam mudando de cor. Não há ovelha que aguente ser branca ou negra o tempo todo, né?

Conto uma situação em que me senti completamente fora do esquadro, ovelha negra total... ou verdadeiro extra-terrestre em planeta desconhecido: foi na única vez em que me meti a fazer matéria de política e tive que entrevistar o então candidato a nem me lembro mais o quê, o jovem Sergio Cabral, com quem eu me afinava só porque ele era o “defensor dos velhinhos”. A mágica aconteceu num salão da extinta TV Tupi, na Urca, um lugar cheio de lixo e entulho, que caía aos pedaços e cheirava a mofo e a cocô de gato: parte do tal salão havia sido “maquiado” para a gravação do vídeo de campanha, e saí de lá com a sensação de ter participado de uma festa a fantasia onde nada era de verdade, e absolutamente tudo (inclusive eu, como repórter de política) era fake.

Já visitei planetas estranhíssimos e conversei com E.T.s dos mais variados, o que algumas vezes fez com que eu me considerasse até normal demais. Duvida? Então passe uma semana inteira dentro de um sexyshop, observando tudo e colhendo material para escrever um artigo, e entenderá o que estou dizendo...

Uma outra viagem interplanetária me colocou diante de um senhor de alta patente, que se ofendia depois de cada pergunta e me gritava ameaças veladas, do tipo “sabemos onde você mora”... ao mesmo tempo em que humilhava os subalternos. Na saída, dois deles vieram me pedir desculpas pelo absurdo da situação.

Na galeria dos horrores, lembro da moça que contou, na maior naturalidade, que fez aborto aos sete meses de gravidez, no quartinho em que dormia na casa da patroa... que via a novela das oito lá na sala, no melhor dos mundos da TV Globo.

-- Era um menino, ainda estava vivo. Minha amiga botou num saco de lixo e foi embora.

-- E o que você sente, quando pensa nisso?

-- Ah... que eu quero muito ter uma menina!

Se há um lado bom em tudo isso, é que a ovelha negra sempre vai embora para nunca mais voltar. Sábia Rita Lee!



9 comentários:

  1. O jornalismo te deu experiências que você soube apreender. Belo texto, bela música

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  2. Só pela citação ou pela referência à música da sábia Rita Lee, que adooooro e tenho suas canções como das mais inteligentemente divertidas e criativas, já vale o post, queriDannemann ( ouça o cd A MARCA DA ZORRA, o meu preferido desta grande artista e, depois, me conte...).

    Para homenagear as louváveis e autênticas ovelhas negras (sim, basta ser autêntico e já se tornará uma), fundamentalmente efiro-me às do bem, às de alma mais artítistica, digamoss assim, reproduzo este texto lapidar, que dá conta do que somos: únicos, diferentes, e irrepetíveis. Pelo menos os mais os autênticos, os que não são massa de manobra (minoria...).

    A Ovelha Negra

    Era uma vez uma ovelhinha diferente das suas irmãs de rebanho: era negra. Por isso, era desprezada e sofria todo tipo de maus tratos. As outras lhe davam mordidas, patadas; procuravam colocá-la em último lugar no rebanho. Quando estavam num prado pastando, o rebanho inteiro tentava não deixar que a ovelhinha negra provasse uma ervazinha sequer. Dessa forma, sua existência era horrível.

    Farta de tanto desprezo, a ovelhinha negra afastou-se do rebanho. Durante muito tempo vagou sem rumo pelo bosque. Quando anoiteceu, exausta, a ovelhinha deitou-se, sem perceber, em um monte de farinha, onde dormiu.

    Ao raiar o dia, acordou e viu, cheia de surpresa, que se havia transformado em uma ovelha muito branca, imaculada. Voltou então ao seu rebanho, onde foi muito bem recebida e proclamada rainha, pela sua bela aparência.

    Naquela ocasião, estava sendo anunciada a visita do príncipe dos cordeiros, que vinha em busca de uma esposa.

    O príncipe foi recebido no rebanho com grandes honras. Enquanto ele observava as ovelhas que formavam o rebanho, desabou uma violenta tempestade. A chuva dissolveu a farinha que cobria o pêlo negro de nossa ovelhinha, e ela recuperou sua cor natural.

    Quando a viu, o príncipe resolveu que seria a escolhida. As outras ovelhas perguntaram por quê.

    - É diferente das outras. E isso, para mim, é suficiente.

    Assim, a ovelhinha negra tornou-se princesa e teve, finalmente, o destino justo que merecia.
    Beijão procê!
    Marcos Lúcio

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  3. EstiMarcos, eu sabia que você ia gostar deste post... e eu adorei a história da ovelhinha: homens inteligentes sempre preferem as "diferentes". Beijos!

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  4. Quanto mais diferente, melhor, desde
    que não prejudique nem atrapalhe
    a vida própria nem das outras pessoas,
    não é mesmo?
    Aliás sempre busco a diferença mais
    diferente, digamos assim, porque tudo
    e todos somos exclusivamente diversos.

