domingo, 19 de agosto de 2012

Não se procure "lá"; você está aqui!

Fui ver um filme de ação bem idiota, daqueles cujas imagens engolem a gente sem nos dar tempo pra pensar.  Eis que, entre uma pipoca e outra, apareceu um personagem pra dizer a frase que não saiu mais da minha cabeça. Foi mais ou menos assim:

-- Você quer saber quem é e busca as respostas no passado. Mas ela está no presente.
Passei o resto do filme ouvindo o eco destas palavras.
Pensei em todos os anos que vivi escarafunchando o passado à procura de respostas sobre quem eu sou, sobre o porquê de ser assim ou assado, sobre a semente que germinou e deu no que deu.
Então, um dia fiquei cansada de bancar a detetive de mim mesma. Simplesmente cansei, e meu guia psicanalítico levou um susto “daqueles”.
-- Assim? De um dia para o outro você resolve parar com tudo?
Foi isso mesmo. E justamente porque, antes de ver o tal filme, tive o insight do personagem lá de cima... entendi, de uma hora pra outra, e justamente por causa do autoconhecimento que conquistei, que aquela criatura lá atrás não é mais eu; é uma outra Fernanda, e que só vive mesmo nas lembranças: no final das contas, está tão morta quanto qualquer um que já tenha cruzado a linha para o Outro Lado. Ela só revive quando a convoco com meus pensamentos, e para mostrar-se tão diferente de tudo o que eu sou agora: ajuda-me a entender o "antes", que é história, para viver melhor a realidade.
Eu, em carne e osso, em emoções e sentimentos, estou aqui no hoje que pede para ser vivido, mesmo sem que o psicanalista tenha me dado alta.
A gente nunca está pronto para as novidades que a vida traz; aprende no tranco a ser adulto e depois velho, a ser filho, irmão, marido ou mulher, pai ou mãe, profissional, pessoa de bem ou do mal. Aprende na luta a aceitar o que não tem remédio, a não sofrer por causa de um dinheiro perdido ou de uma vaidade ferida, a entender as diferenças e a deixar para trás. E nada disso está lá no passado, como um código a ser eternamente decifrado.
A busca incessante de respostas no passado diminui o valor da vida porque tira os nossos olhos do que efetivamente temos: as oportunidades e as consequências do hoje. O hábito de justificar problemas de agora usando o pretérito desvaloriza a vida.
Melhor pensar que esta conduta pode vir a fazer-nos pagar a mais cara de todas as faturas, quando, já no fim, nos dermos conta do desperdício em que estivemos vivendo.

Esta moça já não existe mais...

Leia também:
Não deixe pra amanhã a felicidade que pode sentir hoje

20 comentários:

  1. Nossos papéis no teatro da vida_sem ensaio, edição e direção_, vão-se modificando , transformando-nos ou possibilitando a descoberta da nossa essência, afinal, sem o fundamental auto-conhecimento, a gente só existe ou dura, mas não vive de fato.

    Causa-nos, eventualmente, até espanto, as nossas ingenuidades, ilusões e desacertos passados ...sem os quais não chegaríamos até aqui. Continuo radicalmente existencialista e sartreanamente creio _em que pese minha saudável compulsão pela dúvida_ que não importa tanto o que fizeram de você, mas, sim, o que você faz com aquilo que fizeram de você.

    Redescobrir, refazer, reinventar, redefinir, para transvalorar ou fazer alquimia emocional é mister...para se atingir e viver na única possibilidade real: o momento presente (tempus fugit), pois fora dele só lembranças ou esperanças existem, ato continuo..."carpe diem".

    Apáixonado por viagens e literatura, roubarei estas palavras mágicas do grande Rubem Alves, que certamente teria simpatia pelo meu furto escancarado rsrs, com a singela intenção de compartilhar e , mais ainda, contribuir... colocando uma pitadinha de pimenta no seu saboroso e reflexivo post:

    "O sobrado do meu avô não existe mais. Queimou numa imensa fogueira. Em poucas horas todo o mistério foi reduzido a cinzas. Construir demora. Destruir é rápido. Por vários dias os gigantescos barrotes de pau bálsamo continuaram a queimar, exalando seu cheiro delicioso de nunca-mais.(...)Foi-se o sobrado mas permanecem os cenários antigos na alma. O Vinícius disse que a alma dele era um círio que ardia numa catedral em ruínas. Eu digo que a minha alma é um manacá perfumado num jardim abandonado. (...) E me lembrei também de um hai-kai de Bashô: ‘Na velha casa que abandonei as cerejeiras florescem...’

