domingo, 27 de julho de 2014

Depoimento de um aluno

"Não, eu não vou bem na escola. Esse é o meu segundo ano na sétima série e eu sou muito maior que os outros alunos. Entretanto, eles gostam de mim. Não falo muito em aula, mas fora da sala sei ensinar um mundo de coisas. Eles estão sempre me rodeando e isso compensa tudo o que acontece em sala.

Eu não sei porque os professores não gostam de mim. Na verdade, eles nunca gostaram muito. Parece que nunca acreditaram que a gente sabe alguma coisa, a não ser que se possa dizer o nome do livro onde aprendeu. Tenho vários livros lá em casa. Mas não costumo ler todos, como mandam fazer na escola. Uso meus livros quando quero descobrir alguma coisa. Por exemplo, quando a mãe compra algo de segunda mão e eu procuro na "Sears" ou "Word`s" para saber se ela foi tapeada ou não. Sei usar o índice rapidamente e encontrar tudo o que quero.

Mas na escola a gente tem que aprender tudo o que está no livro, e eu não consigo guardar. Ano passado, fiquei na escola depois da aula, todo dia, durante duas semanas, tentando aprender os nomes dos presidentes. Claro que conhecia alguns como Washington, Jefferson, Lincoln. Mas preciso saber os trinta, todos juntos e em ordem. E isso eu nunca sei. Também não ligo muito, porque os meninos que aprendem os presidentes têm que aprender os vice depois. Estou na sétima série pela segunda vez, mas a professora agora não é muito interessada nos presidentes. Ela quer que a gente aprenda os nomes de todos os grandes inventores americanos.

Acho que nunca conseguirei decorar nomes em História. Esse ano comecei a aprender um pouco sobre caminhões porque meu tio tem três e disse que posso dirigir um quando fizer 16 anos. Já sei bastante sobre cavalo a vapor e sobre marchas de 26 marcas diferentes de caminhão, alguns Diesel. É gozado como os motores Diesel funcionam. Comecei a falar sobre eles com a professora de ciências na semana passada, quando a bomba que a gente estava usando para obter vácuo esquentou. Mas a professora disse que não via relação entre um motor Diesel e a nossa experiência sobre a pressão do ar. Fiquei quieto. Mas os colegas parecem gostar. Levei quatro deles à garagem do meu tio e vimos o mecânico desmontar um enorme caminhão Diesel. Rapaz... e como ele entende disso!

Eu não sou forte também em geografia. Nesse ano eles falam em Geografia Econômica. Durante toda a semana estudamos tudo o que o Chile importa e exporta, mas não consegui guardar nada. Talvez porque faltei à aula, pois meu tio me levou a uma viagem, mais ou menos 200 milhas de distância. Trouxemos duas toneladas de mercadoria de Chicago. Meu tio me dizia aonde estávamos indo e eu tinha de indicar as estradas e as distâncias em milhas. Ele só dirigia o caminhão e virava à direita ou à esquerda quando eu mandava. Como foi bom! Paramos sete vezes e dirigimos mais de 500 milhas, ida e volta. Estou tentando calcular o óleo e o desgaste do caminhão para ver quanto ganhamos.

Eu costumo fazer as contas e escrever as cartas para todos os fazendeiros sobre os porcos e os bois trazidos. Houve apenas três erros em 17 cartas. Minha tia disse que só tive problemas com as vírgulas. Se eu pudesse escrever minhas redações bem assim... outro dia o assunto era "o que uma rosa levou da primavera". E não deu!

Também não dou para matemática. Parece que não consigo me concentrar nos problemas. Um deles era assim: 'se um poste telefônico, com 57 pés de comprimento, cai atravessado em uma estrada de modo que 17 pés sobrem de um lado e 14 do outro, qual a largura da estrada?´. Acho uma bobagem calcular largura de estrada. Nem tentei responder, pois o problema também não dizia se o poste tinha caído reto ou torto.

Não sou bom em artes práticas. Todos nós fizemos um prendedor de vassouras e um segurador de livros. Os meus foram péssimos. Também, não me interessei. A mãe nem usa vassoura desde que ganhou um aspirador de pó, e todos os nossos livros estão dentro de uma estante com porta de vidro.

