Pois eu me recuso a entrar para o grupo dos escravizados por si mesmos, aquele povo que bate
no peito para dizer:
-- Não tiro férias há quatorze anos!Eles realmente acreditam que são indispensáveis? Que a empresa vai parar se eles se ausentarem? Que o chefe vai infartar? Que a equipe vai ficar perdida? Ô ilusão!
E tem mais: tiro férias de tudo, até de mim mesma, quando me canso de mim e me tranco no quarto escuro pra dormir e ficar algumas horas longe dos meus pensamentos, da minha voz, da minha cara no espelho e da minha companhia, enfim. Faz bem à saúde, sabia?
E se a gente precisa tirar férias até de si mesmo,
que dirá do casamento? Nem os mais felizes relacionamentos resistem ao casal
amalgamado, do tipo que passou por uma metamorfose maléfica e um belo dia
acordou siamês. Não há amor que aguente, nem afinidade que resista... aqui em
casa o quarto de hóspedes vira-e-mexe recebe seu convidado especial, o próprio
dono da casa, porque a dona da casa precisa desesperadamente de férias
conjugais nem que seja por uma noite só... ou às vezes um fim de semana
inteirinho para ficar sossegada entre suas quatro paredes, com a cama e o
controle-remoto da TV só para si. Aaaaaaaaiiiii, faz um bem danado para o
relacionamento poder ficar em silêncio às vezes, sem “relacionar-se” com
ninguém, sabe como é?
Não é que eu não goste de rotina, não me entenda mal. Rotina é uma delícia! Tudo certinho, os compromissos em seus devidos horários e a vida seguindo seu curso natural...
é como se o dia a dia fosse uma partitura musical, com cada nota em seu devido
lugar. Isso nos dá a sensação de que estamos aproveitando ao máximo e fazendo
nossa parte no combinado com o Universo.
Mas então, eis que um dia a gente precisa dar uma pirada na batatinha, porque ninguém é de ferro! E o que pode ser melhor nesta hora do que as férias? Aqueles dias maravilhosos sem despertador, sem almoço ao meio-dia, sem compromisso nenhum. Tempo
pra “deixar rolar”, pra chutar o balde ou a jaca e comer uma lata de leite
condensado assistindo um filminho idiota na “sessão da tarde”. Dormir fora de
hora e não sentir culpa porque o mundo está girando enquanto a gente ronca no
sofá e baba na almofada que custou uma nota... O escritório, repentinamente, vira um passado distante; as contas pra pagar tornam-se preocupação de outras encarnações... a faxineira faltou? Mas quem é que precisa de faxineira nas fééééérias??? O dias úteis agora são úteis ao ócio e à liberdade para tomar qualquer decisão, inclusive a de entrar de repente em um ônibus ou avião e sumir no mundo... mas pra onde? Não importa, desde que seja um lugar que tire de dentro da gente aquela satisfação quase infantil, quase doida, que só sentimos quando somos felizes sem culpa e sem preocupação. Viajar para a alegria.
O que, aliás, é o que eu vou fazer agorinha mesmo, dá licença? (E pode deixar que eu mando notícias de lá!).
Fernanda,
ResponderExcluirEu tambem acho que ferias e indispensavel para qualquer ser humano. A troca de areas faz um bem danado, e recarrega as energias .....
So nao concordo com o quarto de hospedes, ferias conjugais muitas vezes e muito bom .....mas estando morando no mesmo teto nao acho muito sabio.....
Felicidades,
Gilda Bose
Será, Gilda??? Vou pensar a respeito... Bjos!
ResponderExcluirCertamente o lugar é ótimo, se a blogueira está repetindo a dose... pois esteve lá quando ainda o blogue era do Jornal do Brasil, senão vejamos:
ResponderExcluirVou ali e já volto!
25/11/2010 - 18:58 | Enviado por: FDannemann
Caros companheiros do blog... Estarei fora nas próximas duas semanas. Vou para...Descansópolis.
Para quem não sabe, fica em Campos do Jordão.
Realmente até os relacionamentos dão trabalho e, ato contínuo, precisam de férias.
Foi a Reforma Protestante, no século 16, com sua visão religiosa que encontrava no trabalho um modo de cansar o corpo para ficar sem tempo para tentações – que inventou a ideia de que ele dignifica o homem.
Mas vale a pena batalhar tanto, chegar em casa exausto e não poder aproveitar os frutos desse esforço?
Existe vida - quase sempre mais interessante e divertida e inteligente - fora de qualquer profissão.Para manter o bem-estar , é preciso dinheiro, e é pra isso que se trabalha. Mas não é o labor que me satisfaz. É no lazer e nos prazeres simples do cotidiano , na natureza e nas artes que me realizo e sou feliz.Nunca encontrei prazer no trabalho.
