terça-feira, 7 de janeiro de 2014

Álbum de família

Gosto de filmes em que as atrizes não estão preocupadas com o make-up, e em “Álbuns de Família”, estrelado pela dupla Maryl Streep e Julia Roberts, é a verdade nua e crua que está na tela: as rugas e os cabelos brancos de ambas as divas e também desta instituição que muitos ainda insistem em chamar de “perfeita”, e que ali naquela história está com as neuroses, ódios e cobranças bem arreganhadas diante da plateia, que muitas vezes sente desconforto talvez porque se lembre de sua própria casa, não raro o local eleito para receber todas as neuroses em estado bruto de cada membro do dito clã.

Pois eu adorei o filme que meu amigo chamou de “casa de loucos”, o que, em minha opinião, é justamente o que toda família é quando vista de pertinho, inclusive as mais felizes, as mais respeitáveis e as mais endinheiradas. Sem exceção. Nunca acreditei naquela felicidade idílica de “Os Waltons” (quem tem mais de 45 sabe do que estou falando).

Bem... o pai desaparece, a mãe é viciada em remédios, as três irmãs são de planetas diferentes. A amizade inabalável entre a mãe e sua irmãzona do coração a tudo suporta... há também o bode-expiatório da família, que não poderia faltar, é claro. E tem a empregada-santa, que faz milagres. O enredo, como se vê, não traz nada de novo e parece quase ter saído das páginas de Nelson Rodrigues.

Mas a interpretação de Julia Roberts e de Maryl Streep são um deleite. Dei gargalhadas no momento em que Julia, tal qual um felino, salta da cadeira direto no pescoço de Maryl e ambas rolam pelo tapete, aos tapas. Qua´, quá, quá! Se era pra chorar, não deu.

Família, infelizmente, não é só paz e amor. Aliás, muito pelo contrário, embora os moralistas se recusem a aceitar. Família, na maior parte das vezes, é um poço de neuroses, e o cinema é quem tem coragem de mostrar isso com todas as suas cores e palavras, embora na vida real o povo ainda perca tempo na tentativa surreal de bancar o parente próximo do John Boy (olha os Waltons aí de novo!).  

O amor está ali, é claro, mas somos todos seres humanos e esta é a nossa desgraça: ainda não somos santos e não conseguimos, simplesmente, dar amor sem esperar nada em troca. As famílias são o berço da arte de trocar, de cobrar, de frustrar e de ser frustrado, o berço do ciúme e da inveja porque, afinal, a civilização começa ali, junto com as paixões mais verdadeiras, que são a raiz de toda a desavença. Amor & ódio, afinal de contas, seguem pelo mudo de mãos de dadas. Quem poderia afirmar que Caim não amava desesperadamente seu irmão Abel?

4 comentários:

  1. Ainda não vi este filme. Marrelógico que famílias são campos férteis para neuroses e onde a crueldade- pela proximidade inerente ao contexto familiar- tem mais espaço para se manifestar, ainda que camufladamente.Como disse o Caetano Veloso..."de perto ninguém é normal". E quer saber qual a origem destas tranqueiras existenciais? Desde que tornei-me(?!) mais consciente... intuitivamente percebia que as relações eróticas amorosas eram esquisitas, pra não dizer doentias. Concordo pletoramente, -até com base em experiências minhas (não livro nem minha cara rs) - com a psicanalista Tatiana Ades, quando afirma que...de cada dez relacionamentos apenas um tem um amor saudável. Os outros apresentam um amor "patológico" como a co-dependência, a depressão afetiva, o ciúme exagerado, as cobranças e críticas excessivas, um mal estar que pode, até, chegar a agressões físicas e/ou verbais.

    Será possível sentir-se feliz numa relação doentia? TÕ fora! Amor só me serve se casar com bom humor, cuidado e respeito...e, claro, divergências sem conflitos, até porque as pessoas são, todas, diferentes.Fundamental: inteligência emocional, caráter, ética e tesão, pra segurar uma boa/saudável relação amorosa erótica...que poderá gerar uma família mais saudável, "por supuesto".
    Santé e axé!
    Marcos Lúcio

    Se a base de formação da família - o casal- é neurótica...o que pode-se esperar como consequência? Figueira só pode dar figo...família só pode gerar neurose, pelo menos nove de cada dez núcleos familiares...e la nave va. Que fique bem claro: respeito opiniões divergentes, não sou o dono da verdade e muito menos sou contra ou destruidor de famílias...aliás, nem a constituí, graças a Deus e daria, igualmente, graças a Deus, se a tivesse constituído.

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  2. Do melhor filme de 2013 e um dos melhores que já vi, deixarei breve comentário. Com uma assumida inspiração --mas nunca imitação-- felliniana, em seu novo filme, "A Grande Beleza", o diretor italiano Paolo Sorrentino ancora nas paisagens de uma Roma luminosa, mágica , absolutamente artística e espetacular (belíssima!...a grande beleza)...a trajetória do cínico ou sarcástico ou desiludido (afinal, completou 65 aninhos)Jeb Gambardella (Toni Servillo em performance arrebatadora).As inteligentíssimas críticas à contemporaneidade "berllusconiana"vazia ou líquida...são irretocáveis ou pra lá de realistas, ainda bem!