Quis fazer uma fechadura para o trailer do meu tio. Mas a professora não deixou, pois eu teria que trabalhar só com madeira. Assim fiz essa parte de madeira na escola e o resto na garagem do tio. Ele disse que economizou mais ou menos dez dólares com o meu presente.

Moral e Cívica também é fogo! Andei ficando depois da aula, tentando aprender os artigos da Constituição. A professora disse que só poderíamos ser bons sabendo isso... e eu quero ser um bom cidadão. Mas detestava ficar depois da aula porque um bando de meninos estava limpando o lote da esquina para fazer um playground para crianças do Lar Metodista. Eu até fiz um conjunto de barra, usando canos velhos. Conseguimos dinheiro vendendo jornais velhos, para fazer uma cerca de arame em volta do lote.

O pai disse que posso sair da escola quando tiver 15 anos. Estou doidinho para isso porque há um mundo de coisas que eu preciso aprender, e já estou ficando velho".

(Retirado de Concy, Stephan M. "The Poor Scholar´s Soliloquy", Childhood Education, 20:219-220, January, 1944)


6 comentários:

  1. Fernanda,

    Para voce ver que o problema da Educacao e em toda parte do mundo. Isso acnteceu em 1944, eu so espero que este aluno tenho alcancado sucesso na carreira que ele escolheu ....... Sei que todo ensino tem sua deficiencia, mas mesmo assim eu prefiro o conhecimento. E como e importante se ter bons professores ......
    gracas a Deus eu tive. E para mim os dois, profesor e aluno tem que dar 50% cada para se fazer 100%, nao adianta nada o professor ser excelente se o aluno nao quer saber de nada ......

    Felicidades,

    Gilda Bose

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  2. Gilda querida... Tive professores dos dois tipos, dos bons e dos ruins. E vou te dizer: os bons são inesquecíveis pelo bem que nós fizeram (e que reverbera vida afora)... Mas os ruins também a gente não esquece, sobretudo pelo mal que nos causaram, além de nós terem feito passar pelo dissabor de suas péssimas aulas! Beijos!

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  3. Como tenho memória seletiva rsrs, vou falar somente dos bons e imprescindíveis professores.Ja´disse que não conheço profissão mais digna (e, no Brasil, mais injustiçada, não só financeiramente), posto que formadora das demais profissões.Do pouco que sei, devo quase tuuuudo a eles.

    Segundo Einstein, um grande professor discorre sobre as teorias mais complexas da forma mais simples. Ou seja, Einstein seria capaz de explicar a teoria da relatividade para uma criança e ela entenderia e se sentiria muito feliz com isso. Já a Victor Hugo é atribuída uma história muito apropriada para nosso tema. Ao se aproximar de dois operários que estavam quebrando pedras, percebeu que um estava cansado e sério, e o outro, também cansado, estava alegre, mas com uma quantidade bem maior de pedras quebradas.

    E então perguntou: “O que vocês estão fazendo?” A resposta foi elucidativa. O que estava sério respondeu secamente: “Não está vendo? Estou quebrando pedras”. Já o que estava alegre disse, orgulhoso: “Estou construindo uma catedral”.

    Assim também é o bom professor, pois ao explicar de forma simples conteúdos complexos, mostrando os grandes alcances ou objetivos ou a importância do assunto, ele estará despertando o interesse do aluno, permitindo o desabrochar de seu talento. E ao sentir a chama de seu talento brilhando, tal aluno será capaz de captar cada informação de seu professor e ir “além”. Esse além é o despertar do conhecimento, desenvolvido pelo próprio aluno, se não estou, como quase sempre equivocado rsrs.
    Santé e axé!

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    1. Oooooootima a história do Victor Hugo, autor aliás de um livro que adoro: Os Miseráveis!

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  4. Na pequena biblioteca da minha mãe, a brochura do exemplar de "Os Miseráveis" nunca me saiu da memória, mas a memória, no momento falha a respeito do conteúdo, pois minha ânsia por conhecer era maior do que jogar bola e, por isso eu lia até mesmo o que não podia entender. Vou ver o filme hoje!!!!!!

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    1. È um dos meus meus livros preferidos! E o filme (o último) é lindo!

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