-- Tem colete salva-vidas no barco, moço?
-- Tem não...
-- Mas e se o barco afundar?
-- Se afundar nóis nada!
Apesar da resposta óbvia, meu barqueiro teve que encontrar, às pressas, os tais salva-vidas com algum barqueiro vizinho... não fosse assim, "é ruim" que eu topava o passeio, e ele perderia o tutu. Outra coisa é que os barcos com fequência também não são equipados com rádio... e tudo isso faz do passeio uma verdadeira aventura, considerando-se que o rio é grande, profundo e tem correnteza forte em direção ao mar aberto.
A estrada entre Maceió e Piaçabuçu tem paisagem linda, decorada por coqueirais e canaviais a perder de vista; mas o asfalto parece um queijo suíço. No acostamento, volta-e-meia a gente encontra um esqueleto enferrujado do que, um dia, foi um carro. Quase não há placas de sinalização, mas o povo, com sua gentileza sem tamanho, está sempre a postos para dar informações.
As placas, aliás, são um capítulo à parte não só nas estradas próximas à capital, mas também na própria: sinalização turística é artigo raro na região; isto não seria um problema se o GPS funcionasse bem ali tanto quanto funciona no resto do planeta. Icrivelmente, não é o caso. Ninguém soube me explicar o motivo, mas parece que rola um certo mistério do tipo "triângulo das bermudas" em Alagoas, e lá o GPS fica doido e não funciona. Justamente por isso, lá as empresas de aluguel de carro não dispõem de modelos com este equipamento tão útil.
Piaçabuçu fica a mais ou menos 180 Km de Maceió, portanto é preciso sair cedo. No meio do caminho, depois de Barra de São Miguel, chegamos ao mirante que reina sobre a Praia do Gunga, lá embaixo:
É cansativo ir e voltar no mesmo dia, mas vale demais a pena: as águas do Velho Chico são morninhas e limpas, um convite irresistível para um banho. Só esfriam quando a maré sobe e o mar invade o rio. Segundo explicou José, nosso barqueiro, é bom evitar o mergulho caso as águas estejam barrentas, porque é aí que aparecem as piranhas pretas e vermelhas, cheias de fome. O próprio José já foi vítima delas e nos mostrou as cicatrizes na panturrilha, enquanto explicava que piranha é meio parente de elefante, coisa que eu ignorava:
-- Agarrei a bicha pela goela e joguei longe, mas a danada já tinha fincado a tromba na minha perna e tirado um pedaço...
O passeio custa, em média, 25 reais por pessoa, e geralmente o povo faz lotada. São 30 minutos para ir e cerca de 40 para voltar. Em geral, os barqueiros combinam de esperar durante uma hora e meia lá na foz, mas você também pode pagar um valor em torno dos cem reais e ter o barco todinho para si... e caso queira voltar antes, tudo certo. Mas cuidado: os "atravessadores" costumam (literalmente) correr (a pé ou de bicicleta) atrás dos turistas e cercá-los antes que cheguem aos barqueiros... e aí negociam o passeio com preços inflacionados. Seja esperto e vá direto ao barqueiro.
Em Alagoas, o sonho de consumo da população parece ser uma caixa de som gigante, daquelas bem possantes e capazes de travar guerra sonora com as de todos os vizinhos. Nos carros, nas janelas de casa, nas barraquinhas de praia, nos bares... a caixona de som está sempre a mil por hora. Assim sendo, não seria diferente nos barcos que cruzam o rio. Graças a Deus o José, nosso guia, acatou o pedido que fizemos pelo silêncio. Só estranhou mesmo quando lhe oferecemos uma das garrafinhas de água de côco que tínhamos na mochila.
-- Tem cerveja não? Tô de ressaca, se beber água de côco vou piorar...
-- Mas àgua de côco é ótima pra curar ressaca.
-- Prefiro cerveeeeeja... tem nãããão?
-- Não.
-- Nada?! Nem umazinha aí?
-- Não, preferimos água de côco.
Ele fez cara de Sherlock Holmes e pensou ter matado a charada:
-- Ah, já sei... cês são 'crente', são?
Enquanto o silêncio no barco só foi cortado pelo barulho do motor e pelo papo sobre a cerveja e sobre o tamanho das dunas, lá na foz os banhistas curtiam o domingão ao som de axé ou forró. Havia umas farofinhas de leve... nada como a Praia do Francês, benza Deus, mas ainda assim o lanche e o artesanato estavam lá pra manter a tradição... enquanto alguns rapazes faziam pescaria com tarrafa na lagoa, o menino Djavan já comemorava o almoço:
Caminhamos pela areia macia que não grudou na pele, admiramos as dunas, mergulhamos no rio, brincamos com as conchinhas que vêm do mar e ficam morando ali pelas margens de água doce.
O vento não incomoda e os coqueiros ao longe parecem estar dançando, pra lá e pra cá... ai que soninho que podia dar, se não houvesse a batalha das caixas de som... este passeio no rio é, de longe, o que há de melhor por aquelas bandas, mas, pra ser paradisíaco mesmo, deve ser feito entre segunda e sexta-feira. De qualquer forma, a visita ao Chicão valeu demais, e só me restam as palavras de sempre...
Boa noite,Fernanda Dannemann.
Concluiu o passeio a Maceió ou estou enganado?
Acompanhei as suas postagens e me pergunto se
você foi fazer turismo ou trabalhar?
Eu pessoalmente, se estivessse no seu lugar,não
teria digitado uma linha. Reuniria todos os assuntos e faria a postagem quando estivesse em casa. É porque é muito cansativo digitar e passear cumprindo longos percursos. Mas você foi
muito bem. Você é você,a única no mundo.Gostei dos seus textos exclusivos. Fernanda Dannemann, só há uma no planeta, uma só com este estilo.
Inimitável,real,inusitada, boa na caneta pra caramba. Tá aqui um admirador ardoroso.
Um forte abraço para a única FD.
João Rocha
Caro João, agradeço seus elogios, que na verdade são exagerados. Quisera eu fazer jus a 1/3 deles... mas sim, concluí a viagem: eu tinha muita vontade de voltar a Alagoas só pra navegar de novo no São Francisco. Valeu muito! Abraços!
ResponderExcluirFernanda,
ResponderExcluirAdorei as fotos, a reportagem e as dicas.
Beijos
Gilda Bose
Pois é, queriDannemann...vendo estas deslumbrantes fotos, dá uma vontade danada, justamente pelo encontro do Velho Chico com o mar> Mas, evidentemente, sem axé , cruzes!!!
ResponderExcluirNas minhas sugestões de passeios, embora sabedor deste, não o indiquei pois não havia feito,naquelas priscas erasssss, quando lá estive.
Realmente, vale a pena e, melhor ainda, é fundamental agradecer a Deus, como você sensatamente fez, como na bela foto do barco. É um privilégio ter olhos e sensibilidade para para se deleitar com paisagens tão tropicais e sedutoras, né???
Santé e axé!!!
Marcos Lúcio