sábado, 29 de dezembro de 2012

Um vômito vale mais que mil palavras

Pode me chamar de fresca, eu deixo, mas não como qualquer coisa em qualquer lugar. Dou uma olhadinha, e se não for com a cara da comida ou do cozinheiro, não há santo que me faça botar pra dentro, e explico: meu estômago é uma teteia, e volta e meia gosta de dar show.

Pois foi ontem mesmo, depois de mandar brasa em dois (dois!) cachorros-quentes multiculturais, ou seja, o verdadeiro molho italiano, salsicha alemã, mostarda americana e pão francês... que comecei a passar mal.
Bastou um pouco mais de meia hora de horrores no banheiro para eu saber que tinha mesmo que correr para o hospital e tomar remédio na veia. Olha, nem sei como é que cheguei lá: delirava no banco do carona, viajando entre a tontura e o desmaio iminente. Meu teor alcoólico devia estar altíssimo apesar de eu ter bebido só refrigerante... os sintomas eram de um porre monumental! Se houvesse uma música de fundo, seria o clássico de Verdi, "O Barbeiro de Sevilha", porém adaptado :
“Fígadooooo! Figado! Fígado! Fígado!!!”
Meu co-piloto voava ao volante da Super Máquina, e vi quando ele passou direto pelo hospital e não entrou no retorno:
-- Mas o que é que você está fazeeeeeeeendo? Tinha que ter entrado aliiiiiii!!!!!!!
-- Tiraram o retorno!
(Tiraram?! Este prefeito está sempre me dando bons motivos para me vangloriar de não ter votado nele!)...
Já entrei no hospital implorando pela emergência e bancando a lagartixa, literalmente me agarrando pelas paredes.
-- Já tenho ficha! Depois assino tudo! Preciso de uma emergência e de um médico, pelo amor de Deeeeeeeeeuuuuuusssssss!!!!!!!!!!!!!!!!!
O enfermeiro correu pra me segurar e avisou que eu JÀ ESTAVA na emergência, notícia que imediatamente me acalmou... todo mundo sabe, inclusive o meu fígado, que sou fã da turma da Emergência. Ele me botou na maca, tirou pressão e conferiu o batimento cardíaco.
-- A senhora está ótima. Espera aí que a médica daqui a pouco vem.
-- Ótima coisa nenhuma, mas só preciso de um remedinho...
Fiquei lá me contorcendo na maca por um tempo que me pareceu horas. E passei frio, depois passei calor... e chorei, e gemi, e chamei Nossa Senhora...
A médica finalmente entrou: pra minha surpresa, uma mocinha que não passava dos 25, toda engomadinha em cima do salto alto. Garanto que atende pelo nome de Patrícia, e seu apelido com certeza é Patricinha. Dei uma desanimada, e pra facilitar, fiz o diagnóstico pra ela:
-- Graças a Deus! A culpa é do cachorro-quente! Já tive isso! Já tenho ficha! É só me dar um buscopam com dramim na veia que fico boa na hora...
Ela não se abalou. Não tinha pressa. (Não era ela que estava mais branca que um fantasma, mais gelada que um picolé e se dobrando em mil naquela maca, como se tivesse vindo direto do palco do Circ du Soleil).
-- O que foi que houve?
Tive ódio de tanta calma.
-- Cachorro queeeeeeeente!!!!!!!!!!!!
-- Sei... e o que você está sentindo?
-- Dor, cólica, enjôo, tontuuuuuuura...
Me desesperei:
-- É infecção!!!! Me dá um remééééééédio...
E ela, impassível:
-- Onde é que dói?
-- A barriiiiga!
-- Teve diarreia?
-- Nããããão...
-- Você sempre tem isso?
-- Seeeeeempre...
-- Sei... espera aí que eu volto já.
Segundo round de espera e de contorcionismo na maca. Finalmente ela voltou e fez aquela que seria a última pergunta:
-- Que remédios você toma quando tem isso?
Foi nesta hora que a natureza agiu por mim e resolveu tudo: o que restava do cachorro-quente resolveu entrar na conversa, subiu pela minha garganta e foi parar no chão. Só ouvi a voz do co-piloto, murmurando para a médica:
-- Que merda, hein?
Ainda consegui olhar para a jovem doutora, que parecia se contorcer de nojo diante da cena... e imediatamente receitou o coquetel de remédios que me trouxe de volta à vida.
Moral da história:  um vômito vale mais que mil palavras.


Segue a trilha sonora da noite de ontem:


Leia também:
Milagre na emergência 

O piriri e a filosofia do Tim Maia

sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

A miséria está onde o homem está

Ali, no calor das férias, onde tudo é lindo e maravilhoso, uma imagem como esta deixa a gente meio chocado mesmo:


Estes aqui são os homeless, os sem-teto dos Estados Unidos, muitas vezes provenientes de uma classe-média falida e que esmolam de um jeito diferente ao que a gente está acostumado: muitos deles, politizados e esclarecidos, têm pudor em pedir. Não sou especialista em Estados Unidos, mas ao menos os pedintes que eu vi, não olham nos olhos de quem passa e finge ignorá-los, e mantêm-se em uma postura rígida, quase parte da paisagem... um monumento à crise econômica e à indiferença social.


