Foi no blog Rio Acima que a fotografia, emoldurada pelas palavras “Sentado à beira do caminho”, me arrancou primeiro um riso, para depois capturar-me por inteiro.
Quem tem olhos para ver, então que veja o homem não apenas sentado
à beira do caminho, mas à beira de tudo, num mundo que não é o nosso e onde o
futuro não existe. Usa sapatos, veste uma camisa... a calça lembra o cotidiano de um executivo. Não é mendigo, ao menos não parece, assim de chofre, e é isto, é isto o que nos choca mais.
O homem livre de tudo e sem direitos,
prisioneiro da falta e dos deveres; o cidadão brasileiro dos mais realistas e
tristes ao expressar a carência essencial do “país do futuro”. Por abrigo, ele tem só o guarda-chuva. E por destino? Se não tem rumo, será que tem destino?
E nós, que só conhecemos de vista este Brasil da
falta extrema, pois jamais padecemos dela... nós, acostumados aos andarilhos e aos
mendigos como paisagem nos nossos dias, tanto quanto um poste de luz ou um
banco de praça... nós somos estrangeiros dentro de casa, estranhos à tragédia
da falta absoluta e que em nada nos comove ou fere.
Sentado ali, absorvido pelas cores da Guanabara, o
personagem não nos desperta para a empatia porque não queremos jamais
sentir as emoções como ele sente, nem ser como ele é. Ainda que seja (e incrivelmente!) humano como nós,
que padecemos de fome ao fim do dia e de sede o dia inteiro neste verão
sufocante, e de uma necessidade premente de fazer xixi, e de um desejo louco de
ganhar um abraço à noite, e de uma vontade infantil de sentir alegria ou o
simples alívio de um banho frio de manhã... e da necessidade de ser olhado e de
ser visto, mas visto com o (impensável) respeito digno de pessoa, de gente, de
ser alguma coisa que não um Zé Ninguém.
Mas as querências alheias não pertencem ao nosso
mundo. Ao nosso mundo, só nós próprios pertencemos. E quem perdeu o bonde nesta
viagem pela selva, que é a civilização humana, só pode mesmo é ficar sentado (e
invisível) ali à beira do caminho.
Escuta,Zé Ninguém, é um classico na obra de Wilhelm Reich, um dos principais dissidentes e ampliadores da obra de Freud. O livro não é científico, mas reflete com agudeza , esse Zé Ninguém, aqui, os donos do Capital, de caráter acumulativo e egoísta, queremdo ter, mais e mais, deixando em seu rastro, Zés Ninguéns como os da foto de seu texto e do Marcelo.. O livro ensejou peça de teatro primorosa, encenada no final dos anos 1970, no auge da Ditadura Militar, sendo retirada de cartaz rapidamente. Quando assisti-a, estava concluindo graduação em Psicologia e tal peça, como muitas outras, além de livros e filmas e exposições eram indicações de professores, que contribuiram , de fato, para a formação de Psicólogos conscientes de seu protagonismo na sociedade, extrapolando a prática restrita aos consultórios e instituições psiquiátricas. Hoje, tanto tempo depois, Participamos com energia do processo de inserção cr´tica da Psicologia, em praticmente, todas as questões da vida em sociedade, como, alguns de nós, mesmo sofrendo com o obscurantismo da Ditadura Militar, lutamos por esses objetivos inalienáveis.
ResponderExcluirO Zé Niguém do blog é fruto do Zé Ninguém Reichiano, que ,infelizmente, não cessa de gerar filhotes movidos pelo TER, atopelando, dizimando, mesmo, os desprovidos dessa capacidade de ser incapaz de enxergar o OUTRO, jogado à beira do caminho. Será que em algum momento da História da Humanidade, produzimos tantos monstros, falantes e pensantes como nós, nutridos por egoísmo e ódio letais?
ANTONIO CARLOS
Qual é o nome do livro? Fiquei com vontade de ler.
ExcluirFernanda, nao deixe que tua sensibilidade te impeca de ver que quase a totalidade dos indigentes esta nesta situacao por opcao e nao desejam trilhar pelo "nosso caminho".
ResponderExcluirO nome do livro é: ESCUTA, ZÉ NINGUÈM. Bom proveito.
ResponderExcluirA peça, lembrei-me, foi encenada por Marilena Ansaldi, ARTISTA engajada na luta contra a Ditadura Militar, como Bete Mendes, Vereza e outros. Todos continuam na cena teatral, sempre, com trabalhos de alto nível.
ANTONIO CARLOS
Vi a peça com a Marilena Ansaldi(adoooooooro) e não li o livro...pretendo fazê-lo e tem a ver com a foto, sim!Como sou eterno curioso...ao ver a fotografia tragicamente bela no blogue marcelino rsrs...pensei em algo(?!), intuitivamente.Ao ve^-la repetida aqui, e ao ler a frase: "sentado à beira do caminho" que remete à uma canção romântica, de "amores eros" afogados ou de triste fim... não me contive e fui fazer uma das minhas inúmeras paixões(vivo apaixonado rsrs)qual seja: pesquisar.. et voilá!!!...satisfiz minha curiosidade e concluí que não estou sempre equivocado, senão vejamos:
ResponderExcluirPsicologia: Reflexão e Crítica
Alcoolismo
Vidas Errantes e Alcoolismo: Uma Questão Social
Eurípedes Costa do Nascimento1 2
José Sterza Justo
Universidade Estadual Paulista/Assis
Resumo
O fenômeno da errância, impulsionado por motivos sócio-econômicos ou mesmo por razões pessoais, traz consigo profundas transformações no plano psicossocial. A presente pesquisa se propôs a investigar as razões que levam os "trecheiros" à ruptura com a vida sedentária e o papel que o alcoolismo exerce nesse processo de deserção. Foram entrevistados doze sujeitos que fazem uso de bebidas alcoólicas, albergados numa Instituição Assistencial da cidade de Assis, SP, sendo as entrevistas submetidas, posteriormente, a uma análise de conteúdo.
Os resultados mostraram que a morte dos pais, os conflitos familiares e o desemprego têm sido um dos principais motivos para a ruptura com o "nosso caminho".
O uso do álcool, no "trecho", é atribuído pelos próprios sujeitos à necessidade de "esquecer problema", maior encorajamento e apaziguar conflitos remanescentes, em geral, conflitos afetivos que possuem como epicentro a infidelidade conjugal.
Minha intuição me diz que a questão está no último exemplo:infidelidade conjugal, sem a pretensão estúpida de ser o dono da verdade, marrelógico.
Palavras-chave: Alcoolismo; errantes; família; infidelidade conjugal.
Santé e axé!
Marcos Lúcio