O velho Alencar, sentado na grama da varanda,
espalhava olhares sobre a paisagem do campo
(imutável prado;
sonhador imutável na mesma varanda de tantos anos).
Lembrava-se de Cléa...
de sua risada sonora;
e dos seus bordados,
retratos daquela terra.
Ao pensar Cléa,
fitava o rosto cru de Estela:
um rosto duro
marcado pelo choro como se fosse chuva
na terra estéril.
Cléa vivia no retrato sobre a mesa
e na solidão de Estela.
Vivia nos olhos de Alencar,
coloridos por triste azul.
Cléa e Tereza
ainda viviam nas doces mãos de Marina,
na bondade irmã
a sustentar Estela e Diana.
Cléa e Tereza eram mães da dor,
irmãs da bondade
e inteiramente mistério.
O velho Alencar era já a imagem de Gonçalves,
parceiro da memória.
Gonçalves, todo lembrança...
viva corrosão
das imagens multicores do passado.
(Fernanda Dannemann)
Fernanda: Lendo seu texto, pulei de Alencar para ouvir Aznavour - "Que c'est triste Venice", talvez seu clássico mais clássico e percebo, não é a primeira vez, uma tristeza muito mais real do que é a estampada no semblante cansado de Charles, para quem a vida esteve próxima demais de um sonho, no glamour de palcos e tudo mais. Nossas vidas, no momento em que ganham a paz de um mar refletindo a prata da lua em noite calma, perdem a força, o vigor, a energia e não será nenhuma surpresa uma notícia de morte, de quem enfim, acompanhamos incógnitos por toda uma vida, embalando nossos próprios sonhos. Não! Não seria mais surpresa e nestes momentos... de notícias das perdas de valores, confesso medo e tristeza, (acabou o chocolate e de amanhã - é madrugada, vou ouvir as três nos meus ouvidos) Minhas filhas estão aqui em casa. Dirão: Quer morrer? Não! (vou responder) Não quero morrer e não quero que morram também meus clássicos, meus prediletos, amigos incógnitos com quem falo até sem querer de alma... Para alma. Respondendo assim, estabeleço uma confusão danada e elas acabam preferindo deixar o assunto pra lá. Eu, vencedor é que fico atrás contando outras lorotas.
ResponderExcluirhttp://letras.terra.com.br/julio-iglesias/424868/ A madrugada segue e De Ninã a Mujer, vou vivenciando isto, uma paixão pelo momento, com a brisa entrando porta adentro e a bolinha deitada no tapete como num filme, um filme feito só pra mim e que resolvi dividir com todos. Na sequencia: http://letras.terra.com.br/julio-iglesias/287867/ Fernanda: Só publique se quiser a minha emoção.
ResponderExcluirAlfredo... eu adoro Aznavour, e "Que c'est triste Venice" é minha predileta. Ando sofrendo de saudades por estes tempos. Beijão!
ResponderExcluirQUERIDANNEMANN...desculpe o mau jeito ou a ousadia...ou seja lá o que for. Queria comentar seu poema e, no entanto, não sei por que cargas d'água,
ResponderExcluirpensei (se é que ainda penso rsrs...) que se amor com amor se paga, poema com poema se recebe ou se divide.
Como não sei poematizar, deixei que o "intuitivo" escolhesse estes que, oxalá, sejam do seu agrado. Esta invulgar poetisa possui uma delicadeza que parece fazê-la bordar palavras (costumo dizer que ela não é poetisa, é bordadeira de palavras...).Sabedor de que você e o amor estão amalgamados, almejo agradá-la ou ser carinhoso, às custas da magnífica Cecília.
Boas vibrações, santé e axé!!!
Beijão do estiMarcos
Ou isto ou aquilo
Ou se tem chuva, ou se tem sol
Ou se tem sol e não se tem chuva!
Ou se coloca a luva e não se põe o anel,
Ou se põe o anel e não coloca a luva!
Quem sobe nos ares não fica no chão,
Quem fica no chão não sobe nos ares.
É uma grande pena que não posso
Estar ao mesmo tempo nos dois lugares!
Ou guardo dinheiro e não compro doce,
Ou compro doce e gasto o dinheiro.
