-- Alô?
-- Chamada a cobrar... para aceitar continue na
linha após a identificação.
Piiiimmmmm!!!!!
-- Pois não? Alô?
-- Oi!!!
-- Quem é que está falando?
-- Sou eu...
-- Eu quem?
-- A Juliene...
Levei um choque. Olha que nem cheguei a procurar a cigana para trazer de volta a Cinderela do Lar em três dias... será que meu santo é tão forte, que só de pensar na hipótese a macumba já deu resultado? A cigana é telepata? Será que me passa os números da loto ou o gabarito da próxima prova para a Petrobras? Respirei fundo e banquei a
Fernanda Montenegro:
-- Que Juliene?
Ela não se fez de rogada e veio com a vozinha mole:
-- Já esqueceu de mim? Sou eu, dona Fernanda, a Juliene, sua diarista.
Fiz pouco caso, inclusive para ganhar tempo e saber
como agir: na dúvida, fui mais gelada que pinguim.
-- Ah. Oi, Juliene. Pois não. Está me ligando por
quê?
Por um momento, fiquei com medo que ela dissesse “porque
uma cigana apareceu aqui em casa junto com a Pomba-Gira e o Preto Velho, e
todos eles me disseram pra ligar porque a senhora anda meio desesperada aí por
causa de empregada...". Mas graças ao
bom Deus maluquices como estas só acontecem mesmo é na minha imaginação, e ela
armou sua voz de choro (aquela que eu conheço tão bem...) e me saiu com esta:
-- Ô dona Ferdddddaaaaaaannnnddddaaaa... eu preciso
que a senhora me perdoe... fui uma ingraaaaaata... a senhora me ajudou tanto, e
eu pisei na bola com a senhooooora...
Tremendo déjà vu. Voltei no tempo e me vi, com cara
de idiota, sendo mais uma vez enrolada pelas histórias rocambolescas que só a
Juliene sabe contar... um dia morre a avó de 90 anos; no outro, é o filho que desaparece pela
milésima vez; ou então ela tomou uma surra do namorado; ou baixou no hospital
com dengue, problema de coluna ou hemorragia vaginal... e eu sempre acreditava
em tudo e dava até dinheiro para ajudar com o velório da velhinha. Senti um arrepio
de horror me subindo pelas costas. Foi quando ela continuou:
-- E eu sonho toda noite com senhooooora...
O arrepio agora desceu de volta pela espinha. Larga
d´eu, Zebedeu, que este papo tá esquisito...
Resolvi acabar com a lenga-lenga:
-- Tá perdoada, Juliene, pode dormir em paz.
Ela acabou com o choro na hora e veio toda
animadinha:
-- Então quando é que eu volto?
Tcham, tcham, tcham, tchaaaaaaam... (nesta hora, juro que pensei estar ouvindo
a Quinta Sinfonia de Beethoven).
-- Segunda-feira às dez?
Ela insistia, e enquanto Beethoven mandava brasa na música de fundo, eu pensei: “ É pegar ou
largar!”. E repensei: "Dez horas?! Ela não mudou nada... isso lá é hora de diarista chegar para o batente?". E não é que eu, totalmente de veneta, larguei?
-- Não, Juliene... aqui em casa você não volta mais
não...
Eu ainda tentava acreditar em minhas próprias palavras quando ouvi, do outro lado da linha, o tombo que ela tomou do
cavalo. Foi neste momento que a cigana, "p" da vida, deve ter pensado "esta doida me botou pra trabalhar à toa, e agora que fiz o milagre ela põe tudo a perder?!". Por um segundo, temi aborrecer a entidade.
-- A senhora arranjou outra? -- (Juliene estava descadeirada).
-- Não... estou limpando chão, passando roupa,
lavando banheiro... mas pelo menos ninguém mais mente, chega atrasado ou falta
ao serviço aqui em casa... (a cigana há de entender que pensei melhor e tenho razão).
Horas mais tarde, meio arrependida, quase em dúvida a respeito de ter feito a coisa certa e já pensando em pedir arrego depois de me fazer de difícil, falei com meu marido:
-- Tomara que ela agora me ligue um milhão de vezes
querendo voltar, porque aí eu posso aceitar sem perder a pose de durona...
Acho que a cigana se cansou de mim ou viajou para o Caribe, porque desta
vez não me atendeu, e a Juliene nunca mais deu as caras. E eu, que já não dou as
caras há meses lá na manicure, estou aprendendo a gostar da liberdade que
existe em não precisar desesperadamente de uma faxineira... em aprender a empurrar
as cutículas e passar um esmalte nas unhas, depois de lavar a roupa... e de ter
a casa inteirinha só pra mim, sem uma diarista que está sempre de antena ligada
e orelha em pé, e pronta para faltar ao trabalho quando lhe der na telha, e eu
que me dane.