    Adorei o post da melhor blogueira que conheço e também a historinha postada pelo Marcos Lúcido , como sempre ótimo. Lógico que Rita Lee é da melhor qualidade...sou adicto, mais do que fã.

    Por isto, animei-me *e roubei tempo de outras obrigações... e vou dar uma pequena contribuição...oxalá seja oportuna.

    Em histórias de frases famosas , do Deonísio da Silva, está lá:

    É A OVELHA NEGRA DA FAMÍLIA.
    A história desta frase nasceu do trabalho de pastoreio.
    Em todo rebanho sempre existe aquele animal de trato difícil,insubmisso, que não acompanha os outros. Está-se cuidando
    das ovelhas, protegendo-as dos lobos, providenciando-lhes os melhores pastos, e de repente uma delas se desgarra. Essa é a ovelha negra. Por metáfora, a frase passou a ser explicada
    nas famílias ou em outras comunidades aos filhos ou afilhados que não têm bom comportamento. Na Ilíada, Homero (século VI a.C.) relata o sacrifício de uma ovelha negra como garantia do pacto celebrado entre Páris e Menelau, que resultou na Guerra de Tróia. Mas ela não foi punida por mau comportamento. Como tantas ovelhas negras, ela era inocente.

    Justamente por isto, tenho especial predileção por estas especiais criaturas que lembram-me, de certa forma, a excelente música VACA PROFANA,em interpretação visceral e definitiva de Gal Costa, e de autoria do gênio Caetano, neste trecho:

    "Vaca profana, põe teus cornos
    Pra fora e acima da manada"

    Igualmente lembro-me de Lamento Sertanejo,
    Composição: Dominguinhos / Gilberto Gil, com a qual
    _ovelha negra que sou... rsrs_ me identifico, neste trecho:

    "Sou como rês desgarrada
    Nessa multidão boiada caminhando a esmo".

    Abraço afetuoso
    Danilo

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  5. Danilo, vou acabar mudando o nome deste blog para "Clube das ovelhas negras". Abraços!

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  6. "Marrelógico", queriDannemann, que sempre prefiro as (e os) diferentes do bom e do bem, especialmente os raros e verdadeiros artistas, aqueles com padrão de excelência...os predestinados especialíssimos que receberam o beijo de Deus, digamos assim. Mais ainda, as que, como você, fazem a arte da diferença ficar melhor ainda e com a possibilidade adicional e bem-vindíssima... de lavar a alma.

    Quanto à sua idéia de mudar o nome do blogue para CLUBE DAS OVELHAS NEGRAS, respondendo ao ótimo post do Danilo, se fosse o caso, certamente seria de muiiiiito bom gosto e, melhor: artisticamente provocativo. Desnecessário relembrar que o nome ALMA LAVADA é genial, a minha cara... e ainda não conheço outro blogue melhor, tanto no nome quanto no conteúdo, existencialmente falando.

    Abraço apertado e beijo estalado e, como já botei meu bloco na rua (aliás, nunca o tirei kkkk), desejo boas folias , se curtir, ou bom descanso, se precisar, também para o seu fiel escudeiro. Até quarta-feira de cinzas terei pouquíssimo ou quase nenhum tempo para dar pitacos ou perturbá-la (no melhor sentido, claro!).
    EstiMarcos

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  7. Realmente parece que só é livre aquele que se mostra como é. Que não vive escondido atrás de uma máscara. No entanto, todos nós usamos máscaras! Alguns mais do que outros e é isso que torna as pessoas ovelhas negra. Se mostrarem mais como são e menos como o mundo gostaria que fossem. Mas quando usam as máscaras são lindas ovelhinhas brancas admiradas pelo mundo. Por isso que todos nós tem um lado branco e um lado negro. Mas eu prefiro viver no lado negro. Prefiro ser excluída da sociedade por mostrar quem realmente sou, do que ser aceita por algo que não sou. Vivam as ovelhas negras! Se não o tempo todo, pelo menos por uma boa parte dele! ;)

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  8. Reproduzo comentário afetuoso que recebi da mana Juliana, para seu conhecimento.

    "Meu príncipe descendende de negro... este texto me lembrou o Patinho feio, que humilhado pela família, era tristonho, não se dava com nenhum irmão e mais tarde se tornou um lindo cisne. Gosto de ler os textos desta talentosa e carinhosa escritora e, claro, os seus comentários para ela , que são irradiantes... sempre os leio, e me fazem bem. Beijos da irmã que está inserida no dia a dia das ovelhas, patinhos, etc".
    Bacana, não?
    Beijão do EstiMarcos

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  9. EstiMarcos, obrigada! Sua irmã tem muita sensibilidade. Qualquer hora vou escrever sobre o Patinho Feio, que eu aliás adoro! beijão!

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