sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

A miséria está onde o homem está

Ali, no calor das férias, onde tudo é lindo e maravilhoso, uma imagem como esta deixa a gente meio chocado mesmo:


Estes aqui são os homeless, os sem-teto dos Estados Unidos, muitas vezes provenientes de uma classe-média falida e que esmolam de um jeito diferente ao que a gente está acostumado: muitos deles, politizados e esclarecidos, têm pudor em pedir. Não sou especialista em Estados Unidos, mas ao menos os pedintes que eu vi, não olham nos olhos de quem passa e finge ignorá-los, e mantêm-se em uma postura rígida, quase parte da paisagem... um monumento à crise econômica e à indiferença social.


Lembro que a primeira vez em que estive em Florença, na Itália, o que mais me chamou a atenção foi o grande número de pessoas ajoelhadas nas esquinas, com o rosto colado ao chão e com as mãos inchadas e avermelhadas pelo frio. Diante delas, um copo vazio esperava pela esmola que raramente pingava. Os turistas estão sempre ocupados demais babando nos monumentos ou nas lojas, e raramente têm olhos para estas coisas. Quando coloquei um copo de chocolate quente diante de um deles, minha amiga italiana me recriminou:

-- Estes aí vieram do leste europeu!

E eu pensei logo que os europeus do leste estão para a Europa como os nordestinos estão para o resto do Brasil.

Nem a mágica Paris ficou de fora: lá também os sem-teto se acomodam na soleira das lojas do Boulevard Saint Germain, quando a noite chega e o frio aperta. Um deles se ofendeu, quando pedi para tirar uma foto; logo adiante, um outro, que falava ao celular e fumava um cigarro, me sorriu e consentiu ao ver a máquina; e um terceiro fez pose em meio aos cobertores...
 
 
Diferentemente de NY, onde à noite não vi pedintes no metrô, em Paris é justamente no metrô que eles se concentram para fugir do vento.
 
Vez por outra acabo vendo, no Rio ou em qualquer outro lugar, que a miséria sempre está onde o homem está, e que nenhum de nós vive totalmente a salvo dela. E isto é o que mais choca nos homeless dos Estados Unidos: gente como a gente, da classe média, que conhece o que é ter uma casa, uma cama e um salário, que sabe o que é ter planos, sonhos e oportunidades... e que por um revés foi parar na solidão e no desamparo das ruas. Quem é que está livre disso? Talvez só a família real da Inglaterra... e olhe lá, hein, porque a vida é insondável em seus mistérios.

Penso no Helio Ambrósio, um senhor saído da minha infância: mineiro filho de italianos e cuja beleza nem a miséria e nem a loucura conseguiram apagar. Pé-de-valsa bem-nascido, resistiu incólume à tragédia pessoal na lembrança de juventude da minha mãe e das moças de sua geração... algumas que, inclusive, sonharam casar-se com ele.

Helio Ambrósio, o rapagão bom-partido de outrora, teve a infelicidade de cair no alcoolismo por causa de uma mulher que lhe tirou tudo o que pôde, inclusive a lucidez, e morreu depois de anos arrastando-se pelas ruas, fora do alcance de qualquer tentativa de ajuda da família ou dos amigos. Uma tristeza só. E uma tristeza da qual ninguém, nem o mais respeitável príncipe herdeiro do mundo, está livre de padecer. 

7 comentários:

  1. Mas existem aqueles que a mendicancia eh uma opcao e nao uma imposicao.

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  2. No blog anterior, de temática idêntica, citei a existência no Brasil, de homelless oriundo da classe média(a antiga e verdadeira e não essa, que os desgovernos petistas inventaram, aí situando quem percebe em torno de 1200 reais, o que é risível), que por desemprego demorado, sem recolocação profissional, transtornos mentais, dependência química(álcool e outras drogas) e outras, são jogados nessa triste condição. As decepções afetivas, geralmente com traição, respondem por número expressivo de casos dessa derradeira decadência , como em sua referência mineira. Razões individuais , sócio-econômicas e políticas, psico-espirituais estão amalgamadas, na maior parte dos casos.
    Mesmo sem a pretensão de ser exegeta em decadência humana, por exercíos pessoal e profissional, encetei e ainda enceto aproximação dialógica com homeless, muitos deles, sobrevivendo dessa forma, pelas razões elencadas. Infelizmente, poucos conseguem retomar à existência digna.

    Abraço.


    ANTONIO CARLOS

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  3. Fernanda,

    Muito triste o caso do Helio Ambrosio.

    Agora, ca entre nos, se a familia real Inglesa ficar homeless .... , ficaremos todos pior que os homeless das fotos.....rsrsrsrsrs

    Felicidades,

    Gilda Bose

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    1. É, Gilda, mas às vezes o absurdo acontece. Deus nos livre a todos, amém!!!

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  4. Fernanda, os absurdos acontecem sim, mais se este absurdo acontecer, sera o unico homeless com bodyguard ......


    Felicidades,

    Gilda Bose

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  5. A miséria é, mal comparando...o câncer da alma. Não por acaso, a pior miséria -se não estou equivocado- é a pobreza de espírito.
    Realmente, como disse Jung, o impossível acontece .Ato contínuo, até a família real , como bem lembrou a queriDannemann, não possui tooooodas as garantias. Segundo Clarice Lispector "o que nos espera é exatamentene o inesperado ". É tristíssimae perturbadora esta condição decadente para qualquer mortal.

    Mas se formos pensar no que o Lobão propôs: "decadence avec elegance" rs (se não for pecado brincar com esta absurdidade,e que Deus me perdôe... então os "clochards" de Paris possuem uma pequena vantagem (a beleza insuperável da artística cidade), com os homeless da Big Apple.

    Que Deus livre e guarde a todos nós e , se possível, que Ele ilumine os poderosos para que mitiguem esta desumana condição social.

    Ao ler seu post, lembrei-me imediatamente desta música, brilhantemente interpretada pelo incomparável Ney Matogrosso:

    A pobreza só muda o sotaque


    De Porto Alegre ao Acre
    A pobreza só muda o sotaque

    Seres ou não seres
    Eis a questão
    Raça mutante por degradação

    Seu dialeto sugere um som
    São movimentos de uma nação

    Raps e Hippies
    E roupas rasgadas
    Ouço acentos
    Palavras largadas
    Pelas calçadas sem arquiteto
    Casas montadas, estranho projeto
    Beira de mangue, alto de morro
    Pelas marquises, debaixo do esporro
    Do viaduto, seguem viagem
    Sem salvo conduto é cara a passagem
    Por essa vida, que disparate
    Vida de cão, refrão que me bate

    De Porto Alegre ao Acre
    A pobreza só muda o sotaque

    Santé e axé!!!
    Marcos Lúcio

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  6. É como me falou um motorista de táxi uma vez:

    _ Quando alguém chega pra mim e pergunta como vai? eu respondo: tô entre bandido e "mindingo".

    SERGIO NATUREZA - BA

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