segunda-feira, 17 de outubro de 2011

Quem imaginaria um enterro daquele?

Chegamos ao cemitério para um enterro diferente. A começar pela falta de um caixão, de um corpo frio e das lágrimas torrenciais.

Houve, claro, os olhos tristes de cada um, inclusive do meu sobrinho mais novo, que na ingenuidade dos dez anos, comoveu-se com a tristeza infantil no rosto da mãe, e aprendeu que os órfãos são todos criancinhas: aquela criança pequena que fomos, e que nunca morreu.

Com as duas mãos, “abracei” a caixa azul onde estavam as cinzas. É quase inacreditável pensar que está tudo ali: cada unha, cada cílio, os pulmões, os pés, o rosto do meu pai... tudo já de volta ao pó... e ainda assim, quando fechei os olhos e baixei a cabeça sobre a tampa, por alguns segundos o dia desapareceu, enquanto pensei sentir a energia da sua mão tocando as minhas. Foi como se estivéssemos juntos, fisicamente, mais uma vez.

Será que viajei na maionese?

Seu último pedido, ficar junto do que foi a minha mãe, foi atendido, e senti como se alguma coisa tivesse finalmente chegado ao fim.

Saímos dali todos meio sem destino, porque embora a vida continue, e nos agarremos a ela, às vezes retomar a estrada para seguir adiante é quase um devaneio... nem a gente crê que consegue. O jeito é ir tropeçando.

Com fome e sem apetite naquele fim de tarde, fomos parar num restaurante, e quando nos demos conta, a rodada de pizza corria solta, enquanto as passagens engraçadas do passado nos faziam rir.

Vivemos tantos anos separados pelas estradas da vida e do mundo, e então estávamos lá, mais próximos do que nunca pela mesma história, mais humanizados do que nunca pela mesma dor. Não pude deixar de pensar que meu pai, lá de cima, olhou-nos contente e orgulhoso pelo enterro que teve, onde os bons sentimentos foram mais fortes que tudo.

E eu, nesta família mineira do interiorzão, daquelas que chooooooram a morte enquanto o cortejo fúnebre percorre a cidade, senti que éramos quase orientais naquele dia de enterro e de celebração da vida... esta vida que, tenho fé, continua para todos nós.



Veja também:
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6 comentários:

  1. Texto lindo, Fernanda, assim como é o exemplo dessa família para todas as outras.

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  2. Mauro Pires de Amorim.
    Conheço seu pai apenas por suas palavras em seus escritos, mas sinto que vocês estão conduzindo a situação da forma que ele gostaria.
    Sei que a perda de alguém querido não é fácil, mas o que importa são as memórias dos bons momentos, sendo essa a forma pela qual a pessoa que não está mais presente continua conosco emanando como sempre fez, felicidades e boas energias.

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  3. QueriDannemann...estou tão emocionado e/ou comovido com seu relato, pois ele trouxe, mais fortemente, à minha memória, outra situação similar, porém, trágica : uma morte estúpida e instantânea, por acidente. Foi quando despedi, há mais de 20 anos, também no interiorzão mineiro _ definitivamente (só) da matéria_ da pessoa que mais amei, intrínseca e intensamente, até hoje. Tive de aprender, o que muito me fortaleceu, a andar por sobre o leite derramado. Mais não estendo o assunto pois sou reservado, em algumas questões e não fica bem texto escrito à flor da pele, principalmente por homem (ainda não estamos, os latino-americanos, acostumados a isto...emoções às claras, são perdoáveis ou esperadas nas mulheres, o que discordo, em parte...). O que mais emocionou, entretanto, foi a ("feliz") coincidência: também nós, os amigos de então, comemoramos, à maneira quase oriental, sabedores de que ele, se estivesse vendo ou tomasse connhecimento, ficaria felicíssimo. Na situação inversa, se fosse comigo, também adoraria que ritualizassem ou comemorassem, até com festa, se fosse possível. Para sorte minha, moroso que sou, sempre soube cultivar ótimas amizades...o que muito ajuda nos piores momentos que todos, sem exceção, passamos, enquanto encarnados.

    Desnecessário lembrar da minha solidariedade e afeto, sinceros, neste seu momento delicado e especial.
    O abraço terno e caloroso do estiMarcos.
    Que Deus a proteja, conceda e interceda com muita paz e luzzzzzzzz.

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  4. QueriDannemann...emoção prejudica digitação rsrs... O corretó é: amoroso que sou, assim mesmo, como canta a Gal:"eu sou o amor da cabeça aos pés". Neste caso, amor ágape... moroso, jamais, em hipótese alguma...estou mais para elétrico_energeticamente_ e zen psiquicamente, e ao mesmo tempo, agora!!! rsrs....
    Beijão procê!

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  5. Não Fernanda,vc não viajou na maionese.
    E por experiencia própria,lhe aconselho a não deixar o aconchego da família,pois é muito importante nesse momento. Fique com Deus.

    Monica.

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  6. Quanto mais o tempo passa, aprendo! Uma das coisas que tenho aprendido é que os nossos queridos, de fato não pertencem aos corpos que os revestem. Eles são mais, muito mais na medida em que não abandonam nossos pensamentos, que se revelam na continuação dos nossos dias, com suas receitas, idéias, feitos, conhecimentos, burrices, coisas engraçadas, situações,... Enfim, tudo, todo dia,... Momentos, reflexões, que faz dos nossos que partiram, não partirem de fato. É como se passassem a morar num lugar inacessível, mas viável, dependendo apenas do nosso imaginário mais aprimorado, disposto a investigar os mistérios do paralelo, um paralelo acima dos preconceitos religiosos, ciente das possibilidades reais de vida, além dessa nossa vida pré-concebida por ser, palpável indiscutível como quer a banalização do mercado de capital, capaz de julgar a vida, objeto, muitas vezes desprezível.

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