Estou aprendendo que existe liberdade até em chutar o balde e não
limpar nada... uma poeirinha de vez em quando não mata ninguém, nem uns
pratinhos sujos na pia. Deixo a bagunça pra lá e ainda pego o salário dela, que anda sobrando no orçamento doméstico, e faço uma festa na minha loja preferida. Taí um jeitinho bom de pegar o limão e fazer uma limonada.
Clique abaixo para ouvir a trilha sonora do meu papo com a Juli:
Clique abaixo para ouvir a trilha sonora do meu papo com a Juli:
Leia também:
"Trago a Cinderela do Lar em três dias"
O milagre da multiplicação das Julienes
É mais fácil encontrar marido que empregada doméstica
Lula e o fim das empregadas domésticas
Shopping center para as brancas, violência para as negras
Você fez bem
ResponderExcluirObrigada pelo apoio. Agora vem aqui em casa lavar um banheiro porque apoio não pode ser só "moral", não. Tem que ser na prática também...
ExcluirOi Fernanda,
ResponderExcluirEu também estou na mesma situação que a sua: curtindo integralmente a minha liberdade.
Nesse calor uma limonada com bastante gelo é uma delícia.
Parabéns por ter resistido bravamente.
Mercedes
Viu como eu me saí bem, Mercedes???
ExcluirBom dia Fernanda,
ExcluirPor incrível que pareça, a minha "Juliene" me ligou ontem, inicialmente como uma conversa de "cerca Lourenço", que tinha sonhado comigo, que eu fui a melhor patroa dela, que ele gostava muito de mim, que estava com saudades, etc. e tal e que queria voltar lá prá casa.
Aí eu pensei no que havia postado prá voce, te parabenizando por ter resistido bravamente à sua Juliene.
Resisti bravamente também, mas confesso que deixei a porta meio aberta, porque a "liberdade que estou curtindo integralmente" já está me sufocando. :)
Assim como voce, não pretendo ficar prá sempre com a vassoura na mão.
A minha saga também continua...... vamos ver o que o futuro me reserva.
Depois te conto tudo.
Beijos
Mercedes
Mercedes, te entendo bem. Só a dona-de-casa abandonada pela assistente pode saber onde o calo aperta. Se a sua Juliene não te sacaneou, você fez bem em deixar a porta aberta. Vamos continuar trocando figurinhas, e quem sabe não fundamos um grupo de apoio mútuo? Bjos!
ExcluirEu juro que depois que lí o post,pensei em dar um "apoio moral",mas mudei de ideia,para não receber o mesmo convite que o Marcelo recebeu...
ResponderExcluirMonica.
Monica querida, você já está convidada! Pode vir que eu tô esperando!!!
ExcluirFernanda,
ResponderExcluirQuando voce escreveu no seu post, a "saga" na procura de uma diarista nao dei nenhum comentario. Agora sim, posso falar: gostei da sua atitude e mais ainda de voce perceber que a sua liberdade e mais importante (tambem sei que e duro fazer as coisas sozinhas e trabalhar fora).
Uma vez eu escutei esta frase:"a casa fica e voce vai" ....adorei.
Beijos
Gilda Bose
Valeu, Gilda! Mas a saga continua, porque não vou ficar pra sempre com a vassoura na mão...
Excluir- Mulher interessante só usa vassoura como meio de transporte...
ResponderExcluirNão, Anônimo. Você está errado: a mulher interessante usa a vassoura como meio de transporte mas também aproveita e varre a casa, porque homem que vale a pena detesta mulher porca. Sacou?
ExcluirSe voce comprou as oferendas que a mae Joana recomendou, poe numa caixa termica e manda para mim!
ResponderExcluirNão cheguei a comprar porque não cheguei a fazer consulta, Ariel! Mâe Joana é telepata e fez o trabalho antes mesmo de eu ir lá falar com ela...
ExcluirCuando un empleado renuncia, por más valioso que sea, su patrón debe dejarlo partir sin problemas, debe desearle con sinceridad que le vaya bien en su nueva actividad y reemplazarlo lo más rápidamente posible. Cuando un empleado vuelve al antiguo trabajo, normalmente es porque le fue mal en su nuevo trabajo. No vuelve humilde y arrepentido, está enojado, rencoroso y buscando venganza: nadie mejor que su ex-patrón para cargar con la culpa de su "mala suerte". Aunque no todos los casos son así, es bueno tener cuidado y protegerse, nadie nos conoce mejor que quien ha trabajado horas junto a nosotros, y puede causarnos mucho daño. Pienso que de aceptar nuevamente Juliene hubiese pagado un precio muy caro en el futuro, saludos cordiales Fernando Gras
ResponderExcluirHola, Fernando! Saludos desde Brasil!!! Muchísimas gracias por unas líneas venidas de Argentina, mi segunda casa! Mira, estoy contenta conmigo y con el coraje que tuve en decir "no!" a Juliene... pero limpiar todo sóla es muy pesado... de pronto espero tener alguien aqui que me pueda ayudar con todo, antes que yo me ponga loca...
Excluir