Depois que minha irmã morreu, meu rosto ficou diferente.
Todos os dias eu me olhava ao espelho e não me encontrava... havia um mistério ali, que durou meses. Aquele rosto refletido não era o meu. E onde é que estaria o meu rosto? O que é que tinha acontecido com ele?
Então um dia fui ao cinema ver “Abril despedaçado”, sem saber do que tratava o filme. E, já na calçada, diante do cinema, levei um choque ao ver O MEU ROSTO, imenso, no banner da propaganda.
Mais tarde entendi. Na cena da foto, o Rodrigo Santoro chorava pelo irmão morto.
Tempos depois, num papo com ele, ao fim de uma entrevista, contei que ele tinha, com aquela foto, me explicado o que é que havia acontecido com o meu rosto. Entendi, AO ME VER na foto DELE, que era o meu sofrimento que aparecia ao espelho, toda vez que eu me olhava... os meus olhos vazios, a minha boca amarga, as minhas bochechas murchas. A minha tristeza.
E não resisti:
-- Mas de onde foi que você tirou aquela dor? Como você conseguiu?
E ele respondeu, simplesmente:
-- Eu senti porque era verdade. Tinha perdido um irmão.
Os caminhos percorridos por um ator, para chegar à emoção que convença a platéia, nos são incompreensíveis. Lembrei da Kátia Lund, cineasta que preparou o elenco de “Cidade de Deus”, me dizendo, numa outra entrevista, que cinema não é trabalho para qualquer um, e que o ator, para tanto, tem mesmo é que ser genial:
-- Na hora de ser triste em cena, o olho dele está gigante na tela. Se a tristeza não for de verdade, o mundo inteiro vai ver.
Eu sabia que era tudo mentirinha, que ele havia perdido o irmão só no roteiro do filme... mas tive a certeza de que ele, sei lá como, chegou ao fundo do poço em que eu estava, e experimentou o terror do luto e o desgosto com a vida. Vi isso no rosto dele, que era igual ao meu rosto.
Em “Heleno”, sobre o craque do Botafogo, cheguei a bocejar... o filme é arrastado e superficial como uma novela das nove, e cheguei a ficar constrangida diante das tentativas do diretor de recriar a magia de “Bicho de Sete Cabeças”, filme que revelou o talento genuíno de Santoro, aliás.
Mas ver o protagonista em cena é um colírio para os olhos, e não porque ele seja bonito ou elegante. Mas porque ele consegue, como pouquíssimos, alcançar a raiz dos mais difíceis sentimentos. A vaidade, o medo, a desesperança... e uma tristeza sem fundo... e tão humana.
Uma vez, um senhor chegou na minha loja (já não tenho mais) e ficou olhando para um negócio la da loja, até que eu perguntei: O senhor é seu João da cerâmica? Sou sim, respondeu. O seu João tinha perdido um filho a menos de uma semana - fora sequestrado e morto por um empregado da casa dele. Eu nunca tinha visto o seu João pessoalmente, mas a face daquele homem, naquele momento, me dizia que eu tinha que fazer alguma coisa. De fato, seria muito difícil. Quando atores por ai dizem que fizeram laboratório, sou obrigado a pensar naqueles laboratórios que fazem exames de fezes.
ResponderExcluirAlfredo, seu comentário me emocionou.
ExcluirFernanda,
ResponderExcluirOs olhos sao o espelho da alma. Quando voce olha para uma pessoa voce sente se ela esta feliz ou como no caso da foto (transtornada pela dor).
Gosto muito do Rodrigo Santoro, e admiro sua postura em relacao ao trabalho e vida pessoal.
Felicidades,
Gilda Bose
Mauro Pires de Amorim.
ResponderExcluirSempre que passamos por experiências marcantes na vida, sejam no sentido bom, positivo ou no sentido ruim, negativo, acabos alterando nossa forma de expressão e de olhar. Não apenas em nosso semblante, mas na forma em que avaliamos, enxergamos o mundo ao nosso redor. São as alterações das experiências em nossa alma, espírito, ou, caráter e consciência.
Meu pai, aos quase 79 anos de idade está com câncer. Há 2 anos luta arduamente contra a doença. Está fisicamente debilitado e mentalmente cançado. Praticamente toda semana estou com ele. Não que isso seja um fardo, mas por amor, carinho, solidariedade e para que ele sinta que não vou abandona-lo. É verdadeiramente o melhor que posso fazer diante dessa situação, do fundo dos meus mais verdeiros bons sentimentos. Não gosto de ver ningúm sofrendo (veja a metáfora da visão, do enxergar, aí de novo). Aliás, em são caráter e consciência, quem gosta? Mas diante de certas situações, nosso sentimento exclusivista da perda e da ausência é pequeno demais. Diante da situação de meu pai, ocorra o que ocorrer, sempre terei dele, vivendo no mundo de minhas memórias vivas, os melhores e mais felizes momentos.