    É um dos filmes mais belos que já assisti, inclusive pela deslumbrante fotografia e idem trilha sonora. É perfeito, original, nos remete à Dolce Vita, do Fellini, repito, mas sem plágio.As cenas surrealistas ou de realismo fantástico são deslumbrantes... fundamentalmente o voo dos flamingos num céu romano crepuscular de cair o queixo.Traz cenas estupendas de Roma e suas riquezas arquitetônicas e um retrato rigoroso da decadente sociedade italiana...aliás, a modernidade é sempre decadente. Os diálogos são primorosos, repletos de ironia , verdade e bom humor. É, por tudo isso, um filme para ser assistido mais de uma vez . A cena inicial do japa desmaiando ou morrendo diante de tanta beleza ou da festa do Jeb que nos remete para dentro da tela, e nos faz participar dela é incrível. Cinema clássico ,sensível, provocador, inteligente, imperdível e inesquecível, fundamentalmente para os amantes das belas artes.

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  3. Fernanda,

    Nao comentei antes, pois nao tinha visto o filme .... que por sinal adorei, embora seja pesado, mas isso nao quer dizer que eu acredito em familias perfeitas ....longe disso, e sempre fiquei pasma quando ouvia e ainda escuto que "minha familia e perfeita" .... primeiro somos imperfeitos, sendo assim nao conhecemos a perfeicao, mas isso tambem nao deixa de agente amar a nossa familia, "apesar de",
    enfim, como a minha filosofia e espirita, na minha compreensao escolhemos justamente eles (os membros de nossa familia) para podermos evoluir espiritualmente ......
    Meryl Streep e todo o elenco "meu pai" impecavel ...nao poderia ser melhor ....

    Felicidades,

    Gilda Bose

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  4. Crítica | Álbum de Família
    Por Rafael Oliveira

    Os exageros constantes do roteiro saltam aos olhos de forma absolutamente gritante. Sim, nota-se toda a teatralidade que se faz presente na peça original, mas fica a certeza de que tudo deve funcionar muito melhor nos palcos do que na tela.

    Pois sendo linguagens diferentes (apesar de próximas), cinema e teatro possuem suas próprias formas de retratação. E quando as características do teatro decidem ser mantidas numa adaptação, é preciso ter talento para que as características da arte teatral, como a dramaticidade extrema e as atuações carregadas não acabem tornando seus personagens em meras caricaturas na tela. O diretor John Wells, infelizmente, não possui olho para tanto, e Álbum de Família acaba deixando transparecer negativamente aquilo que não deveria: a excentricidade da história de Letts.

    O filme guarda semelhanças com obras como Deus da Carnificina e Gata em Teto de Zinco Quente, mas aos contrário das obras de Roman Polanski e Richard Brooks sabiam manter a sutileza sem perder a força (e sem perder a acidez de seu humor também), o filme de Wells é somente um desfile de personagens estereotipados e situações surrealmente constrangedoras. Com exceção de Meryl Streep, que dribla a caricatura de sua personagem e concebe uma composição maravilhosamente apoiada em sutilezas (se for indicada ao Oscar, será merecido), o resto do elenco pouco tem a oferecer, pois Julia Roberts segue sendo Julia Roberts, ou seja, over durante boa parte do tempo.

    Numa definição mais popular, Álbum de Família pode ser definido como um “samba do crioulo doido”, ou basicamente uma novela de 120 minutos. Diversas são as surpresas ao longo da projeção, e diversos são os momentos onde os membros da família Weston ficam alfinetando uns aos outros. Vemos a existência de diálogos bem trabalhados e inteligentemente escritos, mas Wells, sem saber como trabalhar seus atores, apenas permite que tais diálogos saltem de suas bocas de forma pouco orgânica (e por isso mesmo, a cena do almoço após o funeral do patriarca da família consegue ser extremamente dolorosa de tão longa que é). As surpresas e revelações vão surgindo, mas ao final, nada é resolvido, não há eco ou um objetivo concreto nesta reunião de família marcada por desavenças (ou baixarias).

    No fim das contas, Álbum de Família é um filme sem equilíbrio nenhum. A fórmula da peça de teatro é visivelmente reaproveitada aqui numa tentativa de despertar a simpatia dos figurões do Oscar para um tema tão chamativo e, de certa forma, pessoal para muitos. Mas tudo acaba sendo mal trabalhado, com situações sendo jogadas na tela sem a mínima cerimônia, forçando o melodrama para o espectador, mas aos invés de lágrimas, a única coisa que acaba sendo gerada é um profundo sentimento de irritação". Não é possível uma única família concentrar tanta mazela emocional assim, onde todos são excessivamente patéticos e patológicos e não haver, pelo menos, uma exceção ou um momento mais respeitoso. É maniqueísmo em dose cavalar. O filme peca pelo paroxismo, parecendo filme de terror, e prescinde de sutileza, para torná-lo mais crível ou convincente. Armagedon seria uma alternativa mais coerente para o nome deste filme apocalíptico. Ou que os atores estivessem, pelo menos, confinados em uma clínica psiquiátrica, seria genial.

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