Ou isto ou aquilo... Ou isto ou aquilo...
E vivo escolhendo o dia inteiro
Quem tivesse um amor
Quem tivesse um amor, nesta noite de lua,
para pensar um belo pensamento
e pousá-lo no vento!
Quem tivesse um amor - longe, certo e impossível -
para se ver chorando, e gostar de chorar,
e adormecer de lágrimas e luar!
Quem tivesse um amor, e, entre o mar e as estrelas,
partisse por nuvens, dormentes e acordado,
levitando apenas, pelo amor levado...
Quem tivesse um amor, sem dúvida nem mácula,
sem antes nem depois: verdade e alegoria...
Ah! quem tivesse... (Mas, quem teve? quem teria?)
Cecília Meireles
EstiMarcos, você nem imagina: a Cecília é minha tia-bisavó! E só não é a minha poetisa preferida porque existe a Adélia Prado. beijo!
ResponderExcluirAdirei saber deste parentesco chique e alvissareiro...é no que dá seguir o intuitivo...atirei no que vi
ResponderExcluire acertei no que não vi. Na verdade, queriDannemann, eu queria postar, este, a seguir:
Encostei-me a ti, sabendo que eras somente onda.
Sabendo bem que eras nuvem, depus a minha vida em ti.
Como sabia bem tudo isso, e dei-me ao teu destino, frágil,
Fiquei sem poder chorar quando caí.
Cecília Meireles
Em sua homenagem, então,algumas palavras "bailarinas"
da fabulosa poetisa Adélia Prado: mulher de verdade, como você... e sua favorita, por supuesto.
Abraço forte e carinho
EstiMarcos
COM LICENÇA POÉTICA
Quando nasci um anjo esbelto,
desses que tocam trombeta, anunciou:
vai carregar bandeira.
Cargo muito pesado pra mulher,
esta espécie ainda envergonhada.
Aceito os subterfúgios que me cabem,
sem precisar mentir.
Não tão feia que não possa casar,
acho o Rio de Janeiro uma beleza e
ora sim, ora não, creio em parto sem dor.
Mas, o que sinto escrevo. Cumpro a sina.
Inauguro linhagens, fundo reinos
(dor não é amargura).
Minha tristeza não tem pedigree,
já a minha vontade de alegria,
sua raiz vai ao meu mil avô.
Vai ser coxo na vida, é maldição pra homem.
Mulher é desdobrável. Eu sou.
Paixão
“De vez em quando Deus me tira a poesia.
Olho pedra, vejo pedra mesmo.
O mundo, cheio de departamentos,
não é a bola bonita caminhando solta no espaço.”
Desenredo
“Para o desejo do meu coração
o mar é uma gota.”
Tempo
“Quarenta anos: não quero faca nem queijo.
Quero a fome.”
Artefato nipônico
A borboleta pousada
ou é Deus
ou é nada.
Verossímil
Antigamente, em maio, eu virava anjo.
A mãe me punha o vestido, as asas,
me encalcava a coroa na cabeça e encomendava:
‘canta alto, espevita as palavras bem’.
Eu levantava voo rua acima.
Explicação de poesia sem ninguém pedir
Um trem de ferro é uma coisa mecânica,
mas atravessa a noite, a madrugada, o dia,
atravessou minha vida,
virou só sentimento.
Momento
Enquanto eu fiquei alegre, permaneceram
um bule azul com um descascado no bico,
uma garrafa de pimenta pelo meio,
um latido e um céu limpidíssimo
com recém-feitas estrelas.
Resistiram nos seu lugares, em seus ofícios,
constituindo o mundo pra mim, anteparo
para o que foi um acometimento:
súbito é bom ter um corpo pra rir
e sacudir a cabeça. A vida é mais tempo
alegre do que triste. Melhor é ser.
Ah, mas tudo isso merece um post! Obrigada pelas palavras, todas tão lindamente unidas. Eu realmente acho que a poesia é o que há de mais fino possível a ser feito pelo homem. Cecília, Adélia, Pessoa, Quintana... traduzem tão bem tudo o que eu sinto! Parece até que são também um pedaço de mim. Beijão
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