Na Antiguidade, colher um alimento para comer ou construir uma ferramenta de caça já eram trabalhos. Por ter essa característica original de uso de força física, gregos e romanos achavam ter emprego um ultraje – tanto que a palavra trabalho vem do latim tripalium, um instrumento de tortura. A dignidade estava em se libertar do peso da sobrevivência para se dedicar a questões elevadas, como atividades intelectuais. Trabalhar, na época, era coisa para escravos.
Será que deixamos de ser escravos a partir da tecnologia ou nos tornamos escravos da tecnologia?
Precisamos do lazer para recarregar as baterias, mas também precisamos do silêncio para nos conhecermos, para escutarmos o que se passa dentro do nosso corpo e mente, para estabelecer conexões com os outros. Precisamos do lazer para sermos humanos. O lazer também é importante para produzir no trabalho. Com tempo para desacelerar, voltamos para o trabalho com mais energia, clareza e criatividade. Os empregados mais produtivos no mundo hoje em dia são provavelmente os franceses, que trabalham apenas 35 horas por semana. E os países nórdicos, onde trabalha-se relativamente pouco, estão entre as economias mais competitivas da Terra. Lembre-se sempre de quem ganhou a corrida entre a lebre e a tartaruga...
Para encontrar satisfação -enquanto trabalhadores- é preciso saber o que nos dá prazer profissionalmente. Muitos não têm ou não tiverem esta esta experiência. Uma vez que já se tem o dinheiro, da aposentadoria, p.ex., a nova moeda vira a satisfação com a vida e a sensação de plenitude se instaura, enfim.
Santé e axe´!
Marcos Lúcio
Desculpe voltar ao assunto, mas...salve o lazer! ...e salve o prazer!...e quem tiver necessidade, que trabalhe ganhando a vida honestamente e de cara alegre, nem que seja por sábia estratégia, afinal ...cara feia é fome e trabalha-se fundamentalmente para não se morrer de fome, sede e frio rs. Considero superior o trabalho voluntário, o trabalho da ajuda, de servir, etc., sem o objetivo pecuniário.
ResponderExcluirComo continuo relacionando-me apaixonadamente ou casado (intelectualmente) com o seminal Rubem Alves, concordo pletoramente com ele quando diz que o objetivo principal da vida é brincar. Há muiiiiiiitos incautos - quase todo mundo - que acreditam ser o trabalho o melhor da vida.
Então vamos ao R.A:
“Os adultos não sabem, os professores não percebem, a vida é para ser brincada.
Aprender é muito divertido. Cada objeto a ser aprendido é um brinquedo. Pensar é brincar com as coisas. Brincar é coisa séria. Assim, brincar é a coisa séria que é divertida.
A inteligência gosta de brincar. Brincando ela salta e fica mais inteligente ainda. Brinquedo é tônico para a inteligência.Para as crianças o mundo é um vasto parque de diversões. As coisas são fascinantes provocações ao olhar. Cada coisa é um convite.
Muitos sábios e filósofos estiveram convencidos de que nas crianças mora um saber
que precisa ser recuperado.Quando quero aprender algo novo tenho de me misturar com as crianças. Nietzsche também se voltava para as crianças como símbolos do nosso destino. Pois, em suas palavras, a criança é inocência e esquecimento, um novo princípio, um brinquedo, um moto contínuo, um primeiro movimento, um Sim sagrado à vida.
Groddeck, um dos inventores da psicanálise, afirmava que apenas o artista, o poeta e a criança conhecem o segredo da harmonia com a vida.
O mundo da infância é o reino perdido, o universo mítico em torno do qual gira toda a existência humana. Toda a vida adulta é uma negação da infância. Daí a nossa infelicidade. Se a infância é o lugar da integridade do homem, a vida constitui uma
aspiração a esta integridade.
O objetivo da vida é ser criança.
Por isto que os adultos práticos e sérios não gostam de brincar. O brinquedo é uma atividade inútil. E, no entanto, o corpo quer sempre voltar a ele. Por quê?
Porque o brinquedo, sem produzir qualquer utilidade, produz alegria. Felicidade é brincar. E sabem por quê? Porque no brinquedo nos encontramos com aquilo que amamos. No brinquedo o corpo faz amor com objetos do seu desejo. Pode ser qualquer coisa: ler um poema, escutar uma música, cozinhar, jogar xadrez, cultivar uma flor, conversa fiada, tocar flauta, empinar papagaio, nadar, ficar de barriga para o ar olhando as nuvens que navegam, acariciar o corpo da pessoa amada – coisas que não levam a nada. Amar é brincar. Não leva a nada. Porque não é para levar a nada. Quem brinca já chegou. Coisas que levam a outras, úteis, revelam que ainda estamos a caminho: ainda não abraçamos o objeto amado. Mas no brinquedo temos uma amostra do Paraíso.
