quinta-feira, 23 de agosto de 2012

E por falar na criança que a gente foi...

Estava passando pela rua quando, de repente, aconteceu de novo: precisei só de um segundo para ser teletransportada pelo tapete mágico da minha imaginação e voltar no tempo. No exato instante em que meus olhos caíram sobre ele, voltei a 1976, aos meus exatos oito anos:




Quando dei por mim, eu estava de pé, na pracinha em frente à escola, olhando as crianças que, entre um pique-esconde e outro, eram chamadas pela "tia" Inês: sentada num banco, sob um Ipê amarelo, ela costumava nos ensinar a ler em fichinhas de papel que continham frases pequenas e desenhos coloridos, feitos à mão.

Eu assistia a tudo como se fosse no cinema, e de repente vi a menina de oito anos que eu fui, correndo pela praça, em volta daquele Fusquinha cor de rosa, maravilhada com ele, louca por uma volta, louca por dez voltas, por mil voltas a dez quilômetros por hora, que era pra poder curtir ao máximo! E pude ver quando a menina, já sentada no lugar do carona, fechou os olhos para viajar de verdade, enquanto o carrinho corria pela praça... e ela respirava fundo de contentamento, viajando pelas estradas da sua imaginação. Aproveitei o momento para curtir aquela alegria com ela.

Não foi a primeira vez que estive diante da menina que eu fui. Às vezes faço este caminho de volta, principalmente quando, por alguma razão, sou levada, pelas lembranças, a momentos em que minha infância doeu.

Sempre que volto ao passado e encontro aquela menina que sofre por desamparo ou por medo, por tristeza ou pela solidão que nos causa sermos os “diferentes” que não se encaixam ou não se adaptam... ah... sempre que volto lá e a vejo... posso brincar e conversar com ela; beijar suas bochechas e as mãozinhas sempre geladas; dizer que espere com paciência, porque tudo vai ficar bem... e que ela um dia vai se tornar um adulto legal... e conto que eu sou a mulher adulta que a aguarda no futuro... e vejo que ela sorri confiante.

Ao fim de tudo, sempre sinto um curativo em meu coração, e acho que tenho mesmo um: a criança que fui torna-se forte mesmo estando tão longe, e o adulto que sou torna-se leve...

Dia desses, o Marcos Lucio Pinto citou aqui no blog umas palavras que gosto muito, do Jean Paul Sartre:

"Não importa o que fizeram com você. Importa o que fizeste com o que fizeram de você".

Faça de si mesmo a sua melhor obra. E se não for possível, tentar já vai valer bastante a pena.

4 comentários:

  1. O que posso dizer é que este brilhante... Está cada vez mais lapidado.

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  2. Fernanda,

    Tambem viajei .....

    Lendo a sua historia, e vendo a foto do fusca cor-de-rosa, nao voltei no passado e nem fui ao futuro ….. me imaginei dirigindo no aqui e agora, num belissimo carro conversivel, (ano 2012) em plena Riviera francesa, numa linda manha de verao, com o ceu azul, azul, sem nenhuma nuvem, ... com lenco nos cabelos, oculos escuros e chapeu (bem no stylo a la Grace Kelly), sentindo uma leve frisa sobre meu rosto......, interessante, a musica orquestrada que esta tocando nao e francesa …. Ahhhhhhh ….. e Burt Bacharach, que eu adoro .......e ai dei aquele suspiro .......

    Felicidades,

    Gilda Bose

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  3. Fico muito contente em ser simpaticamente citado no seu ótimo post _merci_, até porque, tenho poucas memórias (e boas, ainda bem) da infância e algumas, nem tanto, ligadas à sensação de "estranho no ninho". Já falei sobre isto anteriormente em entrevista para a queriDannemann, desta desconfortável sensação de quase exílio, às vezes.

    Confesso que emocionei-me ao ler este seu relato, tão detalhado:" a solidão que nos causa sermos os “diferentes” que não se encaixam ou não se adaptam"...Porém na infância (e na adolescência) não há , ainda, as ferramentas para conhecer, aprender e saber.Vivencie isto da cabeça aos pés e até pelo avesso...porém consegui, com muita luta, experiência e leitura, já na fase adulta... fazer alquimia emocional e descobrir que o problema era "dosotro" e a solução "eraminha".

    Na verdade, são os aspectos emocionais que marcam e facilitam a aquisição de memórias.
    Também os tombos (lembro-me de um brabo!), cortes e acidentes (já relatei no blog do Marcelo) físicos são muitos marcantes por motivos biológicos: lembramos de um acidente para ter condições de evitá-lo.

    Biologicamente, esse é o sentido da memória. Mas, cada vez que um fato é resgatado, acrescenta-se um aspecto, uma ponta no novelo. Segundo a psicanálise, depois de recordar algumas vezes acontecimentos distantes, é quase impossível separar a verdade do mito. "Criamos falsas memórias, e não há nada de patológico nem de malvado nisso", pondera Izquierdo.

    É a mentira que não é mentira e não importa, afinal, tudo é interpretação. Toda memória é uma leitura sem contato direto com a realidade...que ficou lá atrás, irresgatável e irrepetível, "talequale".
    Cada nova experiência resignifica a anterior.

    Sim, porque às vezes um cidadão pode se “lembrar” com detalhes de um fato que nunca aconteceu. Aí o sujeito vai lá, diz a verdade (ele está sendo absolutamente fiel à sua memória) mas, sem saber, está contando uma mentira (a memória dele é que não é nem um pouco fiel à realidade).

    Ainda bem que este não é o caso da minha blogueira predileta que, repito, fez mais um excelente post.
    Santé , axé e excelente finde!
    Marcos Lúcio

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  4. Vivencie isto, na verdade é; vivenciei isto.Desculpe a falha digital. Obrigado. M.L.

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