quarta-feira, 30 de outubro de 2013

O babaca da história

Depois de anos na imprensa, costumo brincar que se algum dia eu ficasse famosa, jamais daria entrevistas.  Não que eu tenha sido, em minha trajetória profissional, uma jornalista pouco confiável, daqueles que ouvem uma coisa e escrevem outra. Aliás, já levei chamada de chefe justamente por não ter dado o furo que eu tinha, mas que iria prejudicar o entrevistado.

Imagine se alguém aparecesse querendo se debruçar sobre a sua vida e botar todos os pingos nos is publicamente. Você iria gostar? Não se iluda: entre os entrevistados que servem de base para a história, o risco de aparecer gente que distorce os fatos ou que te odeia é simplesmente enorme! Aquele empregado que você demitiu, aquele colega de trabalho que morria de inveja do seu talento, o ex-namorado que tomou um fora, a ex-namorada do seu atual... sem falar nas pessoas que te adoram, mas que simplesmente não entenderam bem os fatos ou não gozam de boa memória...
Por estas razões, e mais o fato de que estamos na Era do Facebook, a probabilidade de a história sair meio torta é enorme. E então aquela pessoa retratada não será exatamente você.

“Censura”!, gritam os mais indignados. Mas censura de quê? Da história do Brasil? E desde quando a perna mecânica do Roberto Carlos faz parte da história do Brasil? A história do Brasil são as músicas dele, os shows, os filmes, os discos que ele vendeu. O que importa quem o Caetano namorou? E se Fulano bebeu todas naquela noite no bar, e se Beltrana traiu o marido ou fez aborto?
Não sejamos ingênuos... a era do Face adora detalhes sórdidos.  

E é aí neste ponto da situação que a porca torce o rabo, como se diz em Minas. Lembro quando veio a público a notícia de que o ator Rock Hudson era gay. Quer dizer que o símbolo de virilidade de Hollywood era homossexual?! OOOOhhhh... todo mundo levou um susto e muita gente fez piada do ator, que meses antes de morrer abriu para a imprensa que estava com aids.
Tá bom. E em quê esta notícia mudou o mundo? Mexeu com a economia global? Mudou os rumos do cinema? Diminuiu o preconceito? Ajudou a fazer dos Estados Unidos uma potência ou a minorar a fome em Gana?

Ler uma biografia é muito bom, mas civilidade é melhor ainda. Não deveríamos precisar de uma lei para impedir a invasão à privacidade, e se precisamos, é porque ainda não evoluímos como povo. Num país onde a justiça é tão lenta quanto falha, como é o caso do Brasil, ter que recorrer ao tribunal para manter seu direito a não ser difamado ou a não ter sua vida contada 99% direito e 1% errado é um risco, tanto quanto um aborrecimento. Então sai um livro sobre você e você mesmo não pode dar nenhum pitaco antes da publicação? Se não gostar do que disseram a seu respeito, que vá pagar um advogado e reclamar com o juiz? Mas aí biografia vira uma arma com possíveis balas perdidas... e ninguém quer estar ameaçado por um tiro na imagem, independente do que tenha feito da sua vida.
E no final de tudo seria assim: enquanto sua vida estivesse escancarada nas vitrines das livrarias, e muita gente ganhasse dinheiro por causa dela... enquanto outros que você nunca viu ficassem por dentro da sua intimidade contada bem ou mal, e verdades e mentiras a seu respeito fossem o assunto nas mesas de bar... enquanto gente que te odeia (porque todo mundo tem seus desafetos) se valesse da oportunidade pra difamar seu nome... você seria o grande babaca da história toda.

14 comentários:

  1. "E desde quando a perna mecânica do Roberto Carlos faz parte da história do Brasil? A história do Brasil são as músicas dele, os shows, os filmes, os discos que ele vendeu. O que importa quem o Caetano namorou? E se Fulano bebeu todas naquela noite no bar, e se Beltrana traiu o marido ou fez aborto? ". Exatamente. Não vejo a menor importância na vida pessoal do artista. Privacidade é tudo e não vejo motivo algum para ser jogada como ração aos porcos com fome insaciável por fofocas.