Lidar com isso não é nada fácil. Nos questionamos o tempo todo. Estaremos sendo egoístas? Conformistas e passivos demais? Em casos de doença, arguímos. Será que os médicos e hospitais realmente fizeram e fazem o certo e melhor? Enfim, essas questões rondando nossa cabeça, são uma tortura, um sofrimento a mais diante da situação concreta e específica que avaliamos, enxergamos.
Penso que devemos arguír, mas não devemos nos posicionar como absolutos, pois aí surgem os conflitos, sejam externos e/ou internos, conosco mesmo e invariavelmente, aumentaremos nosso sofrimento e continuaremos a sofrer por mais tempo.
Sinceros desejos de felicidades e boas energias.
Mauro, desejo o melhor para o seu pai, para você e toda a sua família. Força, esperança na luz de Jesus Cristo e fé na bondade de Deus. Abraços!
ExcluirLi, primeiro, aleatoriamente, o blog do matcelo, que aborda o último e belo desempenho de Rodrigo Santoro, No filme Heleno. Reitero o que postei naquele blog. Considero o ator em questão, junto à Selton Melo, dos mais talentosos de sua geração. Assisti todos seus filmes, exceto, os 300, e em todos, realmente, dá um banho de interpretação. Gostaria de vê-lo no teatro, que creio, nunca fêz. O Selton, faz cinema, atuando e recentemente, dirigindo e atuando em dois ótimos filmes, ratifica seu crescente talento dramatúrgico. Ademais, as peças que pratogonisou, o fêz com imenso talento. Recordo de uma das primeiras, O ZELADOR, em que sua atuação é grandiosa. Ambos, Selton e Rodrigo, quando atuam em televisâo, geralmente, em mini-séries bem dirigidas, fazem a diferença, com seu inquestionável talento.
ResponderExcluirVoltando ao Santoro, Bicho de sete cabeças, indiquei, à época, para estagiários de Psicologia Clínica, à quem dava supervisão, o que possibilitou-nos ricas reflexões sobre a loucura, amplo espectro. Salve o cinema nacional, esses e outros talentosos atores e atrizes, além, claro, da nova safra de diretores e diretoras, igualmente talentosos.
Antonio Carlos
Com todo respeito , consideração e alteridade, em relação à sua dor identificada neste belo e comovente cartaz, queriDannemann, e, assinando embaixo que o Santoro, principalmente em Bicho de 7 cabeças, com seu fenomenal talento camaleônico, mimetizador de personagens...está avassalador, soberbo, e inesquecível . A música é um caso de excelência, à parte e super bem casada com as cenas.
ResponderExcluirPara descontrair, reroduzo este texto que tenho como revelador de que cada um _e não sem razão_ tem a sua dor como a maior. Se não achar divertido, desculpas antecipadas e creia: ele não diz respeito a você, ok?
A minha dor é maior que a sua
autor?
O ser humano tem a capacidade de ver um problema, identificar sua possível causa e até conseguir uma solução. Isso é provado pela ciência há muito tempo e ninguém ousa contestar. O que ninguém até hoje consegue explicar é o motivo dos seres humanos oriundos do Brasil conseguirem reclamar tanto acerca de seus próprios problemas.
Experimente falar que está com algum problema a alguma pessoa que você sabe que passa por problemas semelhantes, veja qual sua reação quase que automática, quase sempre falando que entende aquilo que a pessoa está passando e que passa por problemas piores.
É como se encontrasse Jesus e dissesse pra ele “olha, Cara, minha chaga é maior que a sua”. Eu acho que é a forma que o senso comum encontrou de dizer algo confortante, de dizer “ta ruim? Tem gente pior que você”.
Sem contar aqueles desgraçados que utilizam-se da Lei de Morphy e dizem que se “tá ruim pode piorar”. E aí não se sabe qual o pior, aquele que diz que sente muito e, até mais, ou aquele que diga que sua dor é péssima, mas que pode piorar.
Olhando por um lado mais otimista da coisa vemos que o povo brasileiro é um povo muito acolhedor, que realmente se sente comovido com a dor do outro. Difícil é lidar com aqueles que tomam para si a dor alheia e acabam piorando a situação, mesmo que de boa vontade, sem falar naquelas vizinhas fofoqueiras mesmo, aquelas que estão de olhos e ouvidos atentos para captar qualquer erro que a pessoa possa cometer para que “a rua toda possa saber quem é tal pessoa”.