Dizem que o trabalho enobrece. Poucos se dão conta de que ele embota, cansa e emburrece. É certo que Deus, todo-poderoso, trabalhou seis dias para criar o mundo.
Trabalhou para criar um lugar de deleite onde a vida atingisse sua expressão suprema: pura inutilidade, puro gozo".
Santé e axé!
M.L.
Ótimo, como sempre!!!
ExcluirSe defender ou potencializar o Mundo do trabalho do espírito - a razão maior da existência- , em contraposição ao trabalho mecânico serve para nossa reflexão, então...preguiça e trabalho guardam um misterioso parentesco, quase simétrico e especular.
ResponderExcluirPara o preguiçoso, "é preciso ser distraído para viver" (Paul Valéry), afastar-se do mundo sem se perder dele; exatamente por isso, é acusado de não contribuir para o progresso.
Além de praticar crime contra a sociedade do trabalho, o preguiçoso comete pecado capital. Pela lógica do mundo do trabalho e da igreja, ele deve sentir-se culpado, pagar pelo que não faz.
Mais: pensadores como Lafargue, Stevenson, Bertrand Russell, Jerome K. Jerome, Marx e Samuel Johnson apostaram no desenvolvimento técnico como possibilidade de liberação do trabalho. Erraram: na era da tecnociência, nunca se trabalhou tanto e nunca se pensou tão pouco. Assim, o espírito tende a se tornar coisa supérflua.
O mais radical dos libelos contra o trabalho alienado continua a ser o pequeno ensaio de Paul Lafargue (1842-1911), "O Direito à Preguiça" (1880). "Trabalhem, trabalhem, proletários, para aumentar a fortuna social e suas misérias individuais; trabalhem, trabalhem, para que, tornados mais pobres, tenham mais razões ainda para trabalhar e tornarem-se miseráveis. Essa é a lei inexorável da produção capitalista".
Para Lafargue, o trabalho é invenção relativamente recente, uma vez que os antigos gregos desprezavam o trabalho e deliciavam-se com os "exercícios corporais" e os "jogos de inteligência". Ele critica a moral cristã ao proclamar o "ganharás o pão com o suor do rosto" e ao lembrar que Jeová, "depois de seis dias de trabalho, repousou por toda a eternidade".
Robert Louis Stevenson (1850-94), na "Apologia dos Ociosos" (1877), mostra que o ócio "não consiste em nada fazer, mas em fazer muitas coisas que escapem aos dogmas da classe dominante".
O que importa hoje, talvez, é propor a luta do progresso contra o progresso; isto é, a valorização do progresso do espírito, a valorização dos valores contra o progresso técnico, esta "ilusão que nos cega". Eleger a quietude, o silêncio e a paciência para conhecer e aprofundar indefinidamente as coisas dadas.
Eis o ócio que Karl Kraus (1874-1936) nos propõe: "Se o lugar aonde quero chegar só puder ser alcançado subindo uma escada, eu me recusarei a fazê-lo. Porque lá aonde eu quero realmente ir, na realidade já devo estar nele. Aquilo que devo alcançar servindo-me de uma escada não me interessa".
Habitar o próprio eu, comenta Bernard Sève, é o projeto de Montaigne: viver em repouso, longe das agitações do mundo, retirar-se da pressa do mundo "para se conquistar, passar do negotium ao otium", do negócio ao ócio.
É isso que podemos ler na inscrição que Montaigne mandou pintar nas paredes da sua torre:
"No ano de Cristo de 1571, aos 38 anos, vésperas das calendas de março, dia de aniversário de seu nascimento, depois de exercer longamente serviços na Corte (Parlamento de Bordeaux) e nos negócios públicos [...] Michel de Montaigne consagrou este domicílio, este tranquilo lugar vindo de seus ancestrais, à sua própria liberdade, à sua tranquilidade, ao seu 'loisir' (otium)".
Eis que Montaigne recolhe-se ao ócio reflexivo, com um espírito criativo leve e vagabundo. Como escreve Sève, um Montaigne distante das pressões políticas e das injunções do trabalho burocrático, com o espírito já amadurecido, "construído pela vida, espírito prestes ao fecundo exercício de uma ociosidade inteligente e feliz".
Marcos Lucio,
ResponderExcluirAdorei seu Segundo comentario ...... Bravo
Felicidades,
Gilda Bose