quinta-feira, 8 de março de 2012

Árvore genealógica da dor

O velho Alencar, sentado na grama da varanda,
espalhava olhares sobre a paisagem do campo
(imutável prado;
sonhador imutável na mesma varanda de tantos anos).

Lembrava-se de Cléa...
de sua risada sonora;
e dos seus bordados,
retratos daquela terra.

Ao pensar Cléa,
fitava o rosto cru de Estela:
um rosto duro
marcado pelo choro como se fosse chuva
na terra estéril.

Cléa vivia no retrato sobre a mesa
e na solidão de Estela.
Vivia nos olhos de Alencar,
coloridos por triste azul.

Cléa e Tereza
ainda viviam nas doces mãos de Marina,
na bondade irmã
a sustentar Estela e Diana.

Cléa e Tereza eram mães da dor,
irmãs da bondade
e inteiramente mistério.

O velho Alencar era já a imagem de Gonçalves,
parceiro da memória.

Gonçalves, todo lembrança...
viva corrosão
das imagens multicores do passado.

(Fernanda Dannemann)

7 comentários:

  1. Fernanda: Lendo seu texto, pulei de Alencar para ouvir Aznavour - "Que c'est triste Venice", talvez seu clássico mais clássico e percebo, não é a primeira vez, uma tristeza muito mais real do que é a estampada no semblante cansado de Charles, para quem a vida esteve próxima demais de um sonho, no glamour de palcos e tudo mais. Nossas vidas, no momento em que ganham a paz de um mar refletindo a prata da lua em noite calma, perdem a força, o vigor, a energia e não será nenhuma surpresa uma notícia de morte, de quem enfim, acompanhamos incógnitos por toda uma vida, embalando nossos próprios sonhos. Não! Não seria mais surpresa e nestes momentos... de notícias das perdas de valores, confesso medo e tristeza, (acabou o chocolate e de amanhã - é madrugada, vou ouvir as três nos meus ouvidos) Minhas filhas estão aqui em casa. Dirão: Quer morrer? Não! (vou responder) Não quero morrer e não quero que morram também meus clássicos, meus prediletos, amigos incógnitos com quem falo até sem querer de alma... Para alma. Respondendo assim, estabeleço uma confusão danada e elas acabam preferindo deixar o assunto pra lá. Eu, vencedor é que fico atrás contando outras lorotas.

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  2. http://letras.terra.com.br/julio-iglesias/424868/ A madrugada segue e De Ninã a Mujer, vou vivenciando isto, uma paixão pelo momento, com a brisa entrando porta adentro e a bolinha deitada no tapete como num filme, um filme feito só pra mim e que resolvi dividir com todos. Na sequencia: http://letras.terra.com.br/julio-iglesias/287867/ Fernanda: Só publique se quiser a minha emoção.

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  3. Alfredo... eu adoro Aznavour, e "Que c'est triste Venice" é minha predileta. Ando sofrendo de saudades por estes tempos. Beijão!

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  4. QUERIDANNEMANN...desculpe o mau jeito ou a ousadia...ou seja lá o que for. Queria comentar seu poema e, no entanto, não sei por que cargas d'água,
    pensei (se é que ainda penso rsrs...) que se amor com amor se paga, poema com poema se recebe ou se divide.

    Como não sei poematizar, deixei que o "intuitivo" escolhesse estes que, oxalá, sejam do seu agrado. Esta invulgar poetisa possui uma delicadeza que parece fazê-la bordar palavras (costumo dizer que ela não é poetisa, é bordadeira de palavras...).Sabedor de que você e o amor estão amalgamados, almejo agradá-la ou ser carinhoso, às custas da magnífica Cecília.

    Boas vibrações, santé e axé!!!
    Beijão do estiMarcos


    Ou isto ou aquilo

    Ou se tem chuva, ou se tem sol

    Ou se tem sol e não se tem chuva!

    Ou se coloca a luva e não se põe o anel,

    Ou se põe o anel e não coloca a luva!

    Quem sobe nos ares não fica no chão,

    Quem fica no chão não sobe nos ares.

    É uma grande pena que não posso

    Estar ao mesmo tempo nos dois lugares!

    Ou guardo dinheiro e não compro doce,

    Ou compro doce e gasto o dinheiro.

    Ou isto ou aquilo... Ou isto ou aquilo...