    Dos artistas só interessa-me a arte que eles fazem . Na verdade, poucos são verdadeiros artistas, na minha desimportante conceituação e somente a arte deles interessa-me. Tanto é verdade que nunca comprei um livro sequer ...de biografias(tampouco li), por considerá-los absolutamente dispensáveis. Não curto fofocas rs. Meu tempo é escasso...tempus fugit.Ato contínuo, só tenho tempo para o essencial...que é a obra do verdadeiro artista, marrellógico..

    Jamais a biografia de uma Clarice Lispector ou de um Fernando Pessoa (para ficar somente em dois exemplos exponenciais) chegará aos pés das extraordinárias ou geniais obras literárias que eles deixaram para a posteridade, eternamente. Enquanto houver vida inteligente no planeta, eles estarão "vivos", pois venceram a morte através das suas enfeitiçadas ou iluminadas letras. Aliás, sem a verdadeira arte, não sei o que seria de mim, que sou, dela, um adicto com convicção íntima.
    P.S. meus respeitos aos adoradores de biografias.
    Santé e axé!.

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  2. Acho que é falta do que fazer. Eu leio a Fernanda Dannemann e confesso que já não leio mais quase ninguém porque ficou tudo muito chato. Pense: Se o Roberto Carlos já nos deu tanto com suas canções e o Caetano um compositor e cantor afinadíssimo também, o que mais poderíamos querer deles? O tempo gasto para fazer a criação pode trazer junto algumas mazelas e os bons construtores - que são os que interessam mais aos fofoqueiros - não merecem nenhum escracho ou publicação que não lhes agrade, mas, o mundo é assim mesmo.

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  3. Só quero lembrar que as melhores biografias que li na vida, tipo Churchill e Vargas, não foram autorizadas. Claro, que na vida pesoal de Caetano Veloso eu não tenho nenhum interesse. O que se poderia dizer sobre ele que alguém já não imagine?

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  4. Mauro Pires de Amorim.
    Concordo plenamente com você e com os comentaristas Marcos Lúcio, Alfredo e o Anônimo de 31 de outubro de 2013 14:02.
    Inclusive, vou procurar expressar em poucas palavras o que comentei mais detalhadamente a respeito desse tema no blog Rio Acima, do Marcelo Migliaccio, sobre o texto dele "Biografias: a intimidade é sagrada".
    Dessa forma, querer invadir a privacidade, conforme a etimologia da palavra já expressa é privativa, para querer abrir ao público revelações não autorizadas sobre uma pessoa, ainda que essa pessoa seja pública é algo abusivo demais, incivilizado. Se a dita revelação for falsa então, é pior ainda, sendo portanto menos civilizado ainda.
    Mas muita gente não tem civilidade nem noção do ridículo e o pior, dentre essas pessoas incivilizadas e sem esteio de comportamento social encontram-se magistrados, magistradas e pessoas que atuam no meio da Justiça e do Poder Judiciário.
    O nível da selvageria mercenária em nosso país chegou a tal ponto, conforme você mesmo expressa acima, que tais detalhes irrelevantes da intimidade de pessoas públicas são propositadamente invocados, para servirem como um tempero picante e atraírem compradores para essas publicações. O mesmo que ocorre em revistas que publicam fofocas e intimidades de pessoas "famosas" ou pessoas com imagem de alcance público maior. Assim, muitas dessas biografias não autorizadas pelos biografados, nada mais nada menos são do que grandes revistas de fofocas, boatos e especulações focadas numa pessoa só. Uma verdadeira "encheção de linguiça". Pois realmente pouco importa se uma pessoa ainda que seja pessoa pública, mas que também é uma pessoa, um ser humano como qualquer outra pessoa, usa ou deixa de usar roupas de baixo em determinadas cores, tem a opção sexual que tiver, dorme ou deixa de dormir com quem quiser, faz caminhada ou deixa de fazer caminhada, come ou deixa de comer determinados alimentos ou toma ou deixa de tomar porres e medicamentos, pois isso é inerente a todo ser humano, são detalhes irrelevantes e que dizem respeito somente às escolhas pessoais e individuais daquela pessoa, do mesmo jeito que nós, que não somos pessoas tão públicas como as pessoas biografadas temos.
    Querer escrever um livro nesse nível de conteúdo é realmente não ter o que fazer da vida, demonstrando ser um autor abaixo do nível da mediocridade e pior, um tremendo picareta enganador digno do título e prêmio de autor 171 do Código Penal, além de caluniador e possivelmente difamador.
    Felicidades e boas energias