Orlando tem dois filhos e trabalha na mesma fábrica de carros que João, que também tem um casal de filhos e também paga aluguel. Exatamente no mesmo dia eles foram demitidos em virtude da atual crise mundial, ambos se encontraram na saída da fábrica e disseram a mesma coisa “tenho uma péssima notícia”, o outro já responde “fui demitido”, parecem que estão na mesma; parece. “rapaz, tenho dois filhos, esposa e aluguel, como vou pagar isso tudo?”, diz Orlando. “Pior é a minha situação que minha esposa nem trabalha”, já desafia João. “Essa crise me atingiu com força, viu, parece que vou ter que me mudar pra casa da minha sogra”, Orlando pensa estar ganhando o perrengue que se formou. “Pior é meu caso, ‘omi’, minha sogra já está morando comigo e o pior ainda é que ela gasta mais álcool que meu carro que já está com busca e apreensão”. E até agora não se sabe quem ganhou o perrengue pessimista.
Olhando tudo aquilo com uma cara de curioso, Marcus, que também acabara de ser demitido, decidiu montar uma fábrica caseira de lenços de papel e começou a vender para esse povo que só fazia chorar e da crise tirou sua fortuna. Crise, também, é oportunidade.
Beijão
Marcos Lúco
Gosto muito deste texto e sempre que leio algo referente a perdas, tristezas, dores, fundo do poço e poço sem fundo, etc., lembro-me dele, que aqui transcrevo para a melhor blogueira que conheço. A propósito: tenho o Rodrigo como o melhor artista nacional e concordo: Bicho de 7 cabeças é o bicho!!! e, simplesmente imperdível.
ResponderExcluirAs dores acabam
Hilda Lucas
É incrível, mas um dia toda dor acaba. É como acordar sem febre depois de noites de agonia. Você se pergunta distraída: Onde está a dor que eu deixei aqui? Foi embora, de repente, sem ser notada, sem alarde.
Um dia você percebe que alguma coisa parou de doer. Um dia você entende que não precisa mais daquela dor. Um dia você sente preguiça de sofrer e tem vontade de alongar a alma, estende-la ao sol.
As dores acabam por que a vida é maior e mais teimosa.
Quando se está no olho do furacão, no fundo do abismo, velando um ente amado, rolando na cama vazia, a dor parece eterna, presença maciça, definitiva, que tudo ocupa e devasta. Ela fica ali, sentada no sofá, servindo-se do jantar, pulsando na outra metade do leito, rondando sua intimidade, compartilhando sua rotina. Lê seus livros, vai ao cinema com você, amiga íntima, inseparável. Torna-se familiar, corriqueira. Essencial. Reverenciada. A dor é um dublê que ocupa o lugar deixado pela sua alma ferida, encolhida, retirada. Despojo de toda perda. Matéria feita de ausências.
Quando se está em dor, a frase que mais se ouve é: Vai passar... Nada como um dia após o outro ou então, O tempo cura tudo! Naquela hora, tudo soa ridículo, leviano, estúpido. Dá vontade de gritar, numa espécie de arrogância e vaidade às avessas: Você não conhece a minha dor. A minha dor é a maior do mundo e nunca vai passar!
Cuidado! A dor é aderente. Não se apegue demais, não se deixe seduzir. As sombras não protegem apenas escondem. Não se aprisiona a dor sem tornar-se prisioneiro dela. A dor pode virar um vício. Uma grande justificativa. Uma explicação respeitável. O inferno consentido. Um destino e não um caminho. O tumor alimentado com diligência. O veneno tomado solenemente.
A dor que não é doença tem prazo de validade. Cumpre um ciclo. É percurso, mal necessário, remédio amargo. Expurgo. Esconjuro. Depuração. Quando ela acaba deixa um vazio, um descampado que será aos poucos inundado pela sua alma alargada, reintegrada que se espalhará como maré alta e tudo contemplará.
As grandes dores parecem inesgotáveis, insaciáveis. Mas mesmo as dores indizíveis, aquelas das perdas impronunciáveis, as dores abissais que contrariam as leis da vida, mesmo essas um dia passam. Param de fisgar, de sangrar. Cansam, aquietam. Libertam-se de nós e viram cicatrizes, marcas, tatuagens.
É comovente e belo trazer no corpo e na alma as marcas das dores bem vividas. Nada mais natural que fazer as pazes com nossas dores. Deixá-las partir sem medo. Lembrá-las sem sobressaltos. Reconhecê-las.
Afinal, “nós também somos o que perdemos”.
Abraço afetuoso para a blogueira, agora mais charmosa ainda...em Paris. Excelente e proveitosa estadia nesta cidade dos sonhos, como você definiu bem e com total asserividade.
Danilo
Querido Danilo, gostei demais deste texto que vc mandou, vou ate imprimir. Obrigada e bjao!
Excluir