Lembro que a primeira vez em que estive em Florença, na Itália, o que mais me chamou a atenção foi o grande número de pessoas ajoelhadas nas esquinas, com o rosto colado ao chão e com as mãos inchadas e avermelhadas pelo frio. Diante delas, um copo vazio esperava pela esmola que raramente pingava. Os turistas estão sempre ocupados demais babando nos monumentos ou nas lojas, e raramente têm olhos para estas coisas. Quando coloquei um copo de chocolate quente diante de um deles, minha amiga italiana me recriminou:

-- Estes aí vieram do leste europeu!

E eu pensei logo que os europeus do leste estão para a Europa como os nordestinos estão para o resto do Brasil.

Nem a mágica Paris ficou de fora: lá também os sem-teto se acomodam na soleira das lojas do Boulevard Saint Germain, quando a noite chega e o frio aperta. Um deles se ofendeu, quando pedi para tirar uma foto; logo adiante, um outro, que falava ao celular e fumava um cigarro, me sorriu e consentiu ao ver a máquina; e um terceiro fez pose em meio aos cobertores...
 
 
Diferentemente de NY, onde à noite não vi pedintes no metrô, em Paris é justamente no metrô que eles se concentram para fugir do vento.
 
Vez por outra acabo vendo, no Rio ou em qualquer outro lugar, que a miséria sempre está onde o homem está, e que nenhum de nós vive totalmente a salvo dela. E isto é o que mais choca nos homeless dos Estados Unidos: gente como a gente, da classe média, que conhece o que é ter uma casa, uma cama e um salário, que sabe o que é ter planos, sonhos e oportunidades... e que por um revés foi parar na solidão e no desamparo das ruas. Quem é que está livre disso? Talvez só a família real da Inglaterra... e olhe lá, hein, porque a vida é insondável em seus mistérios.

Penso no Helio Ambrósio, um senhor saído da minha infância: mineiro filho de italianos e cuja beleza nem a miséria e nem a loucura conseguiram apagar. Pé-de-valsa bem-nascido, resistiu incólume à tragédia pessoal na lembrança de juventude da minha mãe e das moças de sua geração... algumas que, inclusive, sonharam casar-se com ele.

Helio Ambrósio, o rapagão bom-partido de outrora, teve a infelicidade de cair no alcoolismo por causa de uma mulher que lhe tirou tudo o que pôde, inclusive a lucidez, e morreu depois de anos arrastando-se pelas ruas, fora do alcance de qualquer tentativa de ajuda da família ou dos amigos. Uma tristeza só. E uma tristeza da qual ninguém, nem o mais respeitável príncipe herdeiro do mundo, está livre de padecer. 

As moças de NY

E-clé-ti-cas...










 


quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

Me perdi nas Nova Iorques da vida

A primeira vez que me dei conta de que realmente precisava aprender DIREITO o espanhol, foi quando, vivendo e trabalhando em Buenos Aires, e me virando mal e porcamente com o meu portunhol, quis discutir com uma vendedora de loja e não pude, porque o idioma não permitia. Foi aí que tomei a decisão e me matriculei na faculdade, de onde saí, algum tempo depois, direto para a tal loja e finalmente discuti com a tal vendedora, que era uma implicante e tratava todos os brasileiros muito mal.
Em Nova Iorque vi que realmente dominava o inglês quando um motorista de caminhão quase me atropelou numa esquina, deu risadas lá de cima de sua cabine e ainda abriu a porta pra me sacanear... e olha que estava fazendo zero graus. Quando dei por mim, já tinha gritado:
-- Clown!
Por falar em palhaço, foi mais ou menos como nos sentimos quando fomos procurar CDs no East Village, área alternativa da cidade e que, depois da extinção da Virgin, atende às necessidades da turma que gosta de CDs: é ali que se concentram lojas de vinil, CDs e DVDs novos e usados. Entramos numa loja e eu perguntei, toda simpática, à mocinha coberta por tatuagens no caixa:
-- Tem aí uma coletânea dos Carpenters?
Ela nos olhou com cara de nojo e respondeu:
-- Não temos “isso” aqui.
E eu:
-- E America?
Foi aí que o meu co-piloto sacou onde estávamos e provocou:
-- Pergunta pra ela se eles têm Julio Iglesias!
Aí eu também me dei conta: uma loja ultra-alternativa de roqueiros, onde pode-se encontrar do mais pesado metal ao mais interessante dvd, daqueles que dificilmente se encontra nas grandes lojas. Eu comprei duas raridades:
 
Na loja ao lado, fui visitar meu friend Bill, um senhor antipático para os padrões brasileiros, mas simpático para os padrões americanos, e que tem quase tudo em sua lojinha de poucos metros quadrados... abarrotados de CDs e dvds. Ali, é possível encontrar, por exemplo, um CD triplo e lacrado dos Carpenters por 30 dólares. A loja é meio sufocante, mas se você ficar incomodado pode fazer os pedidos parado na soleira, que o Bill trata de encontrar tudo pra você.



