sexta-feira, 17 de maio de 2013

Um velhinho plantado no jardim

O cinema é um mistério: mesmo quando o filme não é lá grandes coisas, mas os atores são bons e o argumento convence... vale a pena.

Hoje parei meu dia por quase duas horas para rever um filme argentino. Sou fã dos argentinos, mas este, “Conversaciones con mamá”, está longe de ser uma preciosidade como "Nove Rainhas”, “O segredo dos teus olhos”, “Cama adentro”, “Un oso rojo” e similares. Estes dois últimos, aliás, nunca chegaram ao Brasil, o que é uma pena. Mesmo assim, sem se tratar de um filmaço, encarei, e só porque o assunto é atemporal.
“Conversas com mamãe” acerta ao mostrar a relação distante de um filho único com a mãe velhota. Ele, sempre ocupado, sempre sem tempo, sempre impaciente, é pressionado pela esposa para vender o apartamento da mãe, onde ela viveu a vida toda, porque está desempregado e precisa manter o nível de vida. E é no rame-rame desta tentativa de convencimento que o filme se desenrola.
O enredo é previsível, o final, mais ainda. Avisei: o filme não é "estas coca-colas" e inclusive deixa passar a ótima oportunidade de falar lindamente sobre o abismo que se abre entre pais e filhos em algum momento da vida, quando os filhos se afastam porque estão cheios de prioridades mas os pais continuam ali, como se a vida fosse eterna e eles fossem mesmo "sempre estar ali". É triste pensar em como é comum acontecer de aquelas pessoas tão íntimas, afinal são nossos pais, também se tornarem verdadeiros desconhecidos para nós. Já reparou quanta história seu pai e sua mãe têm nos escaninhos do passado, e até mesmo do presente, e você nem imagina?
É interessante também perceber como são capazes, as pessoas inteligentes e amantes da vida, de rejuvenescer à medida que vão envelhecendo. Conheço várias na casa dos 80 e que são leves por dentro, livres de caretices, ideias pré-concebidas, cobranças, personagens para encenar, poses para manter. E tantos caretas de 20, 30, 40, 50 andam à solta... envenenados pelo narcisismo e pela ignorância a respeito do que realmente importa ou vale a pena na vida...
Estou sempre dizendo a mim mesma que a gente tem que cultivar a própria velhice como se ela fosse uma flor plantada no jardim de quem tem a honra de possuir um, ainda que seja na alma. Cultivar o velhinho que seremos: leve ou mala-sem-alça? Alegre ou amargurado? Rodeado de amigos ou solitário? Esperançoso ou tomado por temores? Cheio de planos ou, como cantava Raul Seixas, "esperando a mooooooorte chegaaaaaaar..."?
O ser humano frágil que nos habita o "por vir" já anda por aí, nos nossos pavores noturnos, nas nossas solidões e misérias... e em tudo de bom e precioso que trazemos dentro de nós e espalhamos pelo mundo, a começar pela esperança de ver florescer a própria força interior... e pelo amor que podemos dar a quem de fato já chegou lá.


6 comentários:

  1. Irretocáveis sacadas, na minha desimportante avaliação.Assim como nosso passado "moldou", em grande parte, o que somos hoje...creio, ainda, que o nosso futuro - velhice, inclusive, se tivermos a chance de chegar até lá - depende muito do que estamos fazendo hoje.Colheremos - ou não- o que estamos - ou não- semeando.

    Posso garantir que a talentosa blogueira, com esta alma juveníssima, está loooooooonge da senectude rsrs.Em priscas eras vim pra este mundo, portanto, "tou" quase lá -cronologicamente - rsrs.

    De mais a mais, quem não respeita idosos não respeita seu próprio futuro onde, naturalmente, não será igualmente respeitado. Já disse e repito: não adianta defecar na gaiola e esperar que as fezes cantem, né???

    Posso concluir, dentro do pouco que aprendi, que a velhice não nos transforma.Ela só potencializa o que somos em essência (caráter, ética, espírito,comportamento, crenças/descrenças etc.).

    Uma vez que, faltando pouco para a vela apagar rsrs, percebemos que não há muito a perder.Então nos permitirmos tirar os pés dos freios, bloqueios, amarras, boicotes, enfim, deixamos cair muitas máscaras, se lúcidos estivermos (o que não significa que nos tornaremos mal-educados ou insensatos ou que atolaremos o pé na jakkkkkk...só não precisamos mais fingir).
    Santé e axé!
    Marcos Lúcio

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    1. Desculpe..esqueci de rever.O correto seria:(...se não há muito a perder, então nos permitimos tirar os (...).Abraçaço.
      M.L.

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  2. Eu tenho muito respeito pelos idosos,a minha avó (mais de 90 anos)mora comigo,e há momentos que ela me chama carinhosamente de "meu bebê."
    E o pior,é que eu acredito! rs

    Monica.

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  3. Fernanda, este filme é aquele onde a mãe começa a morar com um ativista político que é um sem-teto? Se for este, o filme é bem legal. Aliás, como vc mesma disse, como a maioria dos filmes argentinos (até hoje não vi um filme argentino ruim.)

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    1. Oi Vilma! É este mesmo! Ela namora um "anarco-aposentado"... Buenos Aires é solo fértil para piquetes e passeatas: todo dia tem!

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