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  5. Mauro Pires de Amorim.
    Só para ilustrar e complementar bem meu escrito anterior. envio a seguinte pergunta.
    Quer dizer que pessoa pública não tem direito a intimidade e privacidade?
    Então para essa gente pessoa pública é tal qual estátua, que qualquer pombo pousa, caga ao bel prazer e quem quiser reclamar que vá ao judiciário entrar na fila para esperar a solução.
    Que belo exemplo de civilização e cultura esse pensamento dessa gente!
    Agora se isso pode ocorrer com pessoas públicas, imagina com os simples cidadãos e cidadãs comuns.
    Portanto, qualquer vizinho, vizinha e parente que não tem o que fazer da vida ou que delega tempo e energia para a maledicência, pode sair pelo mundo escancarando e dizendo o que bem entender de quem quiser e beleza, tudo bem. Reclamem com o judiciário, que aceita e concorda com essa prática e não deve ter coisa melhor o que fazer para corroborar essa permissividade, além de coçar e puxar saco em gabinetes superiores para conseguir apoio politico dentro dos tribunais, serem promovidos e subirem na carreira.
    É a ignorância que atravanca o progresso!
    Felicidades e boas energias.

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  6. Análise simplista do assunto, como se os biógrafos prestassem um desserviço. Ainda bem que em muitos países há liberdade de expressão e pessoas que a defendem. Ah! Não vai ser proibindo biografias que vai se proteger de vizinhos fuxiqueiros.Leia mais sobre calúnia e difamação, valew?

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    1. Anônimo... Respeito sua opinião, mas acho que sua leitura e que foi rápida ou simplista. Eu gosto de biografias, e adoro a liberdade de expressão (caso contrário não teria um blo, e seu comentário não teria sido publicado). O problema êh maior que os vizinhos fuxiqueiro, meu querido. Leia mais sobre o assunto. E, da próxima vez, por favor se identifique, porque não costumo publicar comentários anônimos. Obrigada e volte sempre, ok?

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    2. Além do seu post irretocável, você brilha nesta resposta cheque mate:"Eu gosto de biografias, e adoro a liberdade de expressão (caso contrário não teria um blo, e seu comentário não teria sido publicado)". A sutileza maracanânica rs ou a paciência controlada no uso do "meu querido", é digna de destaque, também.Aplausos!

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    3. Queridíssimo... "sutileza maracanânica" é marrrrravilhoso!!!!! KKKKKKK!

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  7. Brilhante o comentário do Mauro Amorim mas, sem querer polemizar, só não entendi quando ele diz: "a opção sexual". O dicionário não me deixa mentir, a seguir:
    (op.ção)

    sf.
    1 Ação ou resultado de optar, escolher.
    2 Cada uma das possibilidades pelas quais se pode optar; ALTERNATIVA.

