Então o pastor e deputado Marcos Feliciano acredita
que lugar de mulher é dentro de casa, criando os filhos. Porque, segundo ele, se não for
assim, "só tem a opção de não casar ou de ser gay, e em ambos os casos estará
conduzindo o mundo a uma sociedade predominantemente homossexual, destruindo a
família e pondo a humanidade em risco".
Parece discurso de algum lugar muito distante... onde o fundamentalismo é rei e a mulher é escrava do sistema. Mas
não: estas ideias têm sido semeadas aqui mesmo, na nossa terra, e não me
espanta que haja quem partilhe delas sem nem ao menos compreender seu real
significado. É bom não esquecer, por exemplo, que estamos em um país onde a
economia é fortemente movimentada por mulheres que trabalham e sustentam lares,
sobretudo nas classes menos abastadas. E onde muitíssimas educam, sozinhas, os
filhos abandonados pelos pais, que se mandaram e foram fazer mais filhos a
serem abandonados por aí.
Historicamente a mulher vem sendo culpada por tudo
que o macho considera negativo no mundo. Ela é culpada até de ser interessante
aos olhos dele... enquanto o pobre, tadinho, é um poço de ingenuidade que
cai na teia dela e, logo depois, em desgraça. Tudo culpa da ardilosa!
Não bastasse o peso de toda a responsabilidade que
já carregamos sobre as costas por conta de mitos e dogmas religiosos, agora vem gente dizer que a
mulher emancipada é a semente da extinção da espécie porque alimenta a
homossexualidade. Meu Deus do Céu... isso é que é demonizar geral!
Foi pensando nestas coisas que minha mente voou e lembrei de uma situação
pela qual passei há muitos anos, em plena flor da juventude: estava eu numa
rodinha de amigos quando todos eles, de conluio, se divertiram horrores com a
minha cara de banana total quando li o cartãozinho vermelho que alguém deixou
cair no meu colo, inesperadamente... e que dizia assim:
Sua presença não está agradando. Finge que vai cagar
e dá o fora!
Choque absoluto!!!!!! Além da ofensa, tive que digerir a sugestão de ir...
cagar!!! Mas como é que alguém me diz um absuuuuurdo destes? Aliás, dois
absurdos destes?!
Tentei manter a pose, recuperar o fôlego e me
recompor, fingir que nada havia ocorrido. Foi quando o povo todo caiu na
gargalhada e eu relaxei: era só uma brincadeira, uuuuuufa! E eu acho graça até hoje, até já repassei o bilhete adiante, para outros amigos, e me esbaldei de rir!
Triste é que, na vida real, o cartão vermelho nem sempre é
brincadeira... e a gente deveria, em defesa da dignidade, saber o hora de se
retirar. Aceitar que, às vezes, não nos resta nada além de botar o galho dentro
e sair de cena...
Veja este caso do deputado Feliciano, que se
recusa a aceitar que não está agradando e que, mesmo eleito pelo partido, não é
legitimado pelo povo na condição de presidente da Comissão de Direitos Humanos
da Câmara. Ao resistir cegamente em nome dos seus direitos, ele também desafia os
princípios da democracia, já que ignora a vontade do eleitor e os direitos dele de participação nos rumos do país. Muito
provavelmente vai acabar cedendo às pressões, mas só depois de desgastar-se a
si mesmo, aos outros e à sua imagem.
Seja onde for... na política, no barzinho, no
escritório, em casa e até na cama, a gente tem que ter humildade para se colocar no lugar do outro e evitar sufocá-lo com a nossa
presença. Quantos casamentos chegam ao ódio por causa da obrigação
tácita que o casal dá a si mesmo de estar sempre junto? Quantas amizades perdem
a graça devido a um ter que incluir o outro nas coisas, para evitar melindres?
Quanta gente fica com o filme eternamente queimado porque se impõe?
Não se maltrate! Se não está agradando, defenda sua autoestima e saia
com dignidade: finja que está com dor de barriga e dê no pé.
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