Mais adiante, entrei numa loja de piercings e olha só o que eu encontrei:

 
Pra ser sincera, nem eu sabia o que era isso. Um piercing gigante? Não, meu nego! O vendedor me explicou que é um cachimbinho de vidro. Naquela loja tão alternativa, entendi logo:
-- Aaaaahhhh... é pra fumar maconha!

E o vendedor logo se defendeu:
-- Isto é você quem está dizendo. Este cachimbo pode ser usado para fumar qualquer coisa, inclusive tabaco.
Foi neste ponto da conversa que lembrei o quanto as diferenças culturais entram em cena quando estamos em um estabelecimento comercial no estrangeiro. Tenho um amigo que entrou numa birosca, na Bolívia, junto com o filho de dez anos e pediu:
-- Tienes coca?
O vendedor quase caiu pra trás:
-- Claro que no!
Ele entendeu a gafe e emendou rapidinho:
-- Coca-cola!
E o vendedor:
-- Claro que sí!
Outro amigo, em Cuzco, aos pés da cidade mágica de Machu Picchu, entrou também numa birosca e pediu coca, aquela outra mesmo. E um homem com cara de traficante saiu com esta:
-- Aaaahhh, quieres Brizola?
Bom, mas vamos voltar a Nova Iorque. Outro amigo pediu uma encomenda: um maço de cigarros cuja marca não existe no Brasil. Desistiu da encomenda quando liguei pra dizer que cada maço custa nada mais, nada menos, que 14 dólares! E este é dos baratinhos, porque alguns chegam a mais de 20. Entendi por que é que muita gente bem-vestida se abaixa para catar no chão a guimba que alguém deixa para trás. Sério, gente: sai até briga de tapa nas avenidas nova-iorquinas por causa de guimba de cigarro. Olha os mais baratinhos:

 
Outra coisa que aprendi em minhas andanças pela Argentina foi:
-- No haga chistes! (Não faça piadas!).
E o motivo é simples: cada cultura tem seu tipo de humor, e o que é piada pra uns pode ser ofensa ou constrangimento para outros. Longe do circuito comercialzão, entrei numa loja de roupas indianas onde um senhor muito simpático, sósia do Omar Sharif, me atendeu e sugeriu o número maior de uma bata pela qual me interessei. Em tom de brincadeira, perguntei:
-- Estou gorda?
O homem quase teve um treco e só faltou me dar a bata (menor) de presente, na tentativa de me convencer que não foi esta sua intenção.
É a diferença cultural também que faz com que, na portaria do Museu de Arte Moderna, o povo guarde o guarda-chuva numa caixa... eles ficam ali, esperando, e ninguém rouba guarda-chuva alheio! Já pensou se fosse no Brasil?
 
E na igreja? As bíblias ficam lá, esperando os fiéis. De novo: ninguém rouba!
 
 Por falar em Brasil, olha o catador de latinhas de NY: vai de bike!
 
E o pedinte? Eles também têm...

Agora vamos falar de comida que é o meu assunto preferido. Na hora de comer, provei vários dos hamburguers e waffles da cidade, minhas duas paixões. E te digo que a velha cadeia Goodburguer (foto abaixo) continua matando a pau, superando até o delicioso do “BRGR”, cujas vacas nunca comeram nem um grama de agrotóxico.


No quesito waffle, os franceses mais uma vez provaram seu valor. No Le Pain Quotidien, o waffle é uma especialidade, e parece que a manteiga derrete na boca: ela já vem na massa. Fico sem palavras só de lembrar:

 
O da Penélope, cafeteria que está sempre LOTADA, é uma versão também é diferente...
 
E eu finalmente me livrei das panquecas. Por falar em panquecas, a dica do Ariel, amigo e comentarista, sobre o I-hop de NY, foi ótima. Corremos pra lá pra matar as saudades das melhores panquecas americanas. Olha que fofa:
 
Alguém aí me diz como é que este povo passa dos 40 comendo estas coisas logo de manhã? Dá um look!


Quer saber de uma coisa? NY é um parque de diversões adulto tanto quanto Amsterdam, e a gente se diverte só de sair andando sem rumo. Onde mais é possível dar de cara com uma senhora como esta, às dez horas da manhã e sob um frio de lascar?

 

Um rolê pelas vitrines de NY