    Sinceramente, não conheço um ser humano que tenha feito opção sexual ou que tenha escolhido ser hétero ou homo ou bissexual ou assexuado. As pessoas simplesmente se descobrem como a natureza as fez, inclusive quanto ao desejo sexual. Considero, até provas contrárias, como característica ou natureza sexual e nada mais que isto. Se alguém conseguisse escolher a sexualidade que tem, significaria que ela também poderia ter optado por outra possibilidade erótico-afetiva, naturalmente. Só nos resta, então, aceitar o que a natureza impõe como nossa sexualidade, seja ela qual for, assim como nossa cor dos olhos, altura, cor, etc..Quem acreditasse em opção sexual, subliminarmente estaria dizendo que poderia sentir atração sexual tanto por homens quanto por mulheres que despertassem seus desejos. No mínimo seria um bissexual, digamos assim.Nada contra e, muito menos, vejo superioridade em qualquer tipo de sexualidade, evidentemente. São, apenas, diferenças que enriquecem ou embelezam a vida, que é constituída única e exclusivamente de diferenças e diversidades, graças a Deus.

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    1. Mauro Pires de Amorim.
      Usei o termo "opção sexual" no sentido coloquial e ademais, tal termo incluso no contexto do sentido de meu pensamento, visa externar que o que menos importa numa figura pública biografada são aspectos íntimos, pois em qualquer trabalho sério e coerente a publicidade contrapõe-se a intimidade, já que a publicidade é inerente ao fator do senso comum e a intimidade reflete uma opção de escolha.
      Felicidades e boas energias.

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    2. Prezado Mauro...diferentemente de toda e qualquer sexualidade, concordo pletoramente que revelar a nossa ou a intimidade alheia , seja uma opção ou uma escolha ou uma alternativa, e com propósitos diversos...inclusive para causar escândalo e ganhar dinheiro, para satisfazer a vida vazia de quem se projeta ou se transfere (gente infeliz). Escancarar intimidades, evidentemente, além de um comportamento discutível (ninguém precisa fazer -e muito menos deve - suas necessidades de portas abertas para os não participantes rs) é mal educado.Quando uma biografia séria deixa claro que a condição imposta pela natureza, fez do biografado - e sem precisar usar as palavras categorizantes - um ser com características ou imperativos biológicos típicos de hétero, ou homo ou bissexual, sem ultrapassar estes limites, não vejo invasão alguma de privacidade...é como se dissesse que tem olhos azuis ou negros.Fica ao nosso critério imaginar, se quisermos. Não significa que um homem casado e com filhos seja , p.ex., necessária e exclusivamente heterossexual ...e isto não tem a menor importância e muito menos desqualifica. Portanto, faço minhas as suas palavras:"qualquer trabalho sério e coerente a publicidade contrapõe-se a intimidade". Sou admirador dos seus inteligentes comentários.
      Retribuo, igualmente, felicidades e boas energias.
      Marcos Lúcio

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  8. Sei que você gosta, eventualmente, de receber notícias do meu povo. Reproduzo o gentil e incentivador correio que recebi do grande professor (a profissão que mais respeito e admiro, sem desmerecer, evidentemente, as demais) Carlos Mello, a seguir:

    Caríssimo....

    Grandes participações e outras não tão grandes assim, mas...
    Democrático como sempre. O que vi foi um exercício de direito à
    expressão das opiniões e de entedimento (ou esclarecimentos) às
    diferenças. O assunto, polêmico, é também bem complexo para tratar em
    poucas linhas.

    Gosto dos posicionamentos firmes e respeitosos. E devemos saber que
    quando externamos nossas opiniões em um espaço aberto ao público,
    potencializa-se aquilo que se diz: as palavras (ditas) são como flechas,
    uma vez que saem do arco, não dá para fazê-las retornar imagine aquelas
    escritas??). E é sempre bom ver um espaço que realmente cumpre seu
    propósito.

    Tenho andado ausente, mas estou sempre atento ao Blog da Fernanda.
    Realmente admiro esse espaço e trabalho.

    E o senhor, Mr.Marcos Lúcio, afiado e afinado, como sempre.

    Um amplexo,
    Carlos Mello

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