    Vez por outra, diante das casas antigas e seus jardins, eu me reencontro de novo comigo mesmo como fui, menino. Foi o que me aconteceu quando visitei, faz poucos dias, São Luís do Maranhão. São Luís: para mim, até aquele momento, nada mais que um nome vazio, uma bolinha no mapa. O nome não me fazia pensar em nada. Aí eu cheguei lá, comecei a perambular pelas ruas do seu centro antigo, e uma alegria começou a tomar conta de mim. O menino que mora em mim, aquele que brincava no sobrado do meu avô, acordou do seu sono. A poesia se virou os meus olhos. Começaram a brincar. Olhavam para as casas e não viam as casas. Viam o sobrado do meu avô. Senti-me voltando para casa. Eliot disse que ‘ao final de nossas longas explorações chegaremos finalmente ao lugar de onde partimos e o conheceremos então pela primeira vez.’ Estaria eu voltando? Retornando ao lugar de onde parti? Será que eu, adulto, sou um estranho, exilado, no mundo da modernidade e das casas novas? O sobrado do meu avô, as casas antigas de São Luís - tão distantes no espaço e no tempo! E, no entanto, habitantes de um mesmo tempo, de um mesmo mundo. As casas antigas de São Luís e o sobrado antigo do meu avô não são casas desse mundo, são casas de um mundo que não existe mais, que existe só na saudade onde moram os sonhos. Mas, como a alma é feita de saudade, esse mundo que não existe do lado de fora continua a existir do lado de dentro. E lá estava eu, menino, andando pelas ruas antigas.

    Abraço forte
    Marcos Lùcio

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    1. Querido EstiMarcos... que coisa linda este texto. Diz aí de que livro é, eu quero ler!

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    2. QueriDannemann...fico felicíssimo quando proporciono algum tipo de alegria ou emoção prazenteira...ainda mais nas pessoas queridas como você. O endereço da linda crônica (que abre citando Adélia Prado...vc vai amar!)está abaixo, mas pesquise o site dele. É um luuuuuuuuuxo, pérolas aos poucos e exigentes leitores de excelências. Lá você tem inúmeros e excelentes textos e crônicas, além dos nomes dos imperdíveis livros deste brilhante autor que, naturalmente, "ADOOOOOOOOOOOOOOORRO".

      http://www.rubemalves.com.br/saoluisdomaranhao.htm

      Abraço apertado e beijo estalado!

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  2. Digo sempre: Quem gosta de passado eh historiador. Quem gosta de coisa velha eh arqueologo.
    Concordo. Rever (revivier) o passado serve para compara-lo ao presente e quando isso ocorre, na maioria das vezes, eu percebo que algo que tenha feito no passado realmente nao foi a melhor opcao. Vivemos aprendendo pelos erros cometidos...
    De modo geral passado eh sinonimo de recordacao, coisa que nos, humanos, temos. Infelizmente nao temos o poder de selecionar e, as vezes, quase que por encanto, recordacoes ruins vem incomodar mas, com um pouco de discernimento, podemos usa-las para um aprimoramento pois, afinal, vivemos pensando em "progressar" e, se desejamos melhorar; fazer o "certo" devemos usar as coisas e situacoes ruins do nosso passado para... NUNCA MAIS repetir!

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  3. Fernanda, voce esta linda na foto.

    Este tema me fez voltar a infancia, (a minha querida infancia..),

    Nunca deixei a crianca que vive em mim morrer .....Nao tenho nada a acrescentar, apos o comentario do estimado Marcos Lucio (vou ate entrar no site do Rubem Alves)....adorei .......

    Beijos,

    Gilda Bose

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    1. Pois é Gilda...ontem estava mais uma vez visitando a portentosa CASA DO RUBEM ALVES(este é o nome do imperdível site dele) e resolvi retirar daquela fonte inesgotável , alimento para minha modesta contribuição, inclusive para o blog do Marcelo Migliaccio.Foi uma feliz escolha pois surtiu efeito aqui e lá.

      Como tenho um lado (dentre MUITOS...) fortemente epicurista, sugiro às minhas mui digníssssssimas, chiques e estimadas Vice-Presidenta e Diretora do C.P.A.F.S. não deixarem de visitar, na bela casa, o maravilhoso JARDIM, onde ao final do texto, ele cita um pensamento luminoso de outra grande paixão minha: BACHELARD!!!

      Em toooooooodas as reuniões do aprazível CLUBE, esta frase será lida em alto e em bom tom, "oquei"?

      Abraço forte "procês".
      Marcos Lúcio, o humílimo rsrs... Presidente do clube.

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  4. O hoje é apenas um furo no futuro
    Por onde o passado começa a jorrar
    E aqui isolado onde nada é perdoado
    Vi o fim chamando o princípio pra poderem se encontrar

    (Marcelo Nova)

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  5. Fernanda,

    Entrei no site do Rubem Alves, como sugestao do nosso estimado, chiquessimo, Presidente C.P.F.A.S. Marcos Lucio, fui no jardim da Casa Rubem Alves e encontrei estas palavras maravilhosas que eu gostaria de acrescentar como tema da Felicidade:

    "Se, no teu centro
    um Paraíso não puderes encontrar,
    não existe chance alguma de, algum dia,
    nele entrar."