    E vivo escolhendo o dia inteiro



    Quem tivesse um amor

    Quem tivesse um amor, nesta noite de lua,
    para pensar um belo pensamento
    e pousá-lo no vento!
    Quem tivesse um amor - longe, certo e impossível -
    para se ver chorando, e gostar de chorar,
    e adormecer de lágrimas e luar!
    Quem tivesse um amor, e, entre o mar e as estrelas,
    partisse por nuvens, dormentes e acordado,
    levitando apenas, pelo amor levado...
    Quem tivesse um amor, sem dúvida nem mácula,
    sem antes nem depois: verdade e alegoria...
    Ah! quem tivesse... (Mas, quem teve? quem teria?)
    Cecília Meireles

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  5. EstiMarcos, você nem imagina: a Cecília é minha tia-bisavó! E só não é a minha poetisa preferida porque existe a Adélia Prado. beijo!

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  6. Adirei saber deste parentesco chique e alvissareiro...é no que dá seguir o intuitivo...atirei no que vi
    e acertei no que não vi. Na verdade, queriDannemann, eu queria postar, este, a seguir:

    Encostei-me a ti, sabendo que eras somente onda.
    Sabendo bem que eras nuvem, depus a minha vida em ti.
    Como sabia bem tudo isso, e dei-me ao teu destino, frágil,
    Fiquei sem poder chorar quando caí.
    Cecília Meireles

    Em sua homenagem, então,algumas palavras "bailarinas"
    da fabulosa poetisa Adélia Prado: mulher de verdade, como você... e sua favorita, por supuesto.
    Abraço forte e carinho
    EstiMarcos

    COM LICENÇA POÉTICA

    Quando nasci um anjo esbelto,
    desses que tocam trombeta, anunciou:
    vai carregar bandeira.
    Cargo muito pesado pra mulher,
    esta espécie ainda envergonhada.
    Aceito os subterfúgios que me cabem,
    sem precisar mentir.
    Não tão feia que não possa casar,
    acho o Rio de Janeiro uma beleza e
    ora sim, ora não, creio em parto sem dor.
    Mas, o que sinto escrevo. Cumpro a sina.
    Inauguro linhagens, fundo reinos
    (dor não é amargura).
    Minha tristeza não tem pedigree,
    já a minha vontade de alegria,
    sua raiz vai ao meu mil avô.
    Vai ser coxo na vida, é maldição pra homem.
    Mulher é desdobrável. Eu sou.

    Paixão
    “De vez em quando Deus me tira a poesia.
    Olho pedra, vejo pedra mesmo.
    O mundo, cheio de departamentos,
    não é a bola bonita caminhando solta no espaço.”

    Desenredo
    “Para o desejo do meu coração
    o mar é uma gota.”

    Tempo
    “Quarenta anos: não quero faca nem queijo.
    Quero a fome.”

    Artefato nipônico
    A borboleta pousada
    ou é Deus
    ou é nada.

    Verossímil
    Antigamente, em maio, eu virava anjo.
    A mãe me punha o vestido, as asas,
    me encalcava a coroa na cabeça e encomendava:
    ‘canta alto, espevita as palavras bem’.
    Eu levantava voo rua acima.

    Explicação de poesia sem ninguém pedir
    Um trem de ferro é uma coisa mecânica,
    mas atravessa a noite, a madrugada, o dia,
    atravessou minha vida,
    virou só sentimento.

    Momento
    Enquanto eu fiquei alegre, permaneceram
    um bule azul com um descascado no bico,
    uma garrafa de pimenta pelo meio,
    um latido e um céu limpidíssimo
    com recém-feitas estrelas.
    Resistiram nos seu lugares, em seus ofícios,
    constituindo o mundo pra mim, anteparo
    para o que foi um acometimento:
    súbito é bom ter um corpo pra rir
    e sacudir a cabeça. A vida é mais tempo
    alegre do que triste. Melhor é ser.

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  7. Ah, mas tudo isso merece um post! Obrigada pelas palavras, todas tão lindamente unidas. Eu realmente acho que a poesia é o que há de mais fino possível a ser feito pelo homem. Cecília, Adélia, Pessoa, Quintana... traduzem tão bem tudo o que eu sinto! Parece até que são também um pedaço de mim. Beijão

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