    Este pequeno poema de Cecília Meireles me encanta, é o resumo de uma
    cosmologia, uma teologia condensada, a revelação do nosso lugar e do
    nosso destino:

    "No mistério do Sem-Fim,
    equilibra-se um planeta.
    E, no planeta, um jardim,
    e, no jardim, um canteiro:
    no canteiro, urna violeta,
    e, sobre ela, o dia inteiro,
    entre o planeta e o Sem-Fim,
    a asa de urna borboleta."

    (continua)

    Felicidades,

    Gilda Bose

    Gilda Bose

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  6. Continuacao,


    Metáfora: somos a borboleta. Nosso mundo, destino, um jardim. Resumo de uma utopia. Programa para uma política. Pois política é isto: a arte da jardinagem aplicada ao mundo inteiro. Todo político deveria ser jardineiro. Ou, quem sabe, o contrário: todo jardineiro deveria ser político. Pois existe apenas um programa político digno de consideração. E ele pode ser resumido nas palavras de Bachelard: "O universo tem, para além de todas as misérias, um destino de felicidade. O homem deve reencontrar o Paraíso." (O retorno eterno, p 65).

    Marcos Lucio, abracos para voce tambem.

    BARBARO !!!!!

    Felicidades,

    Gilda Bose

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  7. "Não se procure lá." Fernanda,é claro que o agora,é mais importante.Mas a gente tem sempre aquela curiosidade,de querer saber algo mais...Tipo porque irmãos legítimos tem comportamentos diferentes,porque uma união abençoada por Deus não foi feliz,e por aí vai...
    Ah,bonita a sua foto da adolescência,ao contrário de mim que parecia um esqueleto humano ambulante,rs é tanto que o meu apelido na escola era "grilo falante."
    Bjs.
    Monica.

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    1. Monica, eu também sempre fui super magra e alta, tive apelidos na escola por causa disso, mas nunca me incomodei, graças a Deus! Aprendi desde cedo a gostar de mim do jeitinho que sou, e isso faz muita diferença! Coleguinhas de escola são terríveis e cruéis, não perdoam nada... mas espero que você não tenha sofrido com os seus apelidos; pense que os gordinhos sofrem muito mais. bjo

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  8. Mauro Pires de Amorim.
    Entendo o que você quiz dizer para não procurar no passado quem somos hoje, afinal vivemos no presente.
    No entanto, a lição que a história nos dá é que, somos hoje o que somos, com nossos acertos e erros, qualidades e defeitos, o resultado de nossas escolhas e rumos traçados no passado, muito embora, sempre possamos fazer alterações no futuro, no amanhã, em virtude de nossas percepções no presente.
    Felicidades e boas energias.

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    1. Oi Mauro! Hoje mesmo pensei em você. Como é que estão as coisas? A respeito do seu comentário, eu não quis dizer que não devemos investigar o passado, sou uma entusiasta da análise e da psicanálise. Disse apenas que não devemos levar a vida inteira olhando para trás. Abraços e boas energias para você e sua família!

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    2. Mauro Pires de Amorim.
      Tudo vai bem, apesar de que, qualquer morte, especialmente de alguém próximo, sempre mexe conosco, ainda que, estivesse sofrendo, como foi o caso do meu pai. É preciso dar tempo ao tempo.
      Sei que você já passou por isso e mais de uma vez, por isso, fico eternecido com sua solidariedade e demonstração de apreço.
      Sinceros desejos de felicidades e boas energias.

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  9. Realmente o Lúcido não dá ponto sem nó e o Rubem Alves é , de fato, um arraso (pelo pouco que dele conheço). Adorei a foto da minha blogueira predileta, embora uma ovelha nigérrima garanta que o que já era bom ficou melhor ainda no presente.

    Já que tudo muda o tempo todo no mundo com sua eterna impermanência, devemos seguir este exemplo da natureza, buscando olhar a realidade quotidiana com olhos novos. Escrevia Saramago na conclusão do seu “Viagem a Portugal”:

    «Quando o viajante se sentou na areia da praia e disse:
    “Não há mais que ver”, sabia que não era assim.
    O fim duma viagem é apenas o começo doutra.
    É preciso ver o que não foi visto,
    ver outra vez o que se viu já,
    ver na primavera o que se vira no verão,
    ver de dia o que se viu de noite…
    É preciso voltar aos passos que foram dados,
    para os repetir, e para traçar caminhos novos ao lado deles.
    É preciso recomeçar a viagem…».

    Que fique claro: voltar somente aos passos CERTOS que foram dados, né? Repetir erros é desatenção ou burrice...pelos menos, que sejam cometidos novos e desconhecidos erros...possibilitadores de novos acertos/aprendizados para os raros que exercitam a arte de viver.
    Abraço sem açúcar e com afeto